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Novo projeto visa integrar museus do estado em rede

publicado: 28/04/2025 10h14, última modificação: 28/04/2025 10h14
Iniciativa mapeará os mais de 100 espaços de memória na Paraíba para fomentar o desenvolvimento do setor
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O Museu da Cidade de João Pessoa é um dos mais notáveis do segmento; também na capital, o Palácio da Redenção prepara-se para abrigar o Museu da História da Paraíba | Foto: Roberto Guedes

por Priscila Perez*

Do acervo histórico da radiodifusão paraibana às urnas funerárias de povos originários, em Pilões, passando pelas pegadas de dinossauros, em Sousa, e as coleções de brinquedos antigos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), os mais de 100 museus espalhados pelo estado guardam riquezas de um território vibrante, com muita história para contar. No embalo do Dia Nacional do Museu, celebrado em 18 de maio, a Paraíba dá um passo importante para valorizar ainda mais seu patrimônio: a implantação do Sistema Estadual de Museus. Como primeiro movimento, um termo de cooperação, firmado entre a Secretaria da Cultura (Secult-PB) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), viabilizará um mapeamento para identificar todos os espaços de memória e revelar suas reais necessidades.

Mais do que preservar o passado, a proposta é construir políticas duradouras, capazes de conectar saberes e públicos diversos, garantindo que os museus sejam, de fato, espaços vivos, acessíveis e sustentáveis. Para a museóloga Maíra Dias, da UFPB, esse movimento — que articula gestão, reconhecimento e profissionalização — é essencial para dar visibilidade à rede de memória paraibana. “O sistema estadual é uma forma de estabelecermos essa rede e pensarmos em políticas para o campo. Precisamos avançar nos inventários e nos planos museológicos, que definem como deve ser feita a gestão”, observa Maíra, que também é integrante da Rede de Educadores em Museus (REM).

Sem um sistema oficial em funcionamento, o que se sabe sobre os museus da Paraíba ainda é baseado em estimativas, o que acaba deixando parte significativa do acervo cultural do estado fora do radar. Por volta de 2006, o Cadastro Nacional de Museus havia registrado, oficialmente, 89 instituições do tipo no estado. Anos depois, a Gerência de Memória e Patrimônio atualizou esse número para cerca de 100. Mas, como alerta Maíra, esse total está longe de refletir a realidade.

Além dos espaços mais notáveis, como os museus José Lins do Rêgo, Cidade de João Pessoa, Casa de José Américo, Hermano José e Jackson do Pandeiro — todos dedicados a ícones da história paraibana —, há muitas outras iniciativas em fase de implantação. No momento, estão fora das estatísticas oficiais, por exemplo: o futuro Museu Científico de Arqueologia, em Cajazeiras; o Museu da História da Paraíba, que funcionará no Palácio da Redenção, em João Pessoa; e o inovador Museu Astronômico de Carrapateira, com acervo dedicado à origem do universo.

Temas e locais refletem um conceito flexível

Como ressalta Maíra Dias, muitos espaços com funções museológicas, como centros de memória comunitários, acervos universitários e museus de pequeno porte, ainda não foram formalmente reconhecidos na Paraíba: “Aqui, na UFPB, por exemplo, nem todos os museus estão cadastrados. E temos, além das iniciativas oficiais, a própria população organizando sua memória. Às vezes, é uma associação, um coletivo, uma escola ou até uma paróquia”. São exemplos disso o Museu Quilombola do Ipiranga, instalado em uma antiga casa de taipa, no município de Conde, e organizado pela comunidade local; e o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, em Sapé, que nasceu da mobilização de ex-integrantes e famílias ligadas aos movimentos sociais de reivindicação pela terra.

Ainda que, no imaginário popular, a palavra “museu” remeta a prédios imponentes e salas cheias de quadros emoldurados, sua definição vai muito além. “Se tem acervo, guarda, pesquisa e compartilhamento, é museu”, resume a museóloga. Segundo ela, o conceito é tão amplo que engloba desde espaços tradicionais, como o Centro Cultural São Francisco — complexo arquitetônico, no coração de João Pessoa, que reúne arte sacra, pesquisa e memória —, até lugares mais inusitados, que nem de longe se parecem com o que normalmente se espera de um museu. É o caso da Bica, o Parque Zoobotânico Arruda Câmara, um dos espaços mais visitados da capital. Apesar de abrigar uma coleção viva, seu princípio é o mesmo: conservar, pesquisar e expor. Outro exemplo é o Museu do Artesanato Paraibano Janete Costa, que amplia a definição tradicional do termo ao valorizar o saber popular como patrimônio cultural.

Falando em diversidade de acervos, fica evidente que a memória pode assumir diferentes formas. Em Areia, as técnicas tradicionais de produção da cana-de-açúcar motivaram a criação do Museu da Rapadura. Já em João Pessoa, o Museu Brasileiro da Cannabis, organizado pela Abrace, reúne documentos, objetos e registros históricos sobre o uso medicinal da planta. Cabaceiras, por sua vez, não possui apenas o Museu Cinematográfico, dedicado à reputação da cidade como Roliúde Nordestina, mas também um espaço focado no maior símbolo afetivo do Sertão paraibano, o bode, mostrando como a cultura local estruturou-se em torno do animal, da alimentação à produção de calçados e de vestuário. Para quem não conhece a região, no entanto, o lugar pode facilmente passar despercebido — inclusive, por não haver site ou qualquer menção em plataformas oficiais. Esse é o mesmo problema que enfrentam muitos outros pequenos museus.

Mapeamento começará com cadastro on-line

Para Joálisson Cunha, gerente-executivo de Memória e Patrimônio da Secult-PB, esse contraste entre espaços que poucos conhecem e museus que já estão no circuito oficial evidencia o quanto o sistema em construção pode fazer a diferença. “Às vezes, nem no próprio município existe algum tipo de cadastro, até por serem iniciativas autônomas. Tem gente que organiza seu próprio espaço de memória no quintal de casa ou em associações sem estrutura formal”, reflete. A proposta, segundo ele, é corrigir essas lacunas, mapeando e integrando essas experiências à rede estadual de memória. Além de ampliar a visibilidade desses espaços, esse alinhamento deverá garantir a participação deles em políticas públicas, editais de fomento e ações de apoio técnico. Estar na rede significará ter acesso a programas de capacitação, ferramentas de gestão e digitalização de acervos — recursos que comumente ficam fora do alcance das iniciativas independentes.

Joálisson explica que o mapeamento será feito em duas etapas: primeiro, um cadastramento on-line, aberto à participação de qualquer instituição com função de memória; e, depois, um levantamento territorial, com equipes percorrendo o estado. “A meta é lançarmos a campanha virtual neste ano, com o máximo de divulgação, e, em um segundo momento, realizar esse mapeamento in loco. Onde tivermos notícias de projetos de memória, a Secretaria tem o interesse de conhecê--los”, detalha. A partir desse diagnóstico, será possível construir um sistema genuinamente paraibano e alinhado ao Plano Nacional Setorial de Museus, com orientação do Ibram e participação ativa de instituições locais, como a UFPB, a Fundação Casa de José Américo (FCJA), a REM e representantes dos próprios museus do estado.

O ponto de partida para essa nova fase foi o evento (re)Conexões, realizado em setembro de 2024, que selou a parceria entre a Secult-PB e o Ibram, abrindo caminho para a revisão do plano estadual. Mas a semente do sistema foi plantada bem antes, fruto do trabalho de profissionais e instituições que vêm, há anos, articulando a preservação da memória paraibana. Agora, com o projeto ganhando forma, a próxima fase será coletiva. “Logo mais, vamos nos reencontrar para apresentarmos o pré--projeto, um estudo preliminar do que pretendemos realizar na Paraíba, e consultar todos os participantes”, finaliza Joálisson.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de abril de 2025.