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Reitora da UFPB desabafa: 2020 deve ser mais apertado que 2019

publicado: 23/09/2019 10h56, última modificação: 23/09/2019 10h57
por Rammom Monte
MARGARETH DNIZ-REITORA DA UFPB-ORTILO ANTONIO (30).JPG

tags: ufpb , contingenciamento

por Rammom Monte

Margareth Diniz fala sobre a situação financeira da UFPB, o que vem sendo feito para suportar a crise e analisa o Future-se


Cortes orçamentários, educação sob repetidos ataques e uma incógnita sobre o futuro. O ano de 2019 está difícil para os reitores de universidades e institutos federais no Brasil. E com a reitora da Universidade Federal da Paraíba, Margareth Diniz, não foi diferente. Ela recebeu a reportagem do Jornal A União em seu gabinete para uma entrevista, onde tratou sobre a situação financeira da instituição, o que vem sendo feito para suportar a crise, sua análise sobre o programa federal Future-se, entre outros assuntos. Confira:


Para começar, gostaria que a senhora traçasse um panorama geral de como está a situação da UFPB?

Nós fizemos um planejamento orçamentário e encaminhamos para a PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual); em sequência, a LOA foi aprovada. Uma vez aprovada, começamos a trabalhar com aquele orçamento aprovado na LOA, embora sabendo que o orçamento, dependendo de arrecadação, ele pode haver contingenciamento. Bom, ao longo do tempo, já no começo do ano, recebemos a informação de que nós teríamos 30% do nosso orçamento contingenciado. Ou seja, você se planeja para uma coisa e, de repente , você recebe a informação de que 30%, no nosso caso, um quantitativo de R$ 44 milhões para o ano de 2019, serão contingenciados. Sem estes 30% nós não fecharíamos o ano. Então nós tínhamos um orçamento, ficamos com orçamento de 70% e, aí, nós fizemos a conta e observamos que com estes 70% iríamos até o fim de setembro. Aí começaram as conversas. A Andifes, que é a associação nacional de todos os reitores de universidades federais, fez a agenda com o ministro, convidamos também o secretário de Educação Superior para que ele viesse na nossa associação e, aí, ao longo deste tempo, com todo este debate, o ministro começou a dizer que não era corte e sim contingenciamento. Recentemente, na última reunião da Andifes, que agrupa as 67 Universidades Federais do Brasil, ele disse que a partir do fim de setembro vai começar a descontingenciar paulatinamente. Nós temos 44 milhões contingenciados, se eles descontingenciarem 25%, nós terminaremos o ano.

Mas ainda é uma incógnita?

A gente está acreditando na palavra dele, que ele vai cumprir o que disse. Neste sentido, a gente está caminhando, mas também tomando algumas providências. Porque muitas vezes se fala assim: o orçamento da universidade é de 1 bilhão e 600 e tantos milhões. Na verdade, o nosso orçamento de folha de pessoal é de 1,5 bilhão e o que nós temos de discricionário, para o dia a dia, é cerca de 158 milhões. Onde a gente paga quase R$ 45 milhões de terceirização, R$ 15 milhões de energia, quase R$ 4 milhões de água, R$ 15 milhões de bolsas a estudantes, R$ 37 milhões de assistência estudantil, anualmente. Então não tem dinheiro sobrando. A universidade hoje é pujante também graças à capacidade dos nossos professores. Nós temos mais de 75% dos professores doutores e pós-doutores, que vão buscar nos órgãos de fomento recursos para viabilizar atividades de pesquisa. O ministro não foi na Andifes, ele deu uma entrevista, mas o doutor Arnaldo Barbosa Lima, que é o secretário de Educação Superior do país, foi lá e disse que vai descontingenciar e que nós vamos terminar o ano sem nenhum problema. A UFPB vai bem, mas há outras universidades que têm alguns problemas. Por exemplo, a Universidade do Mato Grosso, que devia vários meses de energia, além de outras que também têm problemas com dívidas. A UFRJ é uma delas. Então, por enquanto, estamos vivos e eu espero sinceramente que eles possam cumprir e a gente possa terminar o nosso ano para pensar em 2020, que talvez seja mais apertado que 2019.

Quando se fala em fechar as portas, é literal? Encerrar as atividades?

Encerrar as atividades porque depois de muitos anos estamos conseguindo botar o período letivo dentro do ano. Nós teremos os dois períodos letivos dentro de 2020: 2020.1 e 2020.2. Isto é uma conquista enorme. Então, a gente encerraria as ações previstas para 2019 com o descontingenciamento e começamos a discussão da PLOA de 2020, porque tem uma emenda constitucional com teto de gastos, uma série de outras ações propostas pelo governo e a gente ainda não sabe como vai funcionar. A informação primeira que nós tivemos é que 2020 vai receber o mesmo orçamento de 2019, o que já é preocupante. Porque na terceirização nós temos todo um dissídio coletivo e que vai ter um aumento. Com isto nós já começamos a contingenciar internamente. Nós cortamos uma parte da terceirização, em torno de 20%, com exceção de segurança. Não cortamos nenhum posto de segurança. E estamos tentando manter o padrão da universidade de excelência.

Como a senhora avalia a política educacional do novo governo? Já foram dadas várias declarações de ataque ao ensino público, como a famosa balbúrdia... Como a senhora vê isto?

A questão da balbúrdia, a gente discorda, porque se você olhar os indicadores das universidades, você vai ver que as universidades federais são as melhores do país. Que mais de 70% de pesquisa deste país são feitas pelas universidades federais. Nós fazemos inovação tecnológica. A UFPB, por exemplo, é quinto lugar de governança dado pelo TCU. É a quarta universidade do país em depósito de patente. Nós estamos entre as melhores universidades do país, em qualquer indicador que você possa observar. Então não concordo nada, nem do governo, nem de qualquer outra autoridade que diga que as universidades não funcionam muito bem. Funcionam sim, são extremamente qualificadas. Pontualmente existem deficiências, e em todo canto tem, mas a maioria quer estudar, quer se formar, quer sair chancelado com um diploma da UFPB. Nós temos mais de 30 mil estudantes, 128 de graduação, mais de 100 cursos de pós-graduação... Então não há o que se falar, basta buscar os dados e nós temos dois documentos aqui que comprovam isto. Um é a “UFPB em Números”, de 2012 a 2018 e “Avanços, Perspectivas e Desafios”, um documento elaborado em 2019, então a excelência é baseada em evidencias.

Uma das alternativas dadas pelo governo é o programa Future-se. O que a senhora tem a dizer sobre ele?

O governo apresentou a proposta do programa Future-se. A Andifes não participou. Em outro momento eles foram lá fazer esta apresentação. A consulta pública terminou dia 29 de agosto, eles têm 30 dias para apresentar o projeto final. É um PL, um projeto de lei, então este PL vai para a Câmara. Neste caminho, nós fizemos aqui assembleias universitárias, nos campi da UFPB. A nossa assembleia universitária não é deliberativa. Nosso estatuto diz que toda vez que houver um assunto de interesse da instituição, que a assembleia universitária seja convocada, os três segmentos mais a sociedade, para a gente conversar sobre isto. E foi o que fizemos. E o resultado é público. A maioria das pessoas tem dúvidas, não concorda com alguns eixos. São três eixos: de governança, de pesquisa e inovação e o de internacionalização. Pesquisa, inovação e internacionalização nós já fazemos muito bem e o eixo de governança, nós não concordamos com a questão de organização social. Parece-me que isto é uníssono, talvez, entre os reitores. Na primeira semana de outubro, nós vamos fazer o nosso fórum, abrir o fórum universitário com o tema Future-se e, aí, até lá, o projeto final já deve ter sido apresentado. Na sequência, há três audiências públicas previstas: uma pela comissão de valorização das Universidades Federais, comandada por Margarida Salomão, lá na Câmara. A outra pelo próprio presidente da Comissão de Educação, que vai também fazer uma audiência pública, e a outra da Andifes. Ou seja, nós vamos acompanhar. E a decisão da adesão ou não, não é pessoal. Não é uma decisão da reitora ou da gestão. É uma decisão do conselho universitário, formado por todos os diretores de centro (são 16 diretores), representantes dos estudantes e dos servidores técnico- administrativos. A partir daí, a gente vai tomar esta decisão com toda tranquilidade necessária para que a gente não fique agora criando factoides sem que se tenha de fato o que é isto, o que a consulta pública traz, o que mudou da proposta inicial e as coisas vão acontecer, mas a gente vai optar sempre pelo que for melhor para a educação e para a Universidade. Isto nós não abrimos mão.

Recentemente, eu conversei com a professora Márcia Fonseca (pró-reitora da pós graduação em exercício) e um dos pontos abordados por ela foi a falta de direcionamento por parte do MEC. E usou a frase “estamos em uma corda bamba”. Falta este direcionamento? Um norte?

O que nós temos às vezes são informações desencontradas. O que eu tenho dito a todo mundo da gestão é o pezinho no chão e bem centrado. Não adianta a gente estar ouvindo informação de diferentes fontes, que muitas vezes não são fidedignas, a gente vai ter que esperar. Vão cortar o orçamento da Capes? Vão cortar as bolsas de iniciação científica do CNPQ? Vão cortar as bolsas de mestrado, doutorado da Capes e do CNPQ? Vão cortar as bolsas dos pesquisadores do CNPQ? É preciso que a gente saiba. A informação chega: governo mandou cortar tantas bolsas. Aí, dalí a pouco, os cursos que são notas 5, 6 e 7, as bolsas não serão cortadas. Então, eu prefiro esperar a informação fidedigna para que a gente tome as providências. Mas lhe digo sinceramente que, para mim, é inadmissível cortar bolsas de pesquisa, de iniciação científica. Porque há de se entender que o estudante, por exemplo, começa na iniciação científica. É um jovem talento, ele termina a graduação, passa para o mestrado e para o doutorado e, sem a bolsa, ele não faria isto. Então você está perdendo a sequência, ou de um futuro pesquisador, ou de uma carreira acadêmica exitosa e penso que as pessoas podem ate sair do país, se não tiver a oportunidade de viabilizar. Mas eu torço sinceramente para que o governo tome a decisão correta de que educação não é gasto, é investimento e que pós-graduação é de grande importância para o desenvolvimento do país.

A senhora falou da excelência da UFPB em pesquisa. A senhora teria números que demonstrem isto?

De extensão, que muitas vezes está imbricado em pesquisa, só neste ano de 2019, são 600 projetos de extensão. Só de iniciação científica são quase mil projetos de pesquisas, e são professores com estudantes. Só de pesquisadores PQ, do CNPQ, nós temos 186, e estes 186 cada um deste é um projeto de pesquisa, que envolve mestrado, doutorado. Entre mestrando e doutorando nós temos cerca de 4 mil, cada mestrado é um projeto de pesquisa, cada doutorado também, cada pós-doutorado é mais uma pesquisa lançada. Então é inúmero. Nós criamos na nossa gestão a Agência de Inovação Tecnológica e este avanço no depósito de patente, em que estamos no quarto lugar no Brasil, veio muito desta organização, a Inova. Nós criamos a agência de cooperação internacional e aí nós conseguimos dentre 194 universidades que concorreram ao edital da Capes, que era o PRINT, Programa de Internacionalização, apenas 34 conseguiram. Dentre elas a UFPB. Nós conseguimos 11 milhões de reais e trabalhamos muito com esta questão de internacionalização. Já temos projetos e convênios com mais de 87 universidades no mundo todo. Recentemente houve um congresso internacional com a universidade de Soka, no Japão. Eu estive no Japão a convite da Universidade. Eles viabilizaram, custearam 100% desta viagem e fizemos parcerias e eu acho que este é o caminho e tenho incentivado.

Há um grande temor por parte da comunidade acadêmica diante desta incerteza, este obscurantismo que se criou na educação brasileira. A senhora, enquanto reitora, que mensagem de acalento daria para estas pessoas?

Eu entendo a preocupação porque o estudante da graduação se pergunta se vai continuar tendo a bolsa. Nós recebemos aqui 50% dos estudantes que vêm de escola pública. Eles se perguntam se vão continuar tendo assistência estudantil. A pessoa que está no mestrado quer saber se vai continuar tendo a bolsa. Então de fato é uma incerteza, uma insegurança que preocupa. Mas o trabalho da gestão é tentar junto aos órgãos de fomento, ao governo, aos parlamentares e onde for possível, de que isto não aconteça. Explicar a importância da Universidade Federal pública para o país. Fazer também o dever de casa, porque trabalhar com recurso é muito bom, desafiador é fazer tudo com pouco recurso e, em especial, neste momento. É o que nós estamos tentando fazer. Não perder a excelência universitária, e buscar também o recurso para que a gente consiga manter vivo. Mas também junto com os estudantes eu tenho esta expectativa, junto com os professores, servidores técnico-administrativos, do que vai acontecer com a educação pública, porque todo mundo está vendo o que toda hora vem acontecendo. Então minha expectativa é que de fato se entenda a importância da educação. E nós não defendemos apenas a educação superior, defendemos da educação infantil a superior. Eu sou o que sou por causa do Ensino Básico público, do Ensino Médio público e da universidade pública. Eu estudei em uma escola técnica em Sousa, numa escola de formação de professores, também lá em Sousa e, quando eu terminei a escola técnica eu fiz três vestibulares, Direito, Medicina e Farmácia. Passei em todos três. Então a escola pública é boa e vim para a Universidade e cheguei onde cheguei por causa da Universidade. Então eu torço para a gente manter viva esta Universidade que é o sonho de todo mundo, da classe média, pobre também, que vê na educação uma perspectiva de mudar de vida. E é isto que eu acalento e dando o exemplo a todo mundo de onde eu cheguei, e todo mundo pode chegar através deste caminho que é o da educação. E trabalhar muito por ela e juntar o máximo de pessoas possível que têm o compromisso com a educação para a gente defender esta instituição.

Para a gente finalizar, a senhora está em qual mandato? E pretende o que para o futuro?

Eu estou no terceiro ano do meu segundo mandato. Meu mandato encerra em novembro de 2020. Não posso (uma nova eleição), porque são dois mandatos e eu digo que para mim já está bom. Eu já passei 8 anos como diretora técnica do Hospital Universitário, 8 anos como diretora do Centro de Ciência da Saúde, na época era o maior centro da instituição e passei oito anos como reitora. Então, do ponto de vista administrativo eu tenho uma carreira acadêmica de pesquisadora que eu prezo muito também e eu acho que é possível seguir este caminho na sequência. Este é o meu propósito, porque eu quero acreditar que ainda é possível fazer pesquisa e ensino de qualidade.