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DESCONTOS

PL pode proibir solicitação de CPF

publicado: 02/10/2024 09h14, última modificação: 02/10/2024 09h14
Objetivo do projeto é impedir o compartilhamento de dados dos clientes para terceiros sem o devido consentimento
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Farmácias são o alvo do PL, mas o gerente de um desses estabelecimentos vê incoerência na medida, por mirar apenas nesse setor | Fotos: Evandro Pereira

por Priscila Perez*

Vilma de Figueiredo, de 62 anos, já perdeu a conta de quantas vezes teve que fornecer seus dados pessoais nas farmácias da cidade. “Desconto deveria ser automático, sem precisar de CPF”, afirma, cansada de repetir o mesmo processo a cada compra. E ela não está errada. Hoje em dia, é impossível sair de casa sem que o CPF seja requisitado. O número se tornou indispensável para qualquer compra, garantindo acesso a promoções e benefícios. Mas essa prática pode estar com os dias contados, já que um projeto, ora em tramitação no Senado, pretende acabar com essa exigência nas farmácias e drogarias de todo o Brasil, desvinculando a oferta de descontos do fornecimento de dados pessoais pelos clientes.

"Por ser um dado pessoal, a gente fica desconfiado, porque nunca se sabe se há alguém mal-intencionado por trás"
- Gaspar Evangelista

De autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE), o Projeto de Lei (PL) nº 3.419/2024 propõe mudar o Código de Defesa do Consumidor para garantir mais privacidade ao consumidor e evitar abusos. Carvalho argumenta que exigir dados pessoais em troca de descontos nas farmácias é uma prática abusiva, que pode inclusive levar à discriminação. Além disso, o texto também questiona a transparência desses descontos, já que muitos seriam aplicados no preço máximo dos medicamentos, e não no valor real de mercado. O objetivo do PL é claro: impedir o compartilhamento de dados dos clientes para terceiros sem o devido consentimento. A única exceção prevista no texto seria para programas de fidelidade de laboratórios, desde que ofereçam benefícios e descontos legítimos.

 Desconfiança

Do lado do consumidor, as preocupações com a privacidade são reais. Gaspar Evangelista da Silva, de 34 anos, é outro cliente que se sente desconfortável com essa exigência. Enquanto aguardava o seu pai, que fazia compras em uma farmácia no Centro de João Pessoa, ele compartilhou o receio que tem em relação à frequência com que o seu CPF é solicitado. “Por ser um dado pessoal, a gente fica desconfiado, porque nunca se sabe se há alguém mal-intencionado por trás”, comenta.

Ariane Raíssa, de 26 anos, também evita fornecer os seus dados sempre que pode. “Eu não gosto muito de passar o número do meu CPF. Prefiro não fazer isso, mesmo que eu perca algum desconto”, afirma, mencionando que essa sensação de insegurança se estende não só às farmácias, mas também a mercados e outros estabelecimentos.

 Sistema de descontos

O gerente Josiverton de Carvalho, que preferiu não identificar a rede de farmácias em que trabalha, reconhece que o CPF é essencial para o sistema de descontos, mas garante que o setor está se adequando às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). “O CPF é usado apenas para identificar o cliente e oferecer descontos por categoria. Não mantemos os dados pessoais em nossos sistemas, nem divulgamos qualquer informação. Se você passar no caixa cinco minutos depois de ter digitado o CPF, não terá como rastrear a compra”, explica. Segundo ele, com a proibição, os consumidores perderiam acesso a uma série de benefícios, especialmente aqueles que compram com frequência e acumulam vantagens adicionais.

Em relação ao PL, Josiverton é mais pessimista. Ele acredita que a medida poderia impactar tanto as farmácias quanto os clientes. “Boa parte da população sairia prejudicada, porque esses descontos fazem diferença no bolso. Vai ter mais impactos negativos do que positivos”, diz. O que também o incomoda é o fato de a proibição ser exclusiva para farmácias, algo incoerente, na sua visão. “Se é para deixar de pedir o CPF, que seja em todo lugar, não somente no nosso setor. Hoje, em qualquer lugar, você dá o seu CPF. Então, vamos generalizar”, argumenta o gerente.

Caso o projeto seja aprovado, ele afirma que será preciso buscar alternativas para garantir os benefícios aos clientes, tendo em vista que eles não podem sair prejudicados — independentemente de qual seja a solução. “Acredito que encontraríamos outro meio, como usar nome e telefone”, sugere. Se aprovado, o PL das farmácias passará ainda pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).

Procon-PB alerta para riscos de informar dado

Mas, afinal, por que o fornecimento de dados pessoais é considerado um risco à privacidade? Wescley Silvino, consultor jurídico do Procon-PB, destaca que o perigo está no uso desses dados por terceiros, quando são compartilhados sem que o cliente tenha conhecimento. Muitas vezes, o consumidor começa a receber propagandas direcionadas ou é acionado sem jamais ter solicitado algo do tipo. Mas essa prática, claramente, não se restringe ao setor farmacêutico, como bem aponta o especialista. Para ele, embora o projeto de lei seja positivo, seria essencial torná-lo mais abrangente, considerando que o uso de dados pessoais é comum em diversos setores, não apenas nas farmácias.

"Não gosto muito de passar o número do meu CPF. Prefiro não fazer isso, mesmo que perca um desconto"
- Ariane Raíssa

Falando nelas, o consultor do Procon-PB lembra que a Paraíba já tem a Lei Estadual nº 12.507/2022, que proíbe a exigência do CPF para a concessão de descontos. Além disso, farmácias e drogarias paraibanas que solicitarem o número no ato da compra são obrigadas a informar o consumidor sobre a criação de cadastro. O problema? A maioria dos paraibanos sequer conhece essa legislação. “No estado, nós já temos uma lei que proíbe a exigência do número do CPF no ato da compra, mas muitos ainda não sabem disso”, conta. Segundo Wescley, o PL seria uma extensão dessa proteção em nível nacional.

Em relação à LGPD, ele também observa que, embora ela estabeleça regras claras sobre o uso de dados, muitas farmácias ainda falham no cumprimento dessas normas, especialmente no compartilhamento de informações. “A lei proíbe a divulgação indiscriminada dos dados dos consumidores sem uma justificativa clara”, reforça. Ele menciona ainda que o Código de Defesa do Consumidor, criado em 1990, não previa essa nova realidade digital, na qual os dados pessoais são utilizados de forma tão ampla.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 02 de outubro de 2024.