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História desses locais é contada no livro ‘A morte desprezível’, lançado por equipe da Universidade Estadual da Paraíba

PB tem 25 ‘cemitérios de bexiguentos’

publicado: 23/02/2022 09h44, última modificação: 23/02/2022 09h44
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Foto: Divulgação

por Lucilene Meireles*

No final do século 19 e início do século 20, as pessoas com doenças infectocontagiosas não eram sepultadas nos cemitérios municipais e nem nas igrejas. Ainda doentes, eram obrigadas a se isolar dentro do mato para evitar o contágio dos demais e, quando morriam, um doente enterrava o outro nos chamados “cemitérios dos bexiguentos”.

A história é contada no livro ‘A morte desprezível’, lançado pela equipe do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia (Labap) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que já catalogou 25 “cemitérios de bexiguentos” no estado. Além de valorizar a memória dos falecidos, o grupo pretende estudar os restos mortais para buscar possíveis identificadores ou marcadores das doenças que levaram tantas pessoas à morte.

O paleontólogo e arqueólogo Juvandi de Souza Santos, coordenador do Labap/UEPB, explica que muitas doenças deixam marcas profundas nos ossos, a exemplo da tuberculose. “Nós vamos buscar esses marcadores e identificar, de fato, as causas das mortes dos que foram sepultados nesses locais. Só com a exumação e escavação arqueológica é que teremos condições para isso”, explica. As escavações vão permitir o acesso aos fragmentos de ossos humanos para que sejam feitas as análises.

Iniciado há três anos e meio, o projeto de pesquisa contou com dois bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e está sendo finalizado com a publicação do livro ‘A morte desprezível’. Nele, o professor fala sobre as epidemias no mundo, onde surgiram as principais doenças. Há ainda um capítulo que aborda a questão da arqueologia desses cemitérios e a sua importância para se buscar os marcadores.

O livro, que teve como coautora a orientanda Beatriz Freire Guimarães, faz uma abordagem inédita sobre o assunto no país. “É o primeiro grande trabalho sobre esses locais de memórias do Brasil, que valoriza esses lugares esquecidos por todos, onde as pessoas foram desprezadas, deixadas para morrer. É o primeiro especialmente voltado à ciência da arqueologia”, comemora Juvandi de Souza. Segundo ele, existem muitos livros que tratam de cemitérios, mas nenhum específico sobre a arqueologia dos “cemitérios de bexiguentos”.

Para o especialista, foi muito importante localizar os cemitérios. “E a relevância está em trazer esses locais para a história da Paraíba, tratar essas pessoas como verdadeiros seres humanos, tirá-las do anonimato e da morte desprezível”, acrescenta.

Muito ainda a se descobrir

Mesmo com o passar do tempo, alguns “cemitérios de bexiguentos” ainda existem pela Paraíba, todos isolados em áreas de difícil acesso. Esses locais são considerados sítios arqueológicos históricos e, além dos 25 catalogados, ainda há muitos que serão visitados e registrados, conforme explica Juvandi.

Alguns desses equipamentos têm nomes, mas a maioria é conhecida apenas como “cemitérios de bexiguentos”. Outros, possuem cruzes e identificação. “Não realizamos nenhuma intervenção arqueológica, mas é possível que isso aconteça ainda este ano”, avisa o professor.

Ele informa que está buscando o registro desses locais junto ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). “Assim, estaremos dando o devido valor como monumentos arqueológicos históricos”, ressalta. Muitos deles ainda não foram identificados. A equipe está preparando outro livro que conterá apenas as fichas de identificação dos “cemitérios de bexiguentos” da Paraíba, um grande catálogo que deve ser lançado ainda este ano.

O trabalho segue com a busca de outros cemitérios semelhantes. A intenção é realizar a escavação de até dois locais ao longo de 2022. Para isso, a pesquisa contará com o apoio do Laboratório de Farmacologia, da Universidade Federal do Ceará (UFCE), coordenado pelo médico Odorico Moraes, que fará as análises dos possíveis marcadores das doenças. A coautora do livro, Beatriz Guimarães, aguarda o resultado de seleção para o mestrado em Fortaleza (CE), onde pretende trabalhar os marcadores.

Desprezo e exclusão social

O conteúdo de ‘A morte desprezível’ descreve a arqueologia desses cemitérios onde eram enterradas pessoas com doenças como tuberculose, catapora (bexiga), sarampo, cólera, varíola, difteria e a peste negra. Na época, os próprios parentes isolavam seus enfermos em grutas ou pequenas casas no meio das matas e, ali, um doente ia sepultando o outro. “Esses cemitérios mostram o desprezo e a exclusão social dos que eram acometidos por doenças infecciosas”, comenta Juvandi de Souza.

Os “cemitérios de bexiguentos” catalogados estão espalhados por todo o território da Paraíba, do Litoral ao Sertão. O que melhor resistiu ao tempo foi o da cidade de Patos, datado de 1905, cuja fachada ainda ostenta a inscrição “Cemitério dos Bichiguentos”. Fica a cerca de cinco quilômetros do Distrito de Santa Gertrudes.

Os demais estão em municípios como Zabelê, Monte Horebe, Emas, Picuí, Cuité, Pocinhos, Olivedos, São João do Cariri e Pilõezinhos. O arqueólogo observa que, inclusive, pode ter existido algum em João Pessoa, “mas a esta altura certamente foi destruído pelo desenvolvimento urbano”, prevê.

 *Matéria publicada originalmente na edição impressa de 23 de fevereiro de 2022