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Surto de zika

Mães enfrentam desafios cotidianos

publicado: 15/12/2025 08h58, última modificação: 15/12/2025 08h58
Uma década depois da epidemia, famílias convivem com os impactos permanentes oriundos da microcefalia
2025.12.03 Especial 10 anos da epidemia de Zica - Michele e suas filhas Maria Alice e Maria Cecília © Julio Cezar Peres (2).JPG

Michele Bezerra só descobriu que suas gêmeas Maria Alice e Maria Cecília tinham a má-formação congênita após elas nascerem | Fotos: Julio Cezar Peres

por Maria Beatriz Oliveira*

Há 10 anos, o Brasil virava notícia no mundo todo por ser um dos principais centros da epidemia do zika vírus. O arbovírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti — o mesmo que causa a dengue e a chikungunya —, provoca uma infecção normalmente leve, mas que, em gestantes infectadas, pode levar à síndrome congênita do zika (SCZ), cujo resultado pode ser microcefalia e outras anomalias neurológicas, oculares e motoras. Além disso, o vírus danifica o desenvolvimento do cérebro fetal, o que explica a característica da cabeça menor nas crianças afetadas.

De 2015 a 2017, o Brasil registrou quase cinco mil casos de nascidos vivos com a má-formação em decorrência do zika vírus. A Paraíba foi o segundo estado com o maior número de casos, ficando atrás apenas de Pernambuco.

Em 2025, 10 anos após o surto, as mães paraibanas ainda enfrentam a luta diária para garantir o mínimo de qualidade de vida aos filhos com microcefalia. No Instituto Professor Joaquim Amorim Neto de Desenvolvimento, Fomento e Assistência à Pesquisa Científica e Extensão (Ipesq), em Campina Grande, elas se encontram — vindas de diferentes regiões do estado — para buscar apoio e renovar a esperança.

Michele Bezerra é mãe das gêmeas Maria Alice e Maria Cecília, de 10 anos, frutos da sua primeira gravidez. Ela conta que só soube da má-formação congênita nas filhas no momento do parto. “Fiz vários exames e não foi detectado nada. somente percebi que havia algo diferente quando elas nasceram. O médico veio e explicou que elas tinham microcefalia e, na época, eu sequer sabia o que era. O que mais me marcou foi ele dizer que a expectativa de vida delas não passaria dos 10 anos”, conta.

Michele narra que, mesmo com o prognóstico desfavorável, manteve a esperança. “Eu tenho um sobrinho com paralisia infantil e ele evoluiu muito bem. Mesmo os médicos me dizendo que elas não falariam e nem andariam, eu continuei acreditando e, quando elas estavam com um ano de idade, já faziam os tratamentos semanais aqui no Ipesq. Mas, quando elas completaram três anos e nada mudou, foi aí que caiu a ficha e eu entrei em depressão”, relata.

Depois das gêmeas, Michele teve mais três filhas. Elas deram novo fôlego para a mãe continuar lutando pela qualidade de vida de Alice e Cecília. “As irmãs são apaixonadas por elas e minha mãe também nos ajuda. Venho de Sumé, toda quarta-feira, para que elas possam continuar fazendo o acompanhamento. Aqui no Ipesq elas têm acesso a fisioterapeuta, fonoaudiólogo, ortopedista, nutricionista, dentista, otorrino, então é muito importante”.

Apesar de as gêmeas terem ultrapassado a expectativa de vida dada pelo médico, Michele admite que vive uma espécie de luto antecipado. “De fato, estamos vendo várias crianças com microcefalia, que nasceram em meados de 2015, falecerem, e sofremos todas juntas quando recebemos a notícia. Vivemos com medo de que os nossos filhos sejam os próximos”, desabafou.

Maria dos Remédios Clemente também só soube que sua filha, Maria Clara, tinha microcefalia no momento do parto. Era sua terceira gravidez e, durante uma ultrassonografia de rotina, uma profissional de enfermagem chegou a desconfiar da condição, mas não tinha segurança suficiente para confirmar. “A enfermeira que fez o exame me disse que havia uma discrepância entre o tamanho do fêmur e o do crânio. Falei com meu médico, e ele disse que estava tudo normal. Minha desconfiança aumentou ainda mais quando vi a entrevista da dra. Adriana no Fantástico sobre a relação do zika com a microcefalia, mas só tive a confirmação quando ela nasceu”, relata a mãe. 

Mesmo caso aconteceu com Maria dos Remedios e sua filha Maria Clara

Natural de Sousa, no Sertão paraibano, Remédios apresentou os sintomas da zika aos seis meses de gravidez, mas acreditou tratar-se de uma virose. Hoje, com o apoio recebido no Ipesq, ela percebe uma melhora na qualidade de vida da filha. “Ela evoluiu muito, consegue segurar melhor a cabeça e o tronco e, na medida do possível, está bem”.

Projeto Amor sem Dimensões, no Ipesq, acolhe e assiste as crianças

O Ipesq foi o espaço que abraçou o projeto Amor sem Dimensões, criado pela médica Adriana Melo, em 2018. A especialista em Medicina Fetal foi a primeira pesquisadora a identificar a relação entre as gestantes que haviam sido infectadas com o zika vírus e o nascimento de crianças com microcefalia.

Passados 10 anos desde a epidemia, a médica lamenta que ainda não exista uma vacina contra o vírus. “Se ainda estivéssemos tendo muitos casos de zika, estaríamos em uma situação muito grave. Há estudos para criar uma vacina, mas o processo é muito lento. Se formos comparar com o que aconteceu com o Covid-19, vamos ver o quão rápido foi. O que facilitou o processo é que o Covid não era um vírus totalmente desconhecido, era uma mutação de um agente que já tinha atingido a Ásia e o Oriente Médio em anos anteriores, então já existia vacinas em estágios iniciais sendo desenvolvidas, principalmente na China. Mas, para o vírus da zika, faltou investimentos. Percebemos que, quando a doença atinge países mais pobres e populações de baixa renda, sem muitos efeitos na economia global, o investimento em pesquisa é mínimo. Isso faz com que os avanços sejam lentos”, declarou Adriana.

No espaço, são realizadas diversas atividades para o desenvolvimento dos pacientes

Sem a perspectiva de uma vacina, o receio que mais gestantes sejam infectadas permanece o mesmo, assim como as orientações que eram passadas para as grávidas uma década atrás. “O zika não deixou de circular. Para se ter uma ideia, temos crianças com menos de um ano com microcefalia em nosso centro, em Belo Horizonte. O vírus ainda é um risco, e o conselho às gestantes nunca mudou: o uso de repelente continua sendo nossa melhor opção. Achar que ele acabou é um engano, e a nossa única proteção é a individual, usando repelente diariamente, sobretudo nos quatro primeiros meses da gestação”, recomenda a especialista.

Para as famílias que já foram afetadas com a microcefalia, Adriana cobra uma maior assistência por parte do Sistema Único de Saúde (SUS). “O sistema de saúde pública não oferece as terapias que essas crianças precisam. Temos que repensar como é feita a assistência à criança com deficiência porque, quando a criança nasce com uma deficiência, ela precisa iniciar a terapia precocemente para habilitar suas funções. Ainda não vemos isso acontecendo pelo SUS”, pontuou.

Boletim da SES registra queda expressiva nos casos do arbovírus

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) da Paraíba divulgou, no dia 3 de dezembro, um Boletim Epidemiológico das Arboviroses referente ao período de 1o de janeiro a 2 de dezembro de 2025, com destaque para a expressiva queda nos casos de zika no estado. Segundo o documento, foram registrados 22 casos prováveis da doença — uma redução de 76,09% em relação ao mesmo período de 2024, o maior recuo entre as três principais arboviroses urbanas monitoradas.

Apesar da baixa incidência, a SES reforça que o vírus da zika continua circulando e exige atenção, especialmente por seus potenciais impactos na saúde materno-infantil. A diminuição significativa é atribuída ao fortalecimento das ações de vigilância e controle vetorial desenvolvidas ao longo do ano.

No total, a Paraíba contabilizou 8.570 casos prováveis de arboviroses em 2025, sendo 7.339 de dengue, 558 de chikungunya e 651 confirmações de febre do oropouche. As quedas também foram expressivas em dengue (47,65%) e chikungunya (67,02%), mas a zika registrou o recuo mais acentuado.

Mesmo com a redução geral, o estado confirmou nove mortes por dengue — cinco em João Pessoa, uma em Campina Grande, uma em Solânea, uma em Tavares e uma em São Domingos do Cariri — e dois óbitos por chikungunya, em Campina Grande e Prata.

A técnica responsável pela vigilância das arboviroses na SES, Carla Jaciara, destaca que o cenário é positivo, mas não permite relaxamento. “Os dados divulgados mostram uma melhora importante em relação ao ano passado, mas os vírus continuam em circulação. Precisamos manter a vigilância, fortalecer a notificação oportuna e intensificar as ações de controle vetorial. E isso só é possível quando Estado, municípios e população atuam juntos”, afirmou.

Carla reforça que a eliminação de criadouros segue como a medida mais efetiva para prevenir todas as arboviroses, inclusive a zika. “Mais de 70% dos focos do Aedes aegypti estão nos domicílios. Por isso, é essencial que cada família reserve um momento da semana para verificar vasos, caixas d’água, reservatórios, calhas, garrafas e qualquer objeto que possa acumular água. Essas pequenas ações evitam adoecimentos e salvam vidas”, explicou. Ela alerta ainda para a importância de procurar atendimento médico ao surgimento dos primeiros sintomas e evitar automedicação.

A SES reforça que o reconhecimento precoce dos sinais e a adoção de medidas preventivas são essenciais para evitar agravamentos e manter controlada a circulação viral — especialmente no caso da zika, que pode causar complicações graves durante a gestação.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de dezembro de 2025.