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Parto normal em casa ou em CPN

publicado: 28/08/2024 09h05, última modificação: 28/08/2024 09h05
Campina Grande tem o único Centro de Parto Normal público do estado; João Pessoa conta com um particular
Juliana Sallenave - Arquivo Pessoal (1).jpeg

Juliana se descobriu enfermeira e doula ao ter o primeiro filho | Foto: Arquivo pessoal

por Marcella Alencar*

“Parir é um exercício de entrega e paciência, porque a natureza é quem manda no ritmo do corpo”. A constatação da pessoense Juliana Sallenave não se baseia apenas na sua experiência como mãe e parteira domiciliar — o que já legitimaria a sua fala —, mas nas estatísticas mundiais relacionadas ao parto normal. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade de partos feitos por cesárea não deveria ultrapassar 15%. No Brasil, no entanto, essa taxa excede os 56%.

Em relação ao parto normal, há mulheres, a exemplo de Juliana, que se sentem mais seguras parindo fora do hospital, com outro modelo de assistência. “Há maternidades que são boas e há equipes muito profissionais, mas o parto em hospital ainda pode trazer algumas surpresas indesejadas, principalmente para quem não pôde dispor de uma equipe particular e ter acompanhamento durante a gestação”, observa Juliana, que hoje atua como doula e enfermeira obstétrica, em João Pessoa.

Segundo ela, o seu primeiro parto mudou toda a sua trajetória de vida, tanto pessoal quanto profissional. “Eu descobri a minha vocação parindo. Comecei a atuar em 2012, depois do nascimento do meu primeiro filho, num hospital. Nele, eu percebi que algumas intervenções foram uma violência, então resolvi trabalhar para mudar esse cenário”, conta.

Para ter um parto normal extra-hospitalar — como são chamados os partos fora do ambiente hospitalar —, são necessários alguns cuidados, além de seguir normas e formações específicas. Este foi um dos motivos que levaram Juliana a cursar enfermagem: ela queria acompanhar os nascimentos de perto.

Conforme a OMS, a taxa de cesáreas não deveria ultrapassar 15%. No Brasil, esse índice alcança mais de 56% dos partos

Em casa

Os partos realizados em domicílio ou em um Centro de Parto Normal (CPN) são dois modelos para quem busca outra forma de parir. O primeiro tipo é indicado somente para a parturiente com gravidez de baixo risco, segundo a médica ginecologista Cláudia Bianka Manhães, que atua como obstetra desde 1999. “A paciente não pode ter pressão alta, não pode ser diabética e não pode ter passado por mais de uma cesárea, anteriormente”, explica.

"A paciente não pode ter pressão alta, ser diabética ou ter passado por mais de uma cesárea, anteriormente"
- Cláudia Manhães

Além disso, ela ressalta que é preciso estar atenta ao bebê. “Se  o bebê estiver sentado, aumenta o risco, pois pode demandar um pediatra. Também é preciso dispor de duas enfermeiras obstetras, ou obstetrizes, sendo uma para acompanhar a mãe e outra para acompanhar o bebê”, esclarece. Ainda de acordo com Cláudia, o profissional que faz partos domiciliares precisa estar preparado para todo tipo de urgência, e por isso deve estar sempre munido do seu material de suporte, para o caso de alguma intercorrência.

Ela ressalta ainda a importância de seguir os protocolos para um parto seguro, independentemente do ambiente escolhido pela parturiente: “Não é aconselhável atender uma paciente em parto domiciliar que esteja muito longe de um hospital. O tempo de deslocamento entre a casa da paciente e o hospital deve ser de 15 minutos, pois, quando se extrapola o que é possível fazer no ambiente domiciliar, a paciente deve ser removida para uma unidade hospitalar”, salienta.

O Governo Federal lançou, em 2017, um documento com diretrizes nacionais de assistência ao parto normal e que embasam, com evidências, os manejos e cuidados necessários com a parturiente, em todos os casos.

Assistência

Já o Centro de Parto Normal (CPN) é um ambiente especializado em receber e prestar a assistência à pessoa grávida e ao bebê, da descoberta da gravidez ao puerpério. Campina Grande é a única cidade da Paraíba que conta com um espaço extra-hospitalar público para acolher as parturientes que não desejam cirurgia: o Centro de Parto Normal Mãe Izabel, que atende desde maio de 2018. “O centro é um setor formado por enfermeiros obstetras e técnicas de enfermagem para a assistência completa. Eu tive o meu filho lá”, ressalta Suzane Almeida, enfermeira e coordenadora do CPN Mãe Izabel.

João Pessoa, por outro lado, possui a Casa de Parto Respeitare, terceiro CPN particular do Brasil. A instituição começou com a realização de partos domiciliares, em 2017, mas, em 2021, abriu a casa de parto, que oferece um pacote de assistência respeitosa, com acompanhamento para pré-natal, parto e pós-parto. “No Brasil, a obstetrícia ainda é um ambiente ainda muito defasado e muito centrado na figura do médico”, observa Sabrina Medeiros, gerente da Respeitare.

"O centro é formado por enfermeiros e técnicas de enfermagem voltados à assistência completa"
- Suzane Almeida

Conforme a gerente, o local segue todas as regras necessárias, com dois quartos preparados para receber a criança e a parturiente. A casa nunca registrou nenhuma morte e nenhuma intercorrência grave, que necessitasse de UTI — nem de mulheres, nem de recém-nascidos. “A importância da casa de parto está em centrar a atenção e os cuidados na pessoa grávida e no bebê, para humanizar o atendimento. O cuidado que temos durante o pré-natal reflete automaticamente nesse resultado”, enfatiza.

A enfermeira obstétrica Ruth da Silva, que também atua na Respeitare, conta que uma forma de humanizar ainda mais o atendimento é o projeto social que a casa desenvolve, voltado para mulheres pretas e periféricas. “Estudos mostram que mulheres negras sofrem mais violência obstétrica, em ambiente hospitalar. Geralmente, são elas que não têm condições financeiras de bancar uma assistência privada e específica”, pontua.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de agosto de 2024.