Cones, apoios de ferro, correntes, placas. Quem anda pelo Centro da capital, mas também em bairros comerciais, consegue visualizar facilmente as “calçadas rebaixadas” (quando são transformadas em rampa para acesso de automóveis). Não raramente, vêm com algum tipo de impedimento de estacionamento ou até de obstrução à circulação de pedestres. A ideia, nesses casos, é privatizar calçadas para que sejam exclusivas para clientes em atendimento.
Segundo a Lei Complementar Municipal no 63/2011, a privatização de calçadas para estacionamento é passível de multa administrativa. O texto define a ação como “ato dos estabelecimentos comerciais de impossibilitar ou dificultar, de qualquer modo, com uso de cones, correntes ou mesmo informes de sujeição a reboque, o acesso de cidadãos, quer sejam estes clientes ou não”. Segundo o regulamento, as únicas áreas de estacionamento próprio precisam estar localizadas no terreno do estabelecimento, voltado para esse fim. Ou seja, qualquer tentativa de privatizar o espaço das calçadas é ilegal. As únicas exceções, inseridas em 2016, são hospitais, farmácias, laboratórios e clínicas médicas e veterinárias que atendam à saúde das pessoas e dos animais, com rotatividade de 25 minutos.
O tema é polêmico entre os proprietários e comerciantes. No entorno do Mercado Central, eles reclamam que, se não seguem a legislação, estão sujeitos à multa, e, caso a façam valer, ficam à mercê de longos estacionamentos dos não clientes, que tiram vagas de consumidores. Fátima Romão é uma dessas pessoas. “Como a calçada é rebaixada e a gente não pode proibir, a pessoa chega aqui, vai trabalhar, deixa o carro estacionado, passa o dia inteiro parado, tirando a vez de uma pessoa que vem fazer compra. Mas é a lei. A gente não pode mandar a pessoa sair”, diz a comerciante. No local, que é esquina, embora não haja outros impedimentos, consta um cone com uma fita, ‘privatizando’ uma das vagas. “O cone é da outra loja, porque ele tem um caminhão que vem descarregar, precisa daquela vaga”, acrescenta Fátima.
A loja em que Jorge Luiz e Joselane Dantas são vendedores também passa por esse tipo de aperto. Para eles, um dos maiores problemas são carros de não clientes que estacionam na calçada de maneira irregular, ocupando mais área do que o devido, atrapalhando transeuntes, que precisam seguir pela via. Os vendedores presenciaram acidentes por conta da situação. “Por mais que a gente tente conscientizar que existe um estacionamento — tem até um rapaz que trabalha aqui de manobrista —, tem cara que não está nem aí, bota no meio da rua, bota errado, bota o carro todo”, explica Jorge. O manobrista maneja não clientes que querem estacionar, oferecendo espaço, mas dialogando sobre o tempo de estacionamento. Perguntada sobre alguns cones na calçada, Joselane aponta a mesma insatisfação de Fátima. “A gente bota, porque, senão, fica muita gente aqui, deixa o dia todinho. Como de manhã, a feira começa às 4h, às 5h, tem feirante que estaciona e deixa o dia todo. Botamos os cones para isso, para não ficarem estacionados o dia todo”, explica a comerciante.
A exceção trazida pela lei foi o que salvou uma loja de artigos veterinários de sofrer penalidade. De início, o comércio destinava vagas aos clientes, mas, após fiscalização, fizeram pedido de uso da calçada como estacionamento privativo justamente por trabalhar também como farmácia veterinária. Ainda assim, o gerente, que preferiu não se identificar, afirma que libera as vagas para não clientes. “Quem trabalha no mercado ou outras pessoas paravam para deixar o carro o dia inteiro. A gente precisa vender. Agora, a gente não se recusa a deixar a pessoa entrar, desde que seja rápido. Há vários que param aqui, vão ao mercado, mas vão rápido. Agora, grande parte aí deixava o carro de manhã e só saía no fim da tarde”, explica o gerente.
Para condutores, a situação também é precária, como para o motorista alternativo Fábio Firmino. “Em áreas mais de comércio, tenho dificuldade para estacionar, o pessoal fica privatizando. Aqui em João Pessoa, no Centro da cidade mesmo, e já aconteceu em Mangabeira. Acontece diariamente. A gente vai tentar estacionar e está fechado, com cone, corrente, você acaba tendo que procurar outro lugar. É mais difícil quando tem essas calçadas rebaixadas”, coloca Firmino, que nunca denunciou situações como essas.
A responsabilidade pela permissão, fiscalização e penalização dos casos irregulares de privatização de calçadas rebaixadas em João Pessoa fica a cargo de três órgãos municipais. Inicialmente, a Secretaria de Planejamento (Seplan) é responsável por avaliar a calçada a ser rampeada e autorizar que a mudança aconteça. Com a obra realizada, é responsabilidade da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob) fazer a fiscalização a partir de visitas aos estabelecimentos comerciais ou por meio de denúncias, com o sentido mais educativo e de advertência. Caso haja reincidência, é responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento e Controle Urbano (Sedurb) realizar a penalização por meio de retirada de material e multa de R$ 1 mil.
“Geralmente, nossos agentes vão lá, orientam os cidadãos sobre a legislação, então, com a maioria, a gente logra esse fim, o cidadão pede desculpas, alega desconhecimento, retira aquele material irregular, então a gente entende que está resolvido. E aí temos menos de 5% que o cidadão insiste nessa prática e a gente aciona a Sedurb por meio do nosso sistema interno aqui, para que eles possam ir ao estabelecimento e fazer a atuação do uso indevido”, explica o diretor de Operações da Semob, Sanderson Cesario. Ele informa que as denúncias sobre o uso indevido de privatização de calçadas rebaixadas podem ser feitas para a Semob, por meio do número de WhatsApp (83) 98760 2134 ou pelo aplicativo João Pessoa na Palma da Mão.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de março de 2025.