Em muitas situações, o ambiente de trabalho torna--se um espaço de sofrimento e adoecimento para os trabalhadores. Isso acontece, por exemplo, quando há casos de assédio, que se configuram como condutas abusivas, repetitivas e prolongadas, atentando contra a dignidade e a integridade psíquica ou física de uma pessoa. Essa é uma forma de violência caracterizada por ações, palavras ou atitudes que humilham, constrangem ou desestabilizam emocionalmente a vítima. E isso pode ocorrer pela prática individual, de uma pessoa para com outra, ou por meio de um ambiente organizacional que ocasiona o assédio. Nesse contexto, rotinas exaustivas, grande volume de demandas e cobranças feitas de forma desrespeitosa são alguns dos exemplos que caracterizam o chamado assédio moral organizacional.
Segundo Mirella de Souza, juíza do Trabalho e coordenadora da Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual de Primeiro Grau do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba (TRT-PB), esse tipo de assédio refere-se a episódios em que o problema se atribui aos códigos de organização do próprio espaço profissional. “É diferente daquele assédio que envolve apenas uma ocorrência de mal-estar entre uma chefia e um insubordinado ou entre colegas de trabalho. Acontece quando as normas de produção de um empreendimento ocasionam situações assediosas”, explica a juíza, citando, como exemplo, casos de submissão reiterada a jornadas extenuantes e de cobrança por um volume de trabalho incompatível com o tempo e os recursos disponíveis para sua execução.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), Andressa Coutinho, aponta que o assédio organizacional é motivado por um comportamento patronal generalizado, “reconhecido como política da empresa, então o agressor deixa de ser uma pessoa física e passa a ser a própria pessoa jurídica e empresarial”.
Para identificar essas práticas assediadoras, as pessoas devem estar atentas àquilo que ultrapassa os limites do poder diretivo da organização. Em um ambiente de trabalho, fazem parte da dinâmica organizacional exigências quanto ao alcance de metas ou mesmo que se corrija algum funcionário que não esteja com a postura ou o rendimento adequados. Isso não se configura como abuso, de acordo com Mirella. “O assédio é quando se ultrapassam os limites de tratamento digno e respeitoso do outro. Por exemplo, o cumprimento de metas com ameaças, gritos ou retaliações, em caso de não se atingi-las — isso é assedioso”, ressalta a magistrada.
Rescisão indireta e ação civil são providências possíveis
Conforme a advogada Deborah Henrique, o assédio organizacional também pode se manifestar por uma maneira discriminatória de tratar determinados públicos ou pessoas. “Pode ser um tratamento diferenciado das mulheres para com os homens, ou com empregados mais velhos, em detrimento dos mais novos, brancos em relação a negros”, observa a advogada, especializada em Prática Trabalhista, pontuando como esses casos podem motivar processos judiciais.
“A Consolidação das Leis do Trabalho [CLT] não traz um artigo específico sobre o assédio moral organizacional. As ações desse tipo na Justiça do Trabalho se dão mais quando o empregado busca a rescisão indireta, ou seja, quando ele não pede demissão, mas rescinde o contrato por causa de uma prática abusiva do empregador, o que torna impossível a continuidade da relação empregatícia — e, dentro disso, pode-se enquadrar o assédio”, detalha Deborah, citando que tal previsão consta no artigo 483 da CLT. Nesses episódios, com a vitória judicial, o trabalhador tem acesso a todas as suas verbas rescisórias trabalhistas, inclusive o seguro-desemprego, da mesma forma que aconteceria caso ele fosse demitido sem justa causa.
Outra possibilidade para o empregado que tenha sido alvo de assédio desse gênero é ingressar com uma ação civil, visando, segundo Deborah, “responsabilizar a empresa e buscar uma reparação do dano moral que foi sofrido e que, muitas vezes, representa prejuízo à sua saúde mental”. A advogada informa que a responsabilização da organização pode acontecer de forma objetiva ou subjetiva: “Objetiva, quando é a ação direta da empresa que ocasionou o assédio, e subjetiva, quando houve assédio de um empregado para com o outro, mas, por omissão da empresa, ao não zelar pela saúde do ambiente de trabalho, ela também pode ser responsabilizada”.
Na avaliação da especialista, seja qual for sua formalização na Justiça, as denúncias de assédio organizacional vêm aumentando e tornando-se mais comuns, como reflexo de uma maior conscientização da população na busca pela garantia de direitos e pela reparação de danos. “Com a internet facilitando o acesso das pessoas à informação, elas estão reconhecendo que muitas práticas e situações vivenciadas no local de trabalho, as quais eram muitas vezes normalizadas, correspondem, na verdade, a uma relação abusiva. Organizações das categorias de base e sindicatos, por exemplo, também vêm promovendo palestras e difundindo essa conscientização”, pontua Deborah.
Riscos psicossociais inspiram nova norma federal e mudança na Cipa
Diante de um cenário em que as empresas podem contribuir com condutas assediosas e ser responsabilizadas por isso, é preciso adotar práticas de gestão que ajudem a construir um ambiente organizacional mais saudável. O diretor jurídico da Associação Brasileira de Recursos Humanos — Seccional Paraíba (ABRH-PB), Vladimir Miná, salienta que o Governo Federal tem buscado, por meio de normativas, preservar a relação trabalhista, sobretudo no âmbito psicossocial. “A NR-1 [Norma Regulamentadora no 1], que trata dos riscos ocupacionais, foi alterada para determinar que todas as empresas precisam ter uma mensuração e um plano de combate a riscos psicossociais — e aí entra a questão do assédio moral”, pontua Vladimir, lembrando ainda que a Cipa, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, virou CipaA, adicionando a prevenção de atos assediosos ao seu escopo de atuação dentro das organizações.
“Na ABRH-PB, temos trabalhado a questão da educação, fazendo um mapeamento de risco e pesquisas de clima organizacional. Existem métodos e técnicas que as empresas podem aplicar para mensurar isso. E, quanto ao combate [ao assédio], são feitos treinamentos com a equipe, com relação a comportamentos que não são aceitos nem tolerados ou incentivados”, explica Vladimir. Segundo ele, as organizações também podem criar códigos de conduta internos, descrevendo as práticas esperadas e o que deve ser evitado, e manter vigilância às situações de risco, além de criar canais de denúncia sigilosos.
Denúncias
Para registrar casos de assédio moral organizacional, os trabalhadores podem procurar, inicialmente, a Ouvidoria da empresa e sindicatos de sua categoria. Quando isso não for possível ou não trouxer resultados efetivos no âmbito interno, pode-se ingressar com uma ação judicial ou formalizar a denúncia junto ao Ministério Público do Trabalho. Nessas situações, provas como prints de e-mails, conversas de WhatsApp ou qualquer outro registro de comunicação podem ser essenciais para evidenciar a prática, como destaca a procuradora do Trabalho Andressa Coutinho. “Isso é importante para que possamos investigar e aplicar, de forma adequada, as penalidades cabíveis à empresa ou ao órgão público”, comenta, frisando que as denúncias podem ser enviadas anonimamente pelo site https://www.prt13.mpt.mp.br.
Além da instauração de inquéritos civis, de acordo com Andressa, o MPT-PB combate o assédio “por meio de procedimentos promocionais, em que chamamos determinados setores e categorias para conscientizar sobre a necessidade de não manter práticas desse tipo e de combatê--las. Isso acontece por meio de palestras e eventos”. A juíza do Trabalho Mirella de Souza relata que o TRT-PB também realiza atividades educativas quanto ao problema, incluindo “a publicação de matérias sobre a temática e a realização de palestras e cursos, tanto para servidores e magistrados como também para o público externo”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de agosto de 2025.