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MEMÓRIA

Praças históricas pedem cuidados em João Pessoa

publicado: 22/07/2024 09h09, última modificação: 22/07/2024 09h09
Antigos palcos de movimentos políticos e importantes festas públicas, equipamentos apresentam problemas
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Cenário de movimentos políticos e festas públicas do passado, espaços urbanos já não têm a boa frequência de antes, e alguns são pouco atrativos | Foto: Roberto Guedes
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Na Praça João Pessoa, bancos, monumentos e canteiros de plantas demandam manutenção | Foto: Evandro Pereira
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por Emerson da Cunha*

No Centro de João Pessoa, as praças históricas funcionam como pontes entre a correria do cotidiano e as memórias afetivas de quem vive nessa cidade. Tombadas como Patrimônio Histórico Material, elas testemunham as mudanças já vividas pela velha cidade, mostram a importância do espaço público e ajudam a entender como se formou o que hoje conhecemos como a capital da Paraíba.

Segundo o historiador José Octávio de Arruda Mello, as praças eram os principais lugares das cidades — inclusive, algumas delas, como Guarabira, tiveram origem a partir de praças. “Não são apenas lugares de recreação, mas também de ordenamento urbano. Quando as diversões começaram a se modificar, as praças históricas foram perdendo o seu significado. No lugar delas, apareceram os cinemas e os circos”, diz.

Hoje, não há mais cinemas de rua, e os circos, que ainda resistem, armam seus picadeiros longe da região central. Mas as praças não voltaram ao seu antigo papel. Palco de movimentos políticos e festas públicas do passado, essas peças urbanísticas sofrem, atualmente, com problemas de manutenção.

Para verificar essa situação in loco, a equipe do Jornal A União visitou cinco delas: Praça da Independência, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep), em 1980; Praça João Pessoa; Praça Venâncio Neiva (conhecida pelo Pavilhão do Chá); Praça Pedro Américo (em frente ao Theatro Santa Roza); e Praça Aristides Lobo — as duas últimas, pertencentes à poligonal do Centro Histórico, tombado desde 1982 pelo Iphaep e, desde 2009, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Nicho de lambe-lambes do passado

Floricultura da Praça da Independência também funcionava como palanque público | Foto: Evandro Pereira
Floricultura da Praça da Independência também funcionava como palanque público | Foto: Evandro Pereira

Outras duas praças históricas chamam atenção por, aparentemente, ocuparem o mesmo espaço: a Pedro Américo e a Aristides Lobo, localizadas entre o Theatro Santa Roza e o Grupo Escolar Thomaz Mindello, sede do Centro Estadual de Arte da Paraíba (Cearte). Segundo Mello, na Praça Pedro Américo, os coretos ficavam em frente ao teatro, mas foram derrubados porque perderam a importância.

Já no caso da Aristides Lobo, o papel político e cultural dos coretos era garantido pela escadaria central. “Ela servia para manifestações políticas. Chegou a contar com a presença de autoridades como Getúlio Vargas e Plínio Salgado. Também era nesse espaço que ficava o pessoal do lambe-lambe. Era uma praça animada, cheia de barracas de refresco”, diz Mello.

Anteriormente, a estrutura que hoje abriga o Quartel do Comando Geral da Paraíba cumpriu outras funções. “O quartel que divide as duas praças já foi o Palácio das Secretarias, construído por João Pessoa. Depois, abrigou a Assembleia Legislativa. Por fim, a Polícia Militar o ocupou, por volta de 1958”, conclui.

Gestão depende de ação contínua

A gestão das quase 200 praças da capital é da Secretaria de Desenvolvimento e Controle Urbano (Sedurb) — menos daquelas adotadas por empresas, responsáveis pelo seu manejo. No caso das praças tombadas, ou que se encontram no eixo de preservação histórica do Iphan e do Iphaep, é a prefeitura quem planeja e executa, mas cabe a essas duas instituições dar autorização para que as atividades de manutenção e reforma aconteçam.

Características

O arquiteto e urbanista Orlando Cavalcante, do Iphan, reforça que a instituição preza pela leitura da paisagem. “A gente entende os estilos de cada praça, preserva monumentos, mas a leitura espacial tem que ser protegida. Temos edifícios ao redor, a praça não funciona sozinha; ela compõe o cenário todo”, diz. No caso das praças dentro da poligonal do Centro Histórico, ele orienta que a identidade visual do ambiente deva ser mantida, assim como os seus elementos iniciais, vegetação e traçado.
O Iphaep, órgão estadual, faz um acompanhamento ainda mais aproximado e rigoroso das praças. “A gente tenta, ao máximo, manter as características originais da praça”, explica a coordenadora de Arquitetura e Ecologia do Iphaep, Katharina Ayres. Segundo ela, pintura, tipo de piso, vegetação e iluminação, entre outros, só são substituídos quando não existe reposição do original.

Zeladoria

Questionada sobre os problemas de manutenção das praças históricas visitadas, a Sedurb informou que as praças são alvo de manutenção e zeladoria todas as semanas, conforme cronograma da secretaria elaborado de acordo com a necessidade e solicitação da população.

Ponto de encontro dos pessoenses 

Segundo José Octávio, o que agregava essas diferentes praças era a presença dos coretos, onde se realizavam retretas (apresentações de bandas de música) e se passava a vida social da capital. Desses espaços de cultura, sobrevivem o da Praça da Independência, que é uma floricultura, e o da Praça Venâncio Neiva, que virou um mictório. Ambos são tombados pelo Iphaep, desde 1980.

“Esses coretos eram utilizados, sobretudo, pela classe média alta, que ali recreava. Era o chamado ‘bem-me-quer’, com a banda tocando em cima e o pessoal passeando embaixo. As moças para lá e para cá e os rapazes perto das calçadas. Às 21h, como num passe de mágica, essas manifestações se encerravam”, relata.

Na Praça Venâncio Neiva, ficava o coreto mais representativo, porque dele se avistava o Rio Sanhauá, com um túnel de passagem da praça para uma das principais avenidas da época, a General Osório. Segundo ele conta, a frente do atual Palácio do Governo dava para essa praça. “O ‘bem-me-quer’ era na Venâncio Neiva, mas foi para a João Pessoa quando o palácio mudou a sua frente”, explana Mello.

O Pavilhão do Chá, nessa mesma praça, foi iniciado por João Pessoa e concluído por Antenor Navarro, em 1932. O equipamento pretendia “subir” o Centro, ainda muito vinculado ao Porto do Capim e ao Rio Sanhauá. O hotel principal deixou de ser o Hotel Globo e passou a ser o Paraíba Hotel.

Feita para o Centenário da República

Um dos mitos em relação à Praça da Independência é o de que seu desenho seria do reconhecido paisagista brasileiro Burle Marx, o que é desmentido por Mello. “Ele cogitou planos para a praça, mas isso nunca foi concretizado”, conta. A praça foi construída em 1922, sob o centenário da Proclamação da Independência, cujo símbolo é o obelisco central. Mas, contraditoriamente, seu desenho final fazia referência à bandeira inglesa, símbolo de libertação, à época.

O terreno da praça pertencia à família do então prefeito Walfredo Guedes Pereira, de Bananeiras, cedido com reserva de domínio. “Ficou consagrado que ali seria uma praça. Se desviassem a destinação, o terreno voltaria para a família. Isso salvou a praça, pois quiseram colocar um campo de futebol e um estacionamento de circos ali”, diz ele.

Comerciantes do Centro reclamam

O comerciante José Paulo, que atua há cerca de três anos na Praça João Pessoa, das 5h às 11h, lastima o mau costume de transeuntes que jogam lixo no chão. “Aqui é o centro, o coração da cidade. Está com muito lixo, mesmo”, reclama o comerciante. Além da sujeira que populares provocam, diariamente, ele diz que falta manutenção do monumento central — conjunto escultórico tombado em 2002, pelo Iphaep —, dos bancos e do jardim.

Na Venâncio Neiva, a queixa é sobre a existência de ponto de drogas. “Muitos usuários de drogas frequentam o lugar. Às 18h, tudo ‘morre’, aqui, observa Scarlett da Silva, frequentadora do local. Além do próprio Pavilhão do Chá, que se encontra desativado, há ainda desníveis no calçamento, banheiros insalubres e sujeira que transeuntes espalham.

Na Praça Aristides Lobo, Manoel Antonio é o último lambe-lambe da região, repetindo o ofício do pai — que foi o primeiro a oferecer esse serviço nesse espaço, onde permaneceu por 60 anos. “Faltam jardim e bancos e trazer o comércio para cá novamente.”, sugere. E lamenta: “Não tem movimento. Nos anos 1970 e 1980, havia umas 30 máquinas, cada uma fazendo retratos de 20 a 30 pessoas”, conta.

Ao redor, vândalos picharam monumentos, antiga preocupação da prefeitura, e alguns não foram recolocados, como o do poeta Caixa D’Água.

Na Praça da Independência, beleza é o que não falta, mas também há alguns problemas pontuais, como uma grande armação derrubada, que impede uma das passagens nas alças da praça; a floricultura do coreto continua funcionando, mas fiação caída gera riscos para pedestres, e o elevador que garante acessibilidade ao coreto está sem funcionar; frequentadores sugerem a colocação de placas informativas sobre detalhes arquitetônicos e históricos da praça.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de julho de 2024.