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Descoberta

Sítio une arte rupestre a pegadas fossilizadas

publicado: 12/04/2024 09h22, última modificação: 12/04/2024 09h22
Serrote do Letreiro, em Sousa, é reconhecido como único no mundo
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Após novo estudo, local é reconsiderado para ações específicas de conservação, restauração e socialização pelo Iphan | Foto: Leonardo Troiano
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Vestígios de saurópodes foram encontrados lado a lado com desenhos de povos indígenas pré-coloniais | Arte: Matheus Gadelha
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Localizado no Vale dos Dinossauros, em Sousa, o Sítio do Serrote do Letreiro acaba de ser reconhecido como bem de valor único para o patrimônio arqueológico nacional. Trata-se do primeiro sítio no mundo onde foram identificadas pegadas fossilizadas de dinossauros em associação com a arte rupestre de povos indígenas pré-coloniais, criada milhões de anos depois da existência daqueles animais, o que indica que essas populações reconheceram os registros fósseis e os assimilaram em sua expressão simbólica.

A descoberta veio a público em um artigo dos arqueólogos  Heloísa Bitú e Leonardo Troiano e dos paleontólogos Aline Chilardi e Tituo Aureliano, divulgado em março na revista científica internacional Scientific Report. Com os novos dados trazidos pelo estudo, o Serrote do Letreiro foi recadastrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Apesar dos sítios arqueológicos já serem legalmente protegidos pela Lei 3.924/61, a inclusão e atualização de informações sobre esses bens no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) é fundamental para que o Iphan realize  sua gestão adequadamente. 

“A partir do recadastramento, o Instituto pode tomar ações próprias para a sua preservação, como a fiscalização do bem, o monitoramento do seu estado de conservação, indicação de medidas para sua proteção e, eventualmente, sua restauração. E realizar também sua socialização, como a exploração turística e a extroversão, aproximando o bem arqueológico e a sociedade”, explica Thiago Trindade, arqueólogo do Iphan.

Esforço conjunto

Segundo Larissa Araújo, arqueóloga do Iphan na Paraíba, a raridade do sítio de Sousa justifica seu destaque internacional e aumenta a importância de que seja garantida sua integridade, na medida em que ele é, também, um testemunho da ocupação do Sertão paraibano e das relações culturais dos grupos locais – entre si e com o ambiente ao redor.

“Um plano de trabalho sequencial e transdisciplinar deverá ser elaborado de forma conjunta pelo CNA (Centro Nacional de Arqueologia) e a Superintendência [do Iphan] na Paraíba, a partir dos resultados e das recomendações das pesquisas desenvolvidas até o momento, sempre com respeito ao estado de conservação e as especificidades do sítio arqueológico e paleontológico”, conta Larissa, acompanhada da diretora do CNA, Jeanne Crespo.

“É missão do Iphan zelar pela proteção e pela garantia de preservação desse bem para gerações futuras. A pesquisa destaca o interesse e a apropriação de registros fósseis por aquelas populações, milhares de anos antes da formação dos campos científicos da paleontologia e da arqueologia em sociedades europeias”, completa Jeanne.

Marcas de expressão e saberes nativos

No Serrote do Letreiro, foram registradas pegadas de dinossauros terópodes, saurópodes e ornitópodes de aproximadamente 140 milhões de anos. Destes, os vestígios dos dois primeiros grupos foram encontrados lado a lado com as artes rupestres dos povos pré-coloniais, sem que tenham sofrido qualquer alteração por parte daquela população.

Para os autores do artigo, ainda que não compreendessem o que haviam sido os dinossauros, aquele agrupamento humano percebeu tais marcas como pegadas e interagiu com elas de modo intencional. “Os nativos do Brasil observaram essas pegadas fossilizadas e entenderam, à sua maneira, que eram importantes de alguma forma, se não, não teriam dedicado tempo, energia e recursos na criação dessa arte rupestre em pleno Sertão paraibano”, afirma uma das responsáveis pelo estudo, a arqueóloga Heloísa Bitú, da Fundação Casa Grande.

Assim, tais achados, segundo os pesquisadores, confirmam que os indígenas antigos produziram conhecimento a respeito dos fósseis, contradizendo o discurso que deslegitima os saberes e descobertas feitas pelos povos americanos pré-coloniais como não científicos.

“Os cientistas europeus e brancos, em sua maioria e pela maior parte do tempo, ignoraram totalmente o fato de que os indígenas brasileiros viveram nesse território por milhares de anos e que, pela lógica, só poderiam ser profundamente conhecedores do patrimônio paleontológico daqui. Para a ciência europeia, o indígena não teria sequer habilidade e método científico suficientes para identificar fósseis. Esse sítio nos prova que isso é um grande equívoco histórico”, conclui outro dos autores do artigo, o arqueólogo do Iphan Leonardo Troiano.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa no dia 12 de abril de 2024.