Notícias

ALGODÃO AGROECOLÓGICO

Produção cresceu 400%, desde 2021

publicado: 16/09/2024 08h44, última modificação: 16/09/2024 08h44
“Ouro branco” é resgatado no município de Ingá e ganha cores, com investimentos, capacitações e tecnologia
1 | 2
Quando celebrou a primeira colheita, a cidade deu início a um movimento que agora envolve dezenas de famílias de agricultores | Fotos: Carlos Rodrigo
2 | 2
Fotos: Carlos Rodrigo
2024.09.13 Colheita do algodão © Carlos Rodrigo (121)_editada.jpg
2024.09.13 Colheita do algodão © Carlos Rodrigo (33)_editada.jpg

por Samantha Pimental*

A Paraíba já foi referência na produção e no comércio global de algodão, o chamado “ouro branco”. Ao resgatar essa antiga tradição econômica (interrompida pela praga do bicudo, nos anos 1980), o município de Ingá, no Agreste paraibano, já está na quarta edição do Dia da Colheita do Algodão Orgânico e Agroecológico da Paraíba. O evento foi criado para celebrar a retomada da produção, o fortalecimento do mercado e a colheita deste ano.

O investimento atual foca na produção de algodão colorido orgânico, com incentivos para que agricultores da região retomem o plantio — desta vez, com foco na sustentabilidade. Em 2021, quando celebrou a sua primeira colheita, a cidade deu início a um movimento que agora envolve dezenas de famílias de agricultores. De acordo com a Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), a adesão ao cultivo do algodão agroecológico cresceu 400% nos últimos três anos.

"Minha mãe já plantou algodão, no passado. Quando fiquei sabendo desse projeto, eu me interessei. Espero ter um bom lucro"
- Ana Paula Melo

O evento reuniu agricultores, pesquisadores, técnicos, empresários do setor têxtil, representantes do Poder Público e outros, em torno da produção sustentável de algodão colorido orgânico, levado a cabo por agricultores familiares e por comunidades quilombolas do município de Ingá e região. Na mesa de abertura, foi destaque a evolução observada na cultura de algodão, a partir de 2021, período em que a Cooperativa de Produtores de Algodão de Ingá (Itacoop) passou de cinco para cerca de 100 famílias cadastradas. Do início até hoje, a produção também aumentou consideravelmente: de 250 kg, na primeira colheita, para atuais 180 toneladas.

Depois de visitar estações temáticas que abordaram vários temas ligados à produção e ao comércio do algodão, os participantes visitaram a primeira Usina Social de Beneficiamento do Algodão Orgânico e Agroecológico do Brasil. Esse equipamento agilizou muito a produção, que passou de 225 kg para quatro toneladas por hora — um trabalho que antes era feito em oito meses passou a ser realizado em duas horas.

 Incentivo

O presidente da Itacoop, Severino Vicente da Silva (ou “seu Bio”), contou que criou os seus oito filhos com o algodão. “Aí veio o bicudo e deixamos de plantar. Em 2021, voltamos, depois de 40 anos sem plantar algodão. Na época, só cinco agricultores acreditaram. Mas, quando a gente viu o resultado, começou a se animar”, ressaltou.

"Na América do Sul, ninguém tem esse selo. Ele é o suprassumo da certificação orgânica, o que agregará valor ao nosso algodão"
- Pryscilla Dóra

Segundo Josey Walles Belmont, presidente do Instituto IA — Incubação e Aceleração, que atua com os agricultores desde 2021, o próximo passo será a aquisição de uma sementeira. “Queremos trazer a semente mais pura possível, como também ter de volta a semente branca, além de trazer as sementes do algodão verde e do rubi, para serem plantadas aqui”, disse ele.

Para a agricultora Ana Paula Melo, que começou a se interessar pelo plantio do algodão depois dessa retomada com foco no mercado orgânico, a expectativa é boa. “Minha mãe já plantou algodão, no passado. Aí, quando fiquei sabendo desse projeto, eu me interessei. Hoje, faço o plantio consorciado do algodão com outras culturas. Espero ter um bom lucro”, disse. No primeiro ano, ela colheu cerca de 800 kg de algodão; neste, espera superar esse número.

O Dia da Colheita é uma realização da Itacoop e do Instituto IA, que oferece capacitações e orientações ao agricultor, quando ele precisa lidar com pragas e escolher defensivos, por exemplo. O Governo da Paraíba oferece assistência técnica da Empaer, que também atua com os agricultores da região.

 Internacional

Neste ano, o Dia da Colheita também marca a expectativa de obtenção da certificação internacional Global Organic Textile Standard (Gots), que deve auditar o processo produtivo na primeira quinzena de outubro, atestando a qualidade do algodão orgânico que vem sendo produzido na Paraíba e abrindo novos mercados para a sua comercialização. Esse selo é referência mundial em produtos têxteis orgânicos, com rigorosos critérios ambientais e sociais.

“Na América do Sul, ninguém tem esse selo. Ele é o suprassumo da certificação orgânica, o que agregará valor ao nosso algodão. Como ele é aceito em mais de 180 países, serão muitos canais de venda abertos para o nosso algodão”, explicou Pryscilla Dóra, coordenadora do Programa do Algodão Colorido Orgânico da Paraíba, ligado ao Instituto IA. Segundo ela, essa certificação vai consolidar a Paraíba no cenário global.

 Moda

Além do momento de conhecimento, intercâmbio e potencialização de mercados consumidores, o Dia da Colheita contou com um desfile de moda, realizado numa plantação, com peças confeccionadas com o algodão orgânico local. Modelos profissionais e da própria comunidade, incluindo quilombolas e jovens agricultores, apresentaram as peças, que destacam a importância da sustentabilidade na moda.

Houve, ainda, uma prévia da coleção Calunga, da marca Natural Cotton Color. A coleção será apresentada no evento de moda sustentável Beyond the Claim, no dia 20 deste mês, durante a Semana de Moda de Milão — mas os participantes do Dia da Colheita puderam conferir tudo em primeira mão. Calunga é uma referência ao personagem do Maracatu, manifestação cultural da Paraíba e de Pernambuco, e combina alfaiataria e detalhes artesanais como a técnica do labirinto, produzida no município de Ingá e patrimônio imaterial do Estado da Paraíba.

Parcerias

Para o prefeito de Ingá, Robério Burity, o trabalho que foi realizado no município para potencializar o algodão incentiva a sustentabilidade. “Vem dando resultado. Cada um fazendo a sua parte, trabalhando para que o agricultor tenha menos despesa e mais lucro... Isso também está fazendo o jovem voltar para a agricultura, porque está vendo que pode dar dinheiro”, ressaltou.

A chefe geral da Embrapa Algodão, Nair Helena Castro, também reforça que o evento é o momento de celebrar uma trajetória, desde a escolha da área para o cultivo até a colheita, passando pela semeadura e pelo manejo. “Para isso acontecer, foram muitos parceiros. Hoje, os agricultores familiares observaram todas as etapas necessárias para que tenham uma excelente produtividade, com certificação e boas vendas dentro do mercado orgânico”, disse.

O 4º Dia da Colheita do Algodão Orgânico e Agroecológico da Paraíba contou com o patrocínio do Sebrae, da Dalila Têxtil, da Cataguases Empresa Têxtil e da Prefeitura de Ingá, além do apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), do Governo da Paraíba, do Banco do Nordeste, do Banco do Brasil, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), entre outros.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de setembro de 2024.