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COMERCIALIZAÇÃO NO BRASIL

PL pretende liberar cigarros eletrônicos

publicado: 21/08/2024 08h58, última modificação: 22/08/2024 08h39
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Ontem, os alunos realizaram uma atividade de campo na área denominada Bosque | Foto: Divulgação/Secom-PB

por Samantha Pimentel*

A comercialização de dispositivos eletrônicos para fumar, popularmente chamados de cigarros eletrônicos, ou vapes, é proibida no Brasil desde 2009, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas isso pode mudar, caso seja aprovado o Projeto de Lei (PL) no 5.008/2023, de autoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). A proposta estava na pauta para ser avaliada ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, mas a votação foi adiada.

Esta não é a primeira vez que a votação sobre o tema é adiada; outras tentativas foram feitas em junho e julho passados. Desta vez, o novo adiamento aconteceu a pedido do relator da proposta, o senador Eduardo Gomes (PL-TO). Ele alegou atender a pedidos de colegas do Senado, que solicitaram o adiamento devido ao fato de o colegiado estar funcionando de forma semipresencial. Com isso, a discussão sobre o tema deve ocorrer no dia 3 de setembro.

Diversas entidades médicas se opõem à proposta, que busca liberar a produção, a comercialização e o consumo desse produto, a partir de uma regulamentação própria. Uma carta assinada por 80 entidades — entre elas, a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) — destaca que a possibilidade de aprovação do PL é uma “grave ameaça à saúde pública brasileira e de toda a sua população”.

O texto do documento afirma também que o uso de cigarros eletrônicos “desencadeou até mesmo o surgimento de uma nova doença, denominada Evali (doença pulmonar associada aos produtos de cigarro eletrônico ou vaping), que causa fibrose e outras alterações pulmonares, podendo levar o paciente à UTI, ou mesmo à morte, em decorrência de insuficiência respiratória”. A carta das entidades destaca ainda que a atual determinação da Anvisa, que proíbe a comercialização do produto, deve ser mantida, e que a possível arrecadação tributária que viria da venda dos cigarros eletrônicos não compensa os custos que as doenças causadas podem representar ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Gravidade

Segundo a médica pneumologista Maria Enedina Scuarcialupi, diretora financeira da SBPT e membro da Comissão de Tabagismo da entidade, o uso de cigarros eletrônicos não deve ser liberado, em razão dos riscos à saúde. “Ele tem substâncias químicas que são provocadoras de doenças. Isso é sabido. Mas a gente não conhece todas as substâncias. Quando ele chegou, na década de 2000, a gente conhecia por volta de 80 substâncias; hoje, já são mais de duas mil. Então, tem nicotina, derivado de cannabis e anfetamina, fora os formaldeídos, substâncias cancerígenas. Ou seja, estamos falando de câncer e de doenças cardiovasculares, coronarianas e respiratórias, entre outras”, destacou.

Segundo a médica, esses produtos podem influenciar, sobretudo, adolescentes e jovens a desenvolverem o hábito do tabagismo. “É tão preocupante, que ele foi propagado como um uma coisa de menor dano. É mais atrativo, mais bonito, colorido, não tem mau cheiro, tem sabor... Isso é para quê? Para cativar crianças e adolescentes. Porque parece um brinquedo, parece um pendrive”, observou. Ela ressaltou ainda que não há como regulamentar esse produto, pois as suas substâncias causam riscos graves à saúde, e não é possível relativizar isso em prol da arrecadação financeira. “Eu vou trabalhar com menor ou maior dano? Isso é surreal. É desumano. Permitir uma coisa que provoca menos doença, mas provoca? Isso não existe. Não tem que liberar. A desculpa é arrecadar imposto, mas não existe isso”, enfatizou Maria Enedina.

A especialista acrescentou que, em seu consultório, atende a diversos casos de pessoas jovens com sérios problemas pulmonares, pois o cigarro eletrônico causa danos mais rapidamente que o cigarro convencional. “O que a gente tem visto é um adoecimento precoce. Antes, o indivíduo que usava cigarro adoecia com 50, 60 anos. Mas já tivemos morte por Evali com 20 anos, 21, até 19. É mais rápido e causa uma dependência muito maior, porque são substâncias totalmente químicas — e pesadas. São drogas que provocam dependência em menor tempo e de forma mais rápida, com adoecimento bem mais precoce de jovens”, alertou.

Quem defende

Quem é a favor da proposta argumenta que, embora proibidos, os cigarros eletrônicos continuam sendo vendidos em muitos comércios, de forma clandestina, sem regulamentação, e que o melhor, então, seria fazer a normatização desse comércio, o que, claro, implicaria arrecadação de impostos.

Em publicação que aborda o tema em suas redes sociais, Thronicke argumenta que a regulamentação também contribuiria com a saúde da população e com a segurança pública. “Sem fiscalização, não há como controlar as substâncias vendidas no Brasil, que vêm obrigatoriamente do crime organizado. Não podemos fechar os olhos para os mais de três milhões de consumidores no país, um número que só vem crescendo. Precisamos dar segurança para quem compra, estabelecendo um regime de controle sério em cima dos comerciantes. Regulamentar não é liberar, é tomar o controle sobre a situação”, afirmou.

O texto da proposta apresentada pela senadora elenca uma série de substâncias que estariam proibidas para uso nos cigarros eletrônicos, além de prever a aplicação de multa para quem vender cigarros eletrônicos a menores de 18 anos, entre outros pontos.

Trâmite

Depois de passar pela CAE, o texto deve ser analisado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado. Por fim, se aprovada, a proposta ainda terá de ser discutida em plenário pelos senadores, antes de seguir para a Câmara dos Deputados.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa no dia 21 de agosto de 2024.