Durante o Ensino Médio, Railane Silva percebeu que gostava de matemática. Na Bahia, estado natal, descobriu que as tão temidas operações só faziam com que ela se aproximasse, cada vez mais, dos elementos lógicos. A estudante até pensou em não seguir carreira na área, mas após os resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prestado em 2013, ela decidiu abraçar o convite.
Primeira pessoa da família a ter um diploma em mãos, Railane se licenciou em Matemática e, em 2018, veio à Paraíba para iniciar o Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Matemática, da Universidade Federal da Paraíba, o melhor do país na publicação de estudos de alto impacto, segundo a classificação global Leiden Ranking. Sem saber, a moça, que hoje segue trilhando os caminhos da pesquisa no doutorado, foi inspiração para que, mais tarde, o irmão se graduasse em Engenharia Mecânica.
“O conhecimento matemático é muito amplo e por isso, a pesquisa se torna bastante interessante. Sempre tem algo que eu preciso aprender, refletir e desenvolver”, disse.
Letrada em escola pública, Railane é apenas uma das milhares de mulheres que, todos os dias, provam que é possível crescer e resistir em um mundo onde, de acordo com dados do relatório de Ciências da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), as mulheres representem apenas 30% da comunidade científica.
Neste contexto, o caminho a se trilhar ainda é difícil, embora hoje já seja melhor que antes, quando negava-se às mulheres a participação em espaços de produção e difusão de conhecimento.
No século 19, Charles Darwin afirmava que as mulheres eram intelectualmente inferiores aos homens e, ainda hoje, muitas pessoas acreditam nisso.
Na América Latina e Caribe, as mulheres rumam à paridade de gênero na Ciência e são 46% do total de pesquisadores desses países. No Brasil, o percentual de mulheres assinando artigos científicos chega a 72%, conforme dados da Unesco. No entanto, a resistência segue sendo pauta nesses espaços, já que, ainda que sejam quase metade dos cientistas latino-americanos, as mulheres ainda têm que lidar com a estigmatização feminina.
Mesmo a realidade sendo dura, elas seguem tendo esperança de que o futuro será melhor. Para a professora Lucimeiry da Silva Rabay, do departamento de Administração, da UFPB, ainda há muita luta pela frente até que as mulheres atinjam a igualdade de gênero na ciência e na vida.
“Durante a minha carreira, senti que o ambiente científico era ímpar para as mulheres. Porque a gente não encontra nenhuma outra forma de trabalhar que não esteja atrelada à forma com que as pessoas são vistas na sociedade. E, para as mulheres, no ambiente científico, isso não tem muita mudança”, disse ao avaliar que a presença feminina no universo científico confronta diretamente o patriarcado.
Nesse sentido, a existência de mulheres na Ciência esbarra, também, na relação estrutural relacionada à forma com que as mulheres são vistas, respeitadas e interpretadas pela sociedade. Por isso é necessário que os espaços sejam ocupados e as vozes ouvidas.
Na Paraíba, fomenta-se cada dia mais que as meninas se sintam pertencentes à Ciência. O ‘Progr{ame}-se: Programa Meninas na Ciência e Tecnologia’ é uma das iniciativas postas em prática para que o estímulo não seja apenas moral. Através do projeto, a Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia, reuniu, no ano passado, 700 estudantes da Rede Estadual de Ensino, de 77 cidades paraibanas para projetarem jogos digitais, com 135 estudantes, organizadas em 27 times, classificadas para um hackathon, maratona de tecnologia voltada à inovação.
Alice Silva, 18 anos, participou da maratona representando a cidade de Pedra Lavrada em uma experiência transformadora junto a equipe Empoderadas da Matemática e a professora Janaína Fabiana. “Ter a oportunidade de participar desse projeto que está trazendo cada vez mais inovação foi uma ótima experiência”, falou.
Projeto busca talentos nas escolas públicas
Na tentativa de construir mais um trecho do longo caminho a ser percorrido rumo à igualdade de gênero na Ciência, a professora Josilene Aires, do Centro de Informática da UFPB (CI/UFPB), criou, em 2013, o Meninas na Ciência da Computação (MCC), um projeto que busca incentivar o ingresso de mulheres na Tecnologia.
Com a ajuda de outros docentes e a participação de três alunas, Josilene começou um plano para reverter a situação do CI, onde apenas 14% dos estudantes são mulheres. Hoje, a rede conta com 17 alunas.
“As meninas dão o depoimento de que é muito importante para elas ter um grupo de apoio lá no centro, uma vez que esse ambiente é tão masculino e elas se sentem deslocadas nas salas. Muitas vezes, numa sala de cinquenta estudantes, apenas cinco são mulheres. E, dessas, às vezes, duas delas desistem e só restam três meninas”, explica Josilene.
A professora conta que, para reduzir o desconforto dessas mulheres e incentivar a permanência delas no ambiente científico, o MCC tem um pequeno laboratório, com computadores e acesso à internet, para que elas possam estudar juntas e compartilhar as dificuldades enfrentadas.
“Sinto-me estimulada a prosseguir e alcançar cada vez mais meninas, na Paraíba e no Brasil! É um mundo novo que se descortina para elas, cheio de oportunidades. Acredito que uma mulher precisa se empoderar primeiro economicamente, tendo um trabalho decente de forma a sustentar-se e aos filhos”, comenta.
Não satisfeitas, as mulheres do MCC querem mais e vão às ruas mostrar a outras mulheres que a Tecnologia é um sonho possível.
Entre novembro de 2021 e novembro de 2022, 26 escolas de 14 cidades diferentes receberam a visita da van do MCC Itinerante, quando cerca de 700 alunas conheceram o projeto e puderam aprender um pouco mais sobre o universo da programação.
No ano passado, a van do MCC Itinerante também foi a Baía da Traição. Lá, as integrantes do projeto realizaram a capacitação de professores das escolas indígenas e propuseram às comunidades indígenas o debate ‘A Mulher e a Tecnologia’.
“Nossas alunas sempre enfatizam que é muito importante poder trabalhar em favor da sociedade, porque elas se colocam no lugar das meninas que nos ouvem e pensam em como seria diferente se elas mesmas tivessem recebido essas informações oportunamente quando estavam no Ensino Médio”, diz a professora.
Josilene conta, ainda, que um grato retorno do projeto foi saber que uma das alunas integrantes do MCC é de outro estado e decidiu se matricular na UFPB, justamente por saber que a universidade dispõe do espaço de acolhimento.
As mulheres do MCC trabalham também pela geração de emprego digno e crescimento econômico.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 12 de fevereiro de 2023.