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Preparativos estão a todo vapor

publicado: 20/05/2024 08h44, última modificação: 20/05/2024 08h47
Para fazer bonito no São João, grupos intensificam tempo de ensaio, aperfeiçoam coreografia e cuidam do figurino
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Equipe da Moleka 100 Vergonha chega a ensaiar 12 horas por dia, e o período de preparação para apresentação é de nove meses | Fotos: Julio Cezar Peres

por Maria Beatriz Oliveira e Anderson Lima (Especial para A União)*

Ensaios que chegam a 12 horas por dia, nove meses de preparação, 160 pessoas envolvidas e zero reclamação. É esse o clima que cerca a Quadrilha Junina Moleka 100 Vergonha, uma das maiores quadrilhas de Campina Grande e 10 vezes campeã no São João da cidade. Quem vê de fora pode pensar que os preparativos são cercados por exaustão, estresse e fadiga, mas pelo contrário, a verdade é que dentro da Moleka a única coisa que importa é dançar. E dançar bonito.

Os meses de junho e julho são marcados por cerca de trinta apresentações por toda a Paraíba e assim que o período de festa termina, já é hora de pensar no ano seguinte. O tema de 2024, por exemplo, “A graça não é de graça”, já havia sido definido em dezembro de 2023 como conta Duane Gonçalves, diretor da Moleka. “O normal mesmo é em setembro já termos a temática e já começarmos a alinhar os preparativos, mas tivemos algumas apresentações natalinas e isso acabou atrasando um pouco. O tema desse ano foi pensado para resgatar a questão da religiosidade da quadrilha porque, às vezes, a gente esquece que o São João é uma festa católica. Então, ‘A graça não é de graça’ vai brincar um pouco com essa questão do charlatanismo, dos chamados ‘vendedores da fé’. Sempre buscamos trazer algo que está em voga na sociedade para o tema. Tudo de forma lúdica, sem pretender atingir ninguém”, detalha Duane.

Ao conversar com os componentes da equipe, o que mais se percebe é o foco no objetivo maior: a arte da quadrilha e a vitória nos festivais. Nuance Valle que é, ao mesmo tempo, diretor de coreografia e dançarino, exemplifica bem como todos da quadrilha se envolvem com o processo.

"O tema desse ano foi pensado para resgatar a questão da religiosidade da quadrilha porque, às vezes, a gente esquece que o São João é uma festa católica"
- Duane Gonçalves

 “A verdade é que todo mundo contribui. Eu tenho o título de coreógrafo, mas muitas pessoas dão ideias, auxiliam na execução, dão dicas e, realmente, seria humanamente impossível sair tudo de uma mente só. O processo criativo é coletivo. E, enquanto ensaiamos, eu vou me inserindo na dança. Para mim, dançar é a parte mais prazerosa. Eu tenho um pico de estresse muito grande durante a montagem do espetáculo e a dança é aonde eu vou desopilando, coloco toda essa energia para fora”, narra.

Todos se ajudam. A comida é feita e distribuída por uma parte da equipe responsável pela cantina. Se algum dançarino precisou faltar o ensaio anterior, ele faz questão de chegar mais cedo e pegar a coreografia com os demais, que também fazem questão de, nos intervalos, aproveitar o tempo para ensinar os passos uns aos outros ao invés de descansar. Participar da Junina Moleka também envolve um enorme esforço pessoal, tanto financeiro como de tempo.

Kaline Gonçalves, por exemplo, é dançarina há mais de uma década. Ela será a rainha da Moleka na edição deste ano e, para tornar sua performance mais especial, Keline tem feito aulas particulares de dança cigana. “A rainha terá esse tema cigano, então eu precisava aprender os movimentos específicos desse tipo de dança. Senão, não ficaria realista. Eu paguei um pacote de 10 aulas com uma professora de São Paulo e faço on-line. Ela me mostra os passos, eu repito e ela corrige, tudo por videochamada. A rainha representa todas as damas da quadrilha, então tem que ser algo muito bonito e bem feito”, conta Kaline.

Além da coreografia, tudo é ensaiado na Moleka. Desde a troca de roupas até o momento em que os dançarinos poderão beber água durante as apresentações. Jéssica Pereira, de 24 anos, será a responsável por fazer a troca de roupa da rainha e do rei e, para isso, ela terá dois minutos. “O que eu realmente queria era dançar, desde pequena eu acompanho a Moleka, ficava nas grades assistindo, mas por conta do trabalho e da faculdade não posso. Por enquanto, eu ajudo na produção, esse ano estou com a troca de roupas que também é ensaiada. Quando a gente receber os figurinos, vamos ensaiar a troca, cronometrando tudo para nem passar dos dois minutos e nem antecipar. Tem que ser tudo perfeito”, relata.

Por falar em figurinos, esses talvez sejam as verdadeiras estrelas para os dançarinos. Durante os ensaios, vários já dançam com os sapatos e com as saias, para se acostumarem com o peso e o tamanho das roupas que usarão nos espetáculos, roupas que chegam a pesar até seis quilos. “A maioria aqui faz musculação o ano inteiro, só não no mês do São João porque não dá tempo. Quando junta os adereços, a saia, o arranjo, pesa muito, e quem não tem um bom preparo físico vai sentir certa dificuldade”, revela Lorena Costa, noiva da Moleka há 11 anos.

Enquanto uns investem nos ensaios, outros se dedicam à costura dos trajes

Enquanto uns dançam, Etialis Nascimento, Lucas Batista e Jô Lopes costuram. Os três são responsáveis pela confecção das 200 peças que irão compor os trajes dos dançarinos. Etialis, proprietário do ateliê, trabalha com a Moleka há nove anos e narra que a fabricação dos figurinos começa já em janeiro.

“Primeiro nós conversamos com a direção da quadrilha para entender o tema, o que eles esperam das roupas. Depois vem a parte de produzir os croquis e um piloto, que é apresentado à direção e, se eles derem o aval, começamos a encomendar os tecidos e a tirar as medidas de cada componente”, explica o costureiro.

Os tecidos, que vêm de Fortaleza e Caruaru, são mantidos em segredo por todos da equipe. É fundamental que ninguém saiba quais são as cores e as texturas que envolverão a quadrilha nas noites de São João.

Após o corte e a costura das saias, blusas e calças, todas as peças recebem uma etiqueta com o nome do seu futuro dono. Por fim, é feita toda a parte de bordados e adição de adereços como pedras e lantejoulas. Lucas, que também é dançarino, é o responsável pelo acabamento. “Minha mãe é costureira, então eu sempre soube fazer o básico de costura. Só esse ano que eu me envolvi com a costura dos figurinos e essa é a parte que eu mais gosto, de adicionar os detalhes que fazem toda a diferença na aparência final das roupas. Eu não vejo a hora de começar a bordar a roupa que eu vou vestir”, conta Lucas.

Etialis e mais dois costureiros vão confeccionar 200 peças

A roupa de Lucas é especial, isso porque ele é um dos oito transformistas da quadrilha, ou seja, ele dança como dama. Além disso, em algumas apresentações especiais ele é a Rainha G, a rainha da representatividade LGBTQUIA+, um cuidado extra que a Moleka tem em promover inclusão.

As vestimentas também são custeadas pelos próprios dançarinos. Muitos fazem rifas e campanhas para arcar com os gastos, que podem variar entre R$ 700 até R$ 6000.

Mas, não é um problema para quem ama dançar, longe disso. A verdade é que todos se preparam o ano inteiro para dançar por um mês. Economizam dinheiro, faltam na faculdade, abrem mão das férias no trabalho, tempo com a família, tudo para se entregar à música, ao ritmo, ao embalo envolvente da quadrilha, à arte de dançar. Porque se quem canta os males espanta, quem dança a cidade abrilhanta.

Em João Pessoa, integrantes correm para deixar tudo pronto

Celebrando não apenas uma tradição nordestina, mas toda uma herança cultural, os bastidores das quadrilhas juninas fervilham de atividades à medida que o São João se aproxima. Fitas, chapéus, costura de roupas e adereços, cada detalhe preparado pelas quadrilhas é importante para o resultado final. Este ano, os espetáculos em João Pessoa acontecerão de 10 a 13 de junho, na Arena Almeidão, no bairro do Cristo Redentor. As premiações do grupo A são R$ 10 mil para o primeiro lugar, R$ 8 mil para o segundo e R$ 6 mil para o terceiro. Já no Grupo B, os valores são de R$ 8 mil, R$ 6 mil e R$ 4 mil para o primeiro, segundo e terceiros lugares, respectivamente.

A Quadrilha Junina da Paraíba, que existe desde 19 de março de 1997, no Baixo Roger, traz como temática esse ano “Manta Roxa: uma história de vingança e redenção no Sertão da Paraíba”. O presidente da quadrilha, Edhy Oliveira, explica que o tema é um resgate da tradicionalidade paraibana. “Em média, nossos gastos já vão em torno de R$ 90 mil. Os ensaios começaram em janeiro; já estamos em processo de acabamento das roupas, acessórios e adereços”.

Edhy Oliveira destacou, ainda, que as quadrilhas juninas têm uma importância cultural, social e econômica para as comemorações de junho, além de resgatar as raízes nordestinas. “Essa festa gera milhares de empregos e renda para profissionais de várias categorias. Nossa expectativa é de um São João de alegria e diversão, onde os concursos de quadrilhas são muito importantes, queremos nos apresentar, competir, brincar e nos divertir fazendo arte”.

Já a quadrilha junina Fulô do Cerrado, do bairro dos Funcionários, na capital, surgiu no dia 31 de julho de 2014. Ela traz como tema “Hoje eu recebi flores”, que vai retratar, por meio dos elementos teatrais, dança e cenário, a violência contra as mulheres. O presidente da junina, Francisco de Assis Soares Neto, contou que os custos, em média, para o figurino de 20 casais, está em torno de R$ 50 mil, fora os gastos com transporte, maquiagens, efeitos, caminhão para transportar os adereços.

Francisco de Assis explicou que os preparativos estão a todo vapor. “Estamos trabalhando desde 2023 para entregar uma boa performance neste São João e  75% das coisas estão prontas. Desde novembro do ano passado começaram os ensaios.  Como estamos chegando próximo das apresentações, o ritmo é intensificado”.

Ele ressalta que a quadrilha surgiu com o intuito de repassar a cultura, tradição e história, para contagiar o público.

Associação

O presidente da Associação das Quadrilhas Juninas de João Pessoa, Edson Pessoa, destaca que é muito importante manter a cultura nordestina viva, sobretudo no São João. “Trabalhamos muito para que a sociedade entenda que todos os recursos investidos nas quadrilhas juninas são investimentos na cultura. No dia das apresentações é tudo perfeito, mas tem um grande trabalho por trás. A cultura junina é uma arte linda que engrandece o Nordeste”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de maio de 2024.