A doação e o transplante de órgãos são as duas pontas de um caminho que tem salvado muitas vidas. Em terras paraibanas, o cenário é positivo. A Central de Transplantes da Paraíba registrou 21 doadores de multiórgãos entre janeiro e abril deste ano, representando um crescimento de 90,9% em relação ao mesmo período de 2023, quando o estado recebeu 11 doações. Já o aumento nos transplantes foi de 37,5%. No primeiro quadrimestre do ano passado, foram realizadas 80 cirurgias dessa natureza. Já em 2024, esse número subiu para 110, sendo 80 de córneas, 15 de fígado, 10 de rins e cinco de coração.
Os hospitais paraibanos que realizam as cirurgias de transplante são o Hospital Metropolitano, da rede estadual, o Hospital Nossa Senhora das Neves e a Unimed-JP. Na Paraíba, a Central de Transplantes, vinculada à Secretaria Estadual de Saúde (SES), é responsável por viabilizar a logística entre a doação dos órgãos e a chegada aos pacientes que necessitam. Segundo a diretora do órgão, Rafaela Dias, o processo se inicia antes mesmo do falecimento dos doadores, com o trabalho de uma equipe multiprofissional.
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Neste ano, os transplantes de dois órgãos, em especial, tiveram crescimento. O número de fígados transplantados no estado triplicou, indo a 15 doações, até abril de 2024, frente a cinco cirurgias no mesmo período do ano passado. Já a quantidade de pacientes contemplados com um coração subiu 66,7%, passando de três doações, nos quatro primeiros meses de 2023, para cinco, no quadrimestre inicial deste ano. Vale destacar, ainda, que, em quatro casos, tanto a doação como o transplante de coração foram realizados totalmente pelo SUS.
“Dentro dessa equipe, existem os enfermeiros, que fazem a busca ativa nos hospitais, nos setores de urgência e UTI [Unidade de Terapia Intensiva], onde tem pacientes mais graves, com o objetivo de identificar potenciais doadores. E o que são os potenciais doadores? São aqueles pacientes que estão evoluindo para a morte encefálica. Esses pacientes são sinalizados no setor e a Central acompanha de perto todo esse processo de abertura e fechamento de protocolo de morte encefálica”, relata.
Após a morte encefálica, uma equipe da Central de Transplantes faz a entrevista familiar, para saber se os familiares do paciente falecido autorizam a doação. Em caso positivo, inicia-se uma corrida contra o tempo. “A equipe que está assistindo o doador colhe os exames e encaminha para o laboratório. Esse exame vai nos dar um painel, que diz se existe compatibilidade ou não do doador com um paciente na lista de espera. Quando tem compatibilidade, a gente gera um ranking e vê se, na Paraíba, vai conseguir fazer a doação e o transplante”, explica Rafaela Dias.
Quando há um paciente compatível nos hospitais da Paraíba, a cirurgia é realizada. Se não houver, os órgãos podem ser encaminhados para outros estados. A articulação é realizada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT). “O SNT faz uma nova triagem, gera um novo ranking e disponibiliza para os outros estados. A gente contribui com essa política de doação com o Brasil inteiro”, conta a diretora da Central de Transplantes. Em 2024, já foram disponibilizados dois corações, dois fígados e 22 rins. Os órgãos foram enviados para os estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo, além do Distrito Federal.
Conscientização
A redução na fila dos transplantes é uma meta contínua da gestão em saúde. Até o começo deste mês, havia 356 pacientes na lista de espera de córnea, 189, de rins, 12, de fígado, e duas pessoas aguardando a doação de um coração. Para Rafaela Dias, o principal caminho para diminuir esse número é a conscientização da população, por meio de campanhas educativas, por exemplo. O objetivo é aumentar a quantidade de cidadãos dispostos a doar. “A pessoa precisa manifestar em vida o desejo de ser um doador de órgãos, declarar isso para os familiares, para que, se algo vier a acontecer com ela, eles tenham a consciência de que isso era um desejo seu”, esclarece Rafaela.
A conversa com a família, portanto, é outro passo fundamental. A diretora da Central de Transplantes da Paraíba ressalva que a negativa familiar é alta, girando em torno de 70%. A resistência, contudo, tem diminuído. “Nós atribuímos essa redução à qualificação da equipe, que estamos treinando e capacitando, a fim de que façam, cada vez mais, uma entrevista familiar humanizada e acolhedora. Também trabalhamos muito com a capacitação dos profissionais das redes hospitalares, para que eles nos ajudem a acolher melhor as famílias e dar todas as informações sobre esse assunto”, declara Rafaela.
Paciente começou a adoecer na gravidez
A técnica em enfermagem Adriana do Nascimento é o exemplo da importância de um sistema público de saúde que garanta a vida. Ainda em 2017, quando estava grávida de seu filho, João Miguel, ela começou a ter sintomas de colangite esclerosante primária, doença imune que atinge o fígado. Os sinais, como pele e olhos amarelados e cansaço físico, voltaram em 2020, mas a doença só foi diagnosticada um ano depois, junto com a descoberta de que precisaria de um transplante de fígado. Até que, em 2022, a profissional de saúde, natural de Cajazeiras e moradora de Santa Rita, deu entrada no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa, com um quadro grave.
“Os médicos do plantão da noite em que dei entrada tinham dito que eu não passaria daquela noite, de tão grave que eu cheguei. Fiquei interna durante oito dias, até me estabilizarem, e nesse período eu já era a primeira da fila do transplante. Aí, enquanto eu estava interna, chegou um fígado para mim, e a doadora estava na mesma UTI, no leito em frente ao meu”, conta Adriana. A cirurgia foi feita pelo SUS, na Unimed-JP, e toda a recuperação e acompanhamento também são feitos no serviço público.
Para a técnica em enfermagem, seu caso foi como um milagre, devido à rapidez com que o fígado foi disponibilizado. Ela agradece o apoio que teve dos médicos, enfermeiros e colegas de profissão, e ressalta a mudança na qualidade de vida após a cirurgia. “Eu sou uma nova pessoa em relação a tudo, em ter perspectiva de vida. Antes, eu achava que o médico tinha me dado uma sentença de morte e que eu não ia ter uma nova chance de viver, mas, graças a Deus, eu estou aqui para contar a história”, celebra.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de maio de 2024.