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MPT-PB aponta tráfico de pessoas

publicado: 15/12/2025 08h36, última modificação: 15/12/2025 08h36
Órgão pede indenizações milionárias contra influenciadores, acusados de trabalho análogo à escravidão
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Entidade informa ter provas robustas sobre práticas ilícitas atribuídas a Hytalo e ao seu marido, presos preventivamente em agosto | Foto: Reprodução/Instagram @hytalosantos

por Joel Cavalcanti*

O Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) tornou públicos novos desdobramentos sobre o caso envolvendo o influenciador paraibano Hytalo Santos. Em nota divulgada ontem, a instituição detalhou as conclusões de uma investigação que aponta a existência de um esquema de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e submissão de crianças e adolescentes a condições análogas à escravidão. A ação tramita em segredo de Justiça.

De acordo com o MPT-PB, o caso está sendo conduzido por um Grupo Especial de Atuação Finalística (Geaf) de alcance nacional, formado por procuradores de diversas regiões e especializado na temática de proteção à infância. O inquérito reuniu o que o órgão classificou como “robustos elementos de prova” sobre práticas ilícitas atribuídas a Hytalo Santos e ao seu esposo, Israel Nata Vicente, conhecido como “Euro”.

Esse procedimento é distinto de outras investigações e ações criminais em que o casal responde, como processos na esfera criminal por tráfico de pessoas, produção e divulgação de pornografia infantil e exploração de menores, conduzidos pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB). O casal de influenciadores está preso preventivamente desde 15 de agosto, por determinação da Justiça da Paraíba, e permanece detido na Penitenciária Desembargador Flóscolo da Nóbrega — o Presídio do Roger —, na capital.

O caso também envolve pedidos milionários de indenização: o MPT-PB solicita valores individuais que variam de R$ 2 milhões a R$ 5 milhões para cada vítima, além de R$ 12 milhões por dano moral coletivo. Procurada pela reportagem do jornal A União, a defesa dos acusados não se manifestou até o fechamento desta edição.

Segundo o MPT-PB, o casal teria comandado, “ao longo de anos”, um sistema que envolvia o aliciamento de adolescentes vulneráveis, principalmente da cidade de Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. O grupo era conhecido entre os seguidores como “crias do HS”. A instituição afirma que as famílias, em situação de extrema fragilidade socioeconômica, teriam aceitado entregar os filhos mediante promessas de fama, apoio financeiro e moradia em João Pessoa.

“Aproveitando-se da situação de vulnerabilidade socioeconômica de famílias carentes, Hytalo Santos e Euro aliciaram crianças e adolescentes [...] e os abrigaram na residência do casal em João Pessoa, numa espécie de ‘arranjo familiar’ ilícito, que não encontra respaldo na legislação nacional”, diz a nota divulgada pelo MPT-PB. O órgão relata que as “crias” eram levadas a viver com o casal e submetidas a uma rotina rígida, com restrições de liberdade e constante exposição em redes sociais.

A investigação aponta que as crianças e os adolescentes eram exibidos diariamente em fotos e vídeos com conotação sexual, participando de coreografias sensualizadas e vestindo roupas consideradas inadequadas para suas idades. Segundo o MPT-PB, esse conteúdo era monetizado na internet e usado para impulsionar a imagem pública dos influenciadores.

Além da exploração digital, o órgão afirma ter identificado situações presenciais. Os adolescentes acompanhavam o casal em festas e viagens, frequentando ambientes “moralmente tóxicos”, conforme a nota, e eram apresentados como “troféus” em contextos de troca de favores e parcerias comerciais. Para intensificar o apelo visual dessas aparições, a investigação registrou que alguns adolescentes passaram por “sucessivos procedimentos estéticos”, custeados ou incentivados pelo casal.

Jovens viviam em condições de “cárcere privado”, segundo nota

O MPT-PB também aponta elementos para caracterizar trabalho em condições análogas à escravidão. Testemunhas ouvidas durante o inquérito, entre elas ex-assessores particulares e policiais militares que atuavam na segurança do casal, relataram que os adolescentes viviam isolados da família, sem autonomia financeira, sem remuneração e submetidos a longas jornadas de gravação. Segundo esses relatos, havia controle rigoroso da rotina dos jovens, privação de sono e confiscos de aparelhos celulares, o que impediria o contato deles com o mundo exterior.

Para o MPT-PB, o conjunto desses elementos indica um cenário de “cárcere privado” e de violação a normas internacionais de proteção à infância. A instituição lembra que tanto a exploração sexual quanto o trabalho análogo à escravidão são considerados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como formas graves de trabalho infantil.

A nota ainda menciona a responsabilidade dos pais dos adolescentes envolvidos. De acordo com o MPT-PB, muitos responsáveis teriam aceitado vantagens financeiras, abandonado o acompanhamento escolar dos filhos e permitido o rompimento de seus vínculos familiares. Embora reconheça que essas famílias encontram-se em situação de extrema precariedade, o órgão afirma que o comportamento delas poderá gerar responsabilização nas esferas cível e criminal. Contudo, o MPT-PB optou por não pedir punição financeira aos pais, para não comprometer a subsistência das próprias vítimas.

Dois processos

O Ministério Público do Trabalho ajuizou dois processos judiciais relacionados ao caso. Em agosto, uma ação cautelar resultou no bloqueio de bens e ativos financeiros de Hytalo Santos, Israel Nata Vicente e empresas associadas ao casal, até o limite de R$ 20 milhões. De agosto a setembro, a Justiça cumpriu diligências para a apreensão de veículos de luxo e o bloqueio de contas bancárias.

Em setembro, o órgão apresentou uma ação civil pública pedindo a cessação definitiva das práticas investigadas, o pagamento de R$ 12 milhões por danos morais coletivos e indenizações individuais às vítimas, que variam de R$ 2 milhões a R$ 5 milhões. O MPT-PB solicitou também medidas de acompanhamento psicológico, social e médico para os adolescentes, com apoio de órgãos da Assistência Social e de Saúde.

No fim de outubro, a Justiça concedeu liminar proibindo o casal de publicar ou monetizar qualquer conteúdo envolvendo as vítimas, bem como de manter adolescentes em suas residências ou ter acesso aos seus dispositivos eletrônicos. Além disso, a decisão impõe restrições aos pais dos adolescentes, impedindo que eles permitam a participação dos filhos em conteúdos digitais com conotação sexual ou em atividades classificadas como piores formas de trabalho infantil.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de dezembro de 2025.