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ENVELHECIMENTO

PB tem 3ª maior taxa de centenários

publicado: 02/09/2024 09h16, última modificação: 02/09/2024 09h16
Longevidade é favorecida por alimentação saudável, exercícios físicos e espiritualidade; mulheres são maioria
2024.08.15 Zonas azuis - Idosos em Campina Grande - Dona Maria Araújo, 100 anos © Julio Cezar Peres  (2).JPG

Centenária desde maio, dona Maria vem de uma família longeva: a mãe dela viveu 102 anos, enquanto uma tia chegou aos 104 | Fotos: Julio Cezar Peres

por João Pedro Ramalho e Maria Beatriz Oliveira*

Envelhecer de forma saudável é um objetivo perseguido por muitas pessoas. Na Paraíba, uma parte delas vai além da expectativa — literalmente. O estado possui, em números proporcionais, a terceira maior população centenária do país, de acordo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados apontam que 1.330 paraibanos possuíam 100 anos ou mais em 2022, representando 0,033% do total de habitantes. A média é superior à observada nacionalmente (0,019%) e inferior apenas aos estados da Bahia (0,038%) e do Maranhão (0,036%). Além disso, também segundo o IBGE, a própria expectativa de vida dos paraibanos, de 76,6 anos, em 2023, é maior que a brasileira (76,4).

As mulheres representam a maioria dos centenários paraibanos: são 923, ou 69,4% dessa parcela de idosos, frente aos 407 homens (30,6%) com 100 anos ou mais. Para o geriatra Jamerson de Carvalho, isso pode ser explicado por dois fatores: “Primeiro, por causa da cultura da mulher, de procurar um médico já na adolescência, quando vai ao ginecologista. Assim, ela começa a se cuidar mais — e faz isso mais cedo. O segundo motivo é que o número de mortes acidentais e frutos de violência é maior entre os homens”, ilustra o médico.

Políticas públicas

A presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa na Paraíba (Ceddpi-PB), Joilma de Oliveira, destaca que o estado possui políticas públicas fundamentais no amparo à população idosa. Alguns exemplos são o Programa Habitacional Cidade Madura, que oferta moradia digna e espaços para lazer e convivência social aos atendidos; os Centros Sociais Urbanos (Csus), que promovem atividades físicas, palestras e passeios para esse grupo demográfico; e o Projeto Acolher, cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida daqueles que vivem em Instituições de Longa Permanência para Idosos (Ilpi).

Joilma ressalta, ainda, o trabalho do Ceddpi-PB na implantação e na fiscalização dessas iniciativas. “No Conselho, nós buscamos agir de forma ética, democrática e transparente no controle social da política estadual de atenção à pessoa idosa, para garantir a efetivação dos direitos dessa população e a promoção de uma longevidade ativa, participativa e saudável”, garante.

Fatores que contribuem para alongar a vida

Mas, afinal, o que leva uma pessoa a chegar aos 100 anos de idade? Para Jamerson de Carvalho, o primeiro fator que contribui para essa marca é uma alimentação saudável. Ela pode ser alcançada por meio de uma dieta com muitas frutas e vegetais, que alterne o consumo de carne vermelha e de peixes ricos em ômega 3 (como salmão e sardinha) e que evite produtos industrializados abundantes em xarope de açúcar (como os refrigerantes) ou com alto teor de gordura, sódio e outros aditivos (como os embutidos, a exemplo de salsicha e bacon). Acima de tudo, é importante que cada pessoa respeite as suas próprias necessidades. “Uma alimentação saudável é aquela baseada no seu gasto calórico. Se a dieta ficou acima do que você gasta, isso provavelmente vai acarretar aumento de peso, que é um fator de risco”, alerta o geriatra.

Uma rotina adequada de exercícios físicos também colabora para um envelhecimento sadio. Segundo Jamerson, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os adultos façam, no mínimo, 150 minutos de exercícios aeróbicos por semana. “À medida que o paciente vai envelhecendo, aumenta o peso das atividades de força. Então, ele deve começar a dividir esses 150 minutos em atividades do tipo musculação e pilates, sempre ficando atento para que se respeitem as comorbidades que a pessoa já tem. Também devem buscar exercícios que beneficiem equilíbrio, força e mobilidade, porque esses fatores estão relacionados à prevenção da queda, que é um grande problema na terceira idade”, complementa.

O terceiro aspecto importante para a longevidade é a espiritualidade. Jamerson aponta que o exercício da fé, especialmente em um contexto comunitário, reforça os laços sociais em torno dos idosos. A vivência espiritual também impacta a esfera emocional. “Está provado que essas atividades diminuem a ansiedade e o estresse. Elas estimulam o contato consigo mesmo, o cultivo de hábitos dentro da sua religião e um olhar para o outro, não somente para dentro de si. Isso ajuda não apenas a acrescentar mais anos à vida, mas também a dar um significado e a trazer qualidade a esses anos”, declara o médico.

Cuidados

Quem logra completar um século de existência merece uma rotina tranquila e marcada pelo respeito, como destaca o médico especialista na saúde dos idosos. “É comum, nas famílias, que alguém assuma o lugar do idoso, e ele não faz mais nada, a partir daquele dia. Porém, o idoso precisa de um sentido para os dias dele. Então, ele precisa ter liberdade e apoio, manter-se ativo, evitar o isolamento e ser acompanhado por uma rede de proteção, para evitar que sofra algum tipo de violência. O idoso também deve ter as suas vontades respeitadas, dieta adequada, acompanhamento médico regular, fazer atividades físicas e dormir bem. A saúde não está dentro do comprimido, mas no comportamento”, defende Jamerson.

Gratificação e desafio em doses iguais

Lourdes se esmera nos cuidados com a mãe centenária

Em Campina Grande, a população centenária é formada por 129 pessoas, sendo 33 homens e 96 mulheres. Entre essas mulheres que chegaram a um século de vida, está Maria Pereira de Araújo, com fé irredutível, bom humor invejável e 100 anos recém-completados. Nascida em Cabaceiras, no dia 20 de maio de 1924, Maria veio de uma família na qual viver muito é quase uma tradição. “Todos os meus parentes maternos envelheceram muito e morreram bem velhos. Minha mãe morreu aos 102 anos, e uma irmã dela morreu aos 104. Eu não queria passar dos 100, porque sabia que era sofrido, já tinha visto”, conta.

Sofrimento que, para Maria, vem de preencher por completo o tempo e a atenção da filha, Lourdes Pereira, de 70 anos. Há quase 10 anos, mãe e filha moram juntas e dividem até o mesmo quarto  — tudo para garantir que a pessoa que cuidou por toda a vida seja agora cuidada. Antes de dormir, por exemplo, Lourdes lê livros para a mãe. O autor é sempre o mesmo: o padre Reginaldo Manzotti. Mas, apesar de toda a atenção, ter 100 anos é desafiador.

“É uma vida difícil e preocupante. Em junho, ela sofreu uma queda, porque se levantou no meio da noite para ir ao banheiro e não quis me acordar. Tentou ir sozinha, escorregou e bateu a cabeça na cômoda. Sangrou tanto que eu achei que ela ia morrer naquele dia. Graças a Deus, só precisou levar alguns pontos. Ela é forte”, narrou Lourdes.

Ouvindo a filha contar a história do acidente, Maria ri e confirma: “Eu sou muito teimosa”. Teimosa, católica e mãe de quatro filhos, a centenária tem um sonho não realizado marcado na memória. “Eu queria ter sido professora. Daria tudo para poder ensinar. Mas, infelizmente, não pude. Nós éramos muito pobres, e eu precisava cuidar da casa e dos filhos. Então, eu incentivei Lourdes a ser professora, e esse sonho se realizou por meio dela”.

Se o desejo de ensinar não se concretizou, Maria não pode dizer que não viveu uma história de amor. Viúva há uma década, ela se casou aos 22 anos, com um primo, Miguel. “A gente sempre estava junto, mas eu não sentia nada por ele. Só percebi que gostava de Miguel quando ele foi trabalhar no Rio de Janeiro. Depois, ele me disse que, no Rio, também pensava em mim. Até um retrato ele me enviou. Então, quando ele voltou para Cabaceiras, em cinco meses, ficamos noivos e, com pouco tempo depois, nós nos casamos”, relata.

Com um olhar cirúrgico, Maria enxerga o agora como quem esteve dos dois lados: presente e futuro. “Hoje, a diferença é enorme, em relação ao meu tempo. Nós não tínhamos liberdade nenhuma, éramos muito presas. Para namorar, era só de vista. Eu me casei inocente como uma criança. Agora, as pessoas têm mais liberdade, mas também não pode ser solto demais”, ressalta.

Para os jovens, ela tem somente um conselho: “Que sejam bons filhos e boas pessoas para, no futuro, terem quem cuide deles”. A filha, Lourdes, escutando a conversa, completa: “É isso que ela vai deixar para mim, um exemplo de dedicação à família, de honestidade e de trabalho”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de setembro de 2024.