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O recomeço das Sereias da Penha

publicado: 05/06/2023 09h00, última modificação: 05/06/2023 09h00
Artesãs ganham novo espaço para comercialização de peças e reacendem o ânimo na produção artesanal única no país
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Foto: Evandro Pereira
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A empresária Aline Gouveia, atual presidente do Sereias da Penha, apostou na retomada do proposta - Foto: Evandro Pereira
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Joseane Izidro era uma dona de casa que teve a vida transformada após ingressar no projeto - Foto: Evandro Pereira
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Matéria-prima passa por procedimentos específicos para retirar cheiro e fazer coloração - Foto: Evandro Pereira
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por Lucilene Meireles*

Quando as mulheres do projeto Sereias da Penha começaram a fazer artesanato com escamas de peixe, não imaginavam que a iniciativa seria tão bem sucedida. Criada em 2014, em pouco tempo ganhou visibilidade e a produção passou a ser vista como arte. Na época, o apoio de órgãos públicos contribuiu para que elas se destacassem, alçando voos altos, colecionando elogios e ganhando o mundo. Mas, o que parecia um sonho deixou de ser e, na mesma velocidade que o sucesso veio, foi embora.

O Projeto Sereias da Penha não acabou. Elas estavam no mar, e estamos voltando com o canto das sereias para encantar os clientes com nossas peças

No meio desse caminho, amargaram a pandemia da Covid-19. Isoladas em suas casas, deixaram de produzir, fecharam a lojinha e a conquista tão comemorada virou saudade. Uma das artesãs, porém, mesmo confinada dentro de casa, quis insistir na produção. Nesse período, Joseane Izidro da Silva, hoje vice-presidente das Sereias da Penha, produziu algumas peças, mas nada comparado ao início do projeto.

Com o controle da pandemia, o grupo ganhou uma parceira que trouxe novas perspectivas, a empresária Aline Gouveia, hoje presidente das Sereias da Penha, que abriu o Restaurante Muxima, na Praia da Penha, e decidiu se tornar “sócia” na empreitada de retomar as atividades do projeto. “Ela veio me procurar e eu disse que iria desistir porque estava sozinha e tinha perdido o gosto”, relatou Joseane.

Aline conta que tem uma casa espaçosa, sempre gostou de artesanato e seu sonho era fazer parte das Sereias. “Quando caminhava e via a lojinha delas sempre pensava em fazer parte, mas eu era preconceituosa comigo mesma, achava que não iriam me aceitar por eu ser empresária”, lembra.

Ao saber que as Sereias tinham perdido a loja, a empresária procurou Joseane. “Eu disse que um projeto tão lindo como esse não poderia morrer. Então, ofereci uma loja que eu tinha de moda praia, tirei tudo, coloquei as peças das Sereias e comecei a me apaixonar pela arte”, conta Aline.

O espaço no restaurante passou a ser a nova casa da loja e do atelier das Sereias da Penha e lá as peças produzidas pelas oito artesãs do grupo estão voltando a ganhar visibilidade, ainda de forma tímida, mas com o desejo imenso de que o negócio dê certo, apesar das dificuldades. Moradores da cidade e turistas do Nordeste, do Brasil e de outros países que visitam o restaurante se deparam, logo na entrada, com a produção das Sereias e sempre levam alguma peça.

“Isso é bem gratificante, ver o seu trabalho, algo que você faz com prazer, indo longe”, afirma Joseane, principalmente porque, no Brasil, segundo pesquisa feita por elas, as Sereias da Penha são as únicas que trabalham com escama de peixe e fio de cobre.

Ela conta que as pessoas chegam à loja e relatam ter visto as peças em outros lugares. “Dizem que acharam lindas, que são perfeitas, têm a curiosidade de saber os tipos de escamas que usamos, se têm cheiro. Levam as peças e ainda enviam mensagens mostrando como utilizaram em casa”, comenta Joseane.

Paraibanas são convidadas para ensinar sobre empoderamento

As Sereias da Penha conheceram o mentor do projeto, o designer de moda Ronaldo Fraga, que esteve, inclusive, na casa da empresária Aline Gouveia. “Uma pessoa maravilhosa que fez a vida dessas mulheres mudar, dar um giro de 360 graus. “Hoje muitas pessoas acham que as Sereias da Penha não existem mais, mas eu digo que existiu o início e essa fase agora é um recomeço”, comenta.

Nessa retomada, Aline e Joseane têm mais uma meta, levar o conhecimento adiante. Em 2022, elas receberam três mulheres do Amazonas, de um lugar chamado Médio Juruá, em Carauari. Elas fizeram uma viagem de sete dias de barco do lugar onde moram até Manaus e, de lá, voaram para João Pessoa.

Essas mulheres sequer conheciam as Sereias. Haviam se falado apenas pelo Instagram. “Fomos buscá-las no aeroporto, trouxemos para nossa casa e demos uma noção de como poderiam usar a escama do pirarucu que é um peixe típico de lá. Fomos convidadas para ir ao Médio Juruá para capacitar 160 mulheres ribeirinhas, só que hoje não temos recurso nenhum”, lamenta Aline.

As Sereias da Penha estão lutando para conseguir, pelo menos, as passagens aéreas para a viagem, já que a alimentação e hospedagem estão garantidas. A ideia é levar para elas o que as Sereias da Penha têm hoje, o empoderamento. “Dá muito orgulho saber que têm mulheres que usam nossas peças feitas pelas mãos de pessoas simples. A primeira-dama do estado, Ana Maria Lins, tem peça nossa, a do município, Lauremília Lucena, também, entre outras. Então, eu me orgulho de ser uma sereia”, afirma Aline.

Novos projetos

Além da possibilidade de ensinar a arte das Sereias para mulheres do Amazonas, as artesãs têm uma série de projetos em mente. Um deles é ministrar cursos para mulheres que vivem em comunidades próximas à maré. Porém, mais uma vez, as ideias esbarram na falta de apoio. Para realizar as aulas, seria necessário comprar materiais que são utilizados na produção e que as moradoras desses locais também não têm condições de adquirir.

Aline Gouveia lembra que uma grande esperança é a Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal. “Estamos tentando entrar agora na Lei Paulo Gustavo, por meio da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope). Vamos inscrever as Sereias da Penha para ver se conseguimos esse recurso para levar a nossa arte para outras pessoas”, espera.

Outro projeto é a realização de um novo desfile, uma abertura de Verão no restaurante Muxima. O projeto inclui, também, outras peças de vestuário com detalhes em escamas.
Antes de se tornar uma sereia, Joseane Izidro era dona de casa e fazia trabalhos esporádicos com crochê, fuxico, ponto-cruz e costura, mas nunca havia imaginado que escamas de peixe poderiam ser transformadas em tantos objetos. “Eu aprendi muita coisa com as Sereias, evoluí bastante, me sinto empoderada, mudei muito e passei a ter uma visão diferente da vida. Ser empreendedora me tornou independente”, garante Joseane.

Ela comenta que, na fase de maior sucesso das Sereias da Penha, a produção das artesãs foi levada para eventos como a São Paulo Fashion Week. Elas também ganharam o Top 100 do Sebrae, que selecionou os 100 artesanatos mais bonitos do Brasil. As Sereias da Penha participaram ainda do evento Cidades Criativas, em João Pessoa; da feira Craft Design, em São Paulo, além de diversas exposições.

As Sereias da Penha não produzem apenas biojoias com as escamas de peixe, a exemplo de colares, brincos e acessórios. Entre as produções estão itens de decoração, quadros, lembranças para casamento, molduras, buquês, flor de lapela, decoração de eventos, roupas, entre outras.
Além da sede, localizada no Restaurante Muxima, na Praia da Penha, os produtos das Sereias da Penha são vendidos em uma lojinha no Hotel Verde Green, no bairro de Manaíra. Há ainda, a venda por encomendas para outros estados.

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Matéria-prima passa por procedimentos específicos para retirar cheiro e fazer coloração - Foto: Evandro Pereira

Matéria-prima

Para retirar o cheiro das escamas, a matéria-prima passa por uma técnica específica. Aline Gouveia aprendeu a fazer o manejo das escamas, que é o processo de lavagem e secagem. Também faz o tingimento com produtos naturais como a casca da cebola, café e açafrão.

Em meio à produção das Sereias, estão peças exclusivas que serão utilizadas em eventos da PBTur, pequenos vasos com flores na cor bege, e para a Secretaria de Turismo de João Pessoa, com flores na cor amarela, simbolizando o ipê. “Quando apresento as Sereias da Penha, sempre digo que somos um grupo de mulheres que trabalha o beneficiamento da escama de peixe e o projeto é muito importante porque ele traz a sustentabilidade do meio ambiente, transformando o que iria virar lixo em arte”, diz Aline Gouveia.

Economia criativa

O projeto Sereias da Penha teve início em 2014, a partir de uma iniciativa pioneira da Prefeitura de João Pessoa, através do Projeto João Pessoa Artesã, em parceria com o Instituto Federal da Paraíba (IFPB) e Sebrae.

“As biojoias das Sereias da Penha fazem parte dos negócios da economia criativa e da economia circular. É necessário ter foco nas novas economias e a economia circular é uma delas. Ela permite que os produtos e materiais circulem, aumentando a vida útil, além de eliminar a produção de resíduos. Elas representam o protagonismo de mulheres empreendedoras, que pode ser um dos caminhos para o sucesso dos negócios e melhor condução da economia e da sociedade no século 21”, disse Regina Amorim, gestora de Turismo e Economia Criativa do Sebrae-PB.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 4 de junho de 2023.