Notícias

Mulheres lutam pelo fim da violência obstétrica no país

publicado: 04/11/2017 18h05, última modificação: 04/11/2017 18h57
4.jpg

Respeito e assistência durante o período da gravidez e do parto são direitos fundamentais da mulher - Foto: Documentário Renascimento do Parto

tags: violência obstétrica , gravidez , negligência


Adrizzia Silva

Durante todo o período da gravidez, a mulher tem o direito a bons cuidados de saúde. Embora essa afirmação pareça lógica e simples, pesquisas mostram que ela nem sempre se confirma. A violência obstétrica é caracterizada por atos de negligência, assédio moral e físico, abuso e desrespeito com a gestante. Ela pode se traduzir em diversas situações e se apresentar em diferentes momentos. Em muitos casos, a própria vítima sequer percebe o que acontece. Justamente por isso, o parto com respeito é tema que tem ganhado espaço.

No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre violência durante a gestação ou parto, conforme uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, em 2010. Um exemplo de violência obstétrica é o agendamento de cesárea sem quaisquer evidências de sua necessidade e por conveniência do médico. Recusar admissão em hospital, quando se entra em trabalho de parto, é igualmente considerado uma afronta. Censurar a mãe que expressa seu sofrimento ou impedir seu contato com o bebê logo após o parto é outra manifestação.

Segundo um estudo conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), esse é um problema muito presente na sociedade brasileira. De acordo com a pesquisa, 52% dos partos feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e 88% dos realizados em redes privadas são cesáreas. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que partos dessa natureza não ultrapassem o índice de 15%. Boas práticas no processo de parto também são minoria, conforme o levantamento. Não bastasse isso, intervenções que não são recomendadas também aparecem com bastante frequência.

A episiotomia é uma dessas intervenções. Trata-se da realização de corte no períneo durante o parto. Vários estudos já mostraram que não é uma boa prática e que traz malefícios, mas ainda assim os dados levantados pela Fiocruz apontam que ele é adotado em 56% dos casos no país. Pode-se mencionar ainda o que é conhecido como manobra de Kristeller. Basicamente, ela consiste em empurrar a barriga da grávida, para facilitar a saída do bebê, o que representa também uma forma de violência e está presente em 37% dos trabalhos de parto no Brasil.

“Qualquer ato ou intervenção relacionada à mulher e seu bebê durante o ciclo gravídico-puerperal que pode ser traduzida em maus-tratos, abusos de poder e negação de direitos é violência obstétrica. Assim como gritar, xingar, amarrar, ironizar e desrespeitar a mulher em sua autonomia e sua integridade física e mental, suas escolhas ou suas preferências”, afirma a representante do Coletivo pela Humanização do Parto e do Nascimento na Paraíba, Herlane Barros, que também é estudante de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e atualmente desenvolve pesquisa sobre violência obstétrica com mulheres de João Pessoa.

Segundo ela, o Brasil já possui legislação suficiente para qualificar a assistência ao parto. “O problema é que pouco é implementado efetivamente. As políticas públicas são aplicadas de forma errática e isso acaba influenciando na heterogeneidade dos serviços. Além disso, a formação em saúde não leva em consideração à interdisciplinaridade necessária para esse tipo de assistência, que deve ser realizada de forma cooperativa entre as diversas categorias profissionais”, declarou Herlane.

Recentemente, foi lançada a Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal, pelo Ministério da Saúde (MS), para a qualificação do modo de nascer no Brasil. “Ainda está longe do ideal que queremos, mas já é um grande avanço. Esperamos que as boas práticas obstétricas sejam realmente implantadas nas maternidades de João Pessoa”, disse Herlane.

No início deste mês, o Ministério Público da Paraíba (MPPB), o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Regional dos Direitos Humanos, o Coletivo pela Humanização do Parto e Nascimento da Paraíba e entidades da sociedade civil participaram de um evento que visa a criação de um fórum interinstitucional, com o objetivo de unir esforços contra a violência obstétrica.

A proposta é que o fórum reúna diversas instituições e entidades que se encontrem uma vez por mês, e que haja conjugação de esforços no combate à violência obstétrica, não só cobrando dos órgãos públicos que sigam os protocolos, como também conscientizando a população sobre a existência do problema.

Na ocasião, a 2ª promotora de Justiça da Saúde da capital, Jovana Tabosa, informou que, em João Pessoa, está em vigor a Lei 13.061/2015, que dispõe sobre a implantação de medidas de informação à gestante e à parturiente sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, visando a proteção destas contra a violência obstétrica na cidade.

A lei estabelece que violência obstétrica é todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, da maternidade, das unidades de saúde, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período do puerpério. Está em vigor também a Lei 13.080/2015, que obriga as maternidades a permitir a presença da doula, caso a mulher assim deseje.

Além disso, está em tramitação o Projeto de Lei 1.226/2017, que determina às unidades hospitalares que disponibilizem aos pacientes informações sobre o que é violência obstétrica. O projeto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), em agosto.

No mesmo evento, as representantes do Coletivo pela Humanização do Parto alertaram para a importância de haver índices nos hospitais sobre a violência obstétrica e falaram da necessidade de implantação das Diretrizes para o Parto Normal e Humanizado do Ministério da Saúde nos hospitais. Ficou definido, na audiência, que será realizada uma reunião com os diretores das maternidades de João Pessoa.

Doula na humanização

A Paraíba já conta com uma lei que garante à mulher a presença da doula durante o trabalho de parto nas instituições hospitalares. A Lei Estadual 10.648/2015 define doulas como profissionais escolhidos livremente pelas gestantes e parturientes, que “visem prestar suporte contínuo à gestante no ciclo gravídico-puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante”.

Conforme a lei, maternidades e estabelecimentos de saúde da rede pública ou privada, no município de João Pessoa ficam obrigados a permitir a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, bem como nas consultas e exames pré-natal, sempre que solicitadas pela parturiente.

É importante ressaltar que doula não é profissional de saúde e sua presença não se confunde com a do acompanhante. As doulas não devem realizar procedimentos médicos ou clínicos, como aferir pressão, avaliação da progressão do trabalho de parto, monitoramento de batimentos cardíacos fetais, administração de medicamentos ou demais procedimentos privativos de profissões de saúde, mesmo se possuir formação na área e mesmo que estejam legalmente aptas a fazê-los.