Que tal um café da manhã à sombra de videiras? E fazer geleia ou suco a partir da pasta da uva? Ou conhecer o vinho de talha, umas das formas ancestrais de produzir a bebida? Todo um conjunto de experiências e vivências no turismo associado à fabricação de uvas e de vinhos tem tornado a Paraíba um celeiro de novos produtores e atraído os olhares e paladares de todo o mundo. É possível ver uma produção mais adensada em Natuba, cidade da uva Isabel, mas outras experiências têm aparecido em Santa Luzia, Sousa, Monteiro e Bananeiras.
Em Natuba, o negócio de uvas de Ana Lúcia do Nascimento, o Parreiral da Serra, teve início há cerca de 30 anos, após seu casamento, contando com uma área inicial de duas quadras — aumentada, com o passar dos anos, para um hectare e duas quadras. Toda a produção é de uva Isabel, ideal para sucos, geléias e o chamado vinho de mesa. Trata-se de uma planta que “gosta muito” de água, mas apenas na raiz, dispensando a chuva; nas folhas, prefere o sol e o calor.

- Em propriedade da cidade de Natuba, visitantes participam da colheita e da pisa das frutas | Foto: Divulgação/Parreiral da Serra
A saída do negócio, inicialmente, não era muito boa. A produção, ainda pequena, era vendida principalmente entre a vizinhança. Foi quando as terras de Ana Lúcia foram visitadas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no estado (Sebrae-PB), em 2022, em meio à elaboração da Rota Gastronômica do Vale do Paraíba. A ida encantou os técnicos, que avaliaram uma boa possibilidade de trazer àquele espaço fluxos de visitação e turismo. Um dos argumentos foi que, com as visitas e o consumo do público, uma renda extra seria possível ao empreendimento de Ana Lúcia. Isso seria importante, já que a uva era pouco valorizada na região e as receitas não cobriam os custos do próprio sustento da empreendedora e de sua família.
O Parreiral da Serra foi, então, convidado a participar de um roteiro específico — a Rota do Vale das Uvas —, dentro daquela outra iniciativa do Sebrae-PB, com foco, inicialmente, em visitas a três fazendas de cultivo da fruta: a de Ana Lúcia, o Parreiral Natuva e o Parreiral Doces Tia Zita. Posteriormente, foram agregados à rota o Parreiral Egito e o Parreiral Martins.
A filha de Ana Lúcia, Andreza, explica que a inserção no roteiro turístico acabou propiciando uma boa oportunidade para a família investir na produção de seu vinho artesanal, de mesa, criado em 2018. “Quando abrimos para o turismo, o pessoal tomou conhecimento do negócio, degustou o vinho e simplesmente amou. O diferencial é que ele é 100% artesanal. Da mesma forma que a geleia é feita naturalmente, o nosso vinho também é. Não tem adição de corantes, de conservantes ou de álcool. O vinho contém álcool, mas da própria fermentação da uva. Quando ela passa por esse processo, gera o próprio álcool”, detalha Andreza.
A Rota do Vale das Uvas promove um conjunto de experiências que incluem café da manhã e chá da tarde nos parreirais (com produtos feitos à base de uvas) e atividades de colheita e pisa das frutas, além de agregar passeios por trilhas, cachoeiras, parques ambientais, exposições de artesanato, museus e mirantes da região. Os agendamentos podem ser feitos diretamente com os responsáveis pelos parreirais ou por meio de agentes locais de turismo, que oferecem o serviço de visitas e excursões.
Setores mobilizam-se e colaboram para o desenvolvimento de rota
A Rota do Vale das Uvas articula uma série de atores sociais, fomentando a economia regional e a valorização do trabalho local. São exemplos desses participantes agências de turismo receptivo; empreendedores de gastronomia e serviços de hospedagem; guias e condutores de passeios; produtores de uvas e de outras frutas (que fabricam geleias, doces, sucos e vinhos artesanais); artesãos; artistas musicais; e até proprietários de Toyota Bandeirantes, principais transportes turísticos na região.
Quem colabora na articulação desse tipo de rota local são os Agentes de Roteiros Turísticos (ARTs), contratados pelo Sebrae-PB para ajudar na elaboração de passeios e programações de viagem, a partir dos potenciais de cada município. A criação da Rota do Vale das Uvas contou com o envolvimento do agente Jaime Neto. “Natuba vivia uma crise econômica. Cerca de 90% da produção de uvas local era vendida para Petrolina, em Pernambuco, e, durante a pandemia, o preço do quilo chegou a cair para R$ 0,80, colocando em risco a continuidade da viticultura no município. Com a chegada do Sebrae-PB e a implantação da produção associada ao turismo, os viticultores encontraram uma nova fonte de renda. Muitos passaram a faturar valores equivalentes a até 10 salários mínimos na alta estação, principalmente, no período da colheita”, comenta Neto.
Andreza, do Parreiral da Serra, reconhece que a rota gastronômica favorece o comércio e os serviços de outros setores da economia local. “Quando o turista vem nos visitar, em um fim de semana, ele quer ficar hospedado. Então, ele vai deixar renda para uma pousada, uma farmácia — de que muitas vezes precisa —, uma loja de roupas ou calçados, supermercado, padaria, lanchonete ou restaurante”, observa.
Para a gestora de Turismo e Economia Criativa do Sebrae--PB, Regina Amorim, que coordena a criação e a execução das diversas rotas turísticas pela Paraíba, a experiência da Rota do Vale das Uvas tem, de fato, resultado em uma boa demanda para Natuba, podendo, inclusive, impulsionar a abertura de novos negócios na cidade do Agreste. “As possibilidades são muitas, como uma fábrica de suco de uva que seja feito e engarrafado na hora ou o investimento em tipos de uva mais adequados para a produção de vinhos — já que a uva Isabel, de Natuba, é mais específica para sucos, doces e geleias. No turismo, a cultura e a produção artesanal agregam valor aos produtos servidos”, defende Regina.
Empreendedor explora qualidades locais para impulsionar produção
No município de Santa Luzia, no Seridó paraibano, o foco na produção de vinho é ainda maior. Após seu pai ter inaugurado o cultivo de uvas e a fabricação de vinho na década de 1980, Kleyber Araújo é, hoje, o responsável por gerir os negócios de sua família na cidade, a Casa Werniaud. Depois de ter realizado cursos de Gastronomia, ele conheceu o Vale do São Francisco — reconhecido como um grande polo vitivinícola brasileiro — e concluiu que o clima e a amplitude térmica locais apresentavam semelhanças com atributos ambientais de Santa Luzia, vislumbrando que a produção familiar poderia desenvolver-se ainda mais.
Atualmente, a Casa Werniaud conta com quatro hectares com plantio, mas a ideia de Kleyber é que, até 2027, a área seja expandida para 10 hectares, chegando a uma produção de 10 mil garrafas de vinho por ano. Após experimentar o cultivo de algumas castas específicas de uva, a empresa decidiu permanecer com Malbec, Syrah, Cabernet-Sauvignon e Tempranillo.
Segundo o empreendedor, entre as principais características que contribuem para a produção das uvas no terreno local, estão o solo rico em minerais e, principalmente, a amplitude térmica da região — que varia em torno de 15 °C, entre a mínima e a máxima diárias. “Com essas possibilidades, dentro de seis meses, a gente pode prover irrigação para as quatro estações do ano. Nessa região, entre Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia, a gente consegue ter duas colheitas no ano. Diferentemente do Sul e do Sudeste, que só consegue uma poda”, explica Kleyber.
O grande diferencial da Casa Werniaud é a produção do vinho em talha — ou ânfora —, um grande vaso feito de barro ou argila. Esses acessórios vêm de uma parceria que a empresa fez com uma comunidade quilombola que produz louças. “É o vinho tradicional, ancestral. O vinho era fermentado e armazenado em uma segunda talha. De 15 anos para cá, começou a surgir uma nova escola, que quer voltar ao vinho primitivo, com uma levedura natural, um processo um pouco mais longo, mas que agrega um valor e um sabor diferenciado”, destaca Kleyber. A previsão é que algumas garrafas do tipo já estejam prontas entre janeiro e março.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de dezembro de 2025.

