Nos sete primeiros meses deste ano, segundo o Departamento Estadual de Trânsito da Paraíba (Detran-PB), o número de condutores multados pelo uso de telefones celulares no trânsito aumentou 44,2%, em comparação com o mesmo período do ano passado. Entre janeiro e julho, foram aplicadas 1.482 multas dessa natureza em todo o estado — contra 1.028, em 2023. O aumento ilustra o cenário de dependência das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que se aprofunda cada vez mais — o que é especialmente perigoso se a prática parte de condutores no trânsito, sobretudo motociclistas.
De acordo com Wilham Alves, agente de trânsito do Detran-PB, o uso de celulares é a terceira maior causa de mortes em acidentes de trânsito no país, atrás apenas da embriaguez e do excesso de velocidade. Além disso, os condutores de motocicletas são mais vulneráveis em ocorrências desse tipo, conforme indicam outros dados levantados por Wilham. Segundo ele, de janeiro deste ano até a última terça-feira (27), o órgão estadual contabilizou 540 sinistros letais na Paraíba, com 72% deles envolvendo motociclistas.
A ocorrência de sinistros, portanto, é o maior risco que envolve a utilização de telefones celulares por motociclistas. “Quando você desvia o seu olhar para focar no celular, está retirando totalmente a sua atenção do trânsito. Se a moto estiver, por exemplo, a 100 km/h, dois segundos de desvio de atenção equivalem a percorrer uma distância de 56 m com os olhos totalmente vendados. Nesse período, você não vai ter tempo de reação suficiente para evitar um acidente com algum animal que esteja na via ou, se for perto de uma escola, com uma criança que atravesse a rua de uma hora para a outra”, adverte.
As consequências da imprudência no trânsito vão além dos sinistros, como alerta André Agra, mestre em Engenharia de Transportes e especialista em Inovação na Gestão Pública e Cidades Inteligentes. Ele classifica a alta nesse comportamento como uma tragédia social, com impactos nas despesas governamentais com saúde e previdência e nas vidas dos envolvidos, que, se sobreviverem, podem ter sequelas permanentes.
A preocupação de André é ainda maior em relação à situação no interior do estado. “Na Paraíba, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], a frota de veículos é de 1.593.744, e as motocicletas e motonetas representam 44,7% desse total. Mas, nas cidades abaixo de 50 mil habitantes, a frota média de motos sobe para mais de 50% e, nas cidades com menos de 20 mil habitantes, morre mais gente em acidente de moto do que por homicídios. Por isso, o uso de celulares no trânsito, nesse contexto, é um desastre anunciado”, lamenta.
Fiscalizações
Para Wilham Alves, a alta no número de autuações pelo uso de celular é fruto do aumento das fiscalizações realizadas pelo Detran-PB, principalmente durante as blitze da Operação Lei Seca. Além disso, houve investimento na interiorização das ações, ampliando o alcance nas regiões de Guarabira, Patos, Campina Grande, Mamanguape e Cajazeiras, bem como a instauração de fiscalização por videomonitoramento. Órgãos parceiros, como a Polícia Militar (PM), também contribuem com esse acompanhamento e têm competência delegada pela autoridade de trânsito para aplicar multas.
Gravidade das infrações pode render até sete pontos na CNH
As violações diagnosticadas pelo Detran-PB, até julho deste ano, são classificadas conforme três situações previstas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Das 1.482 autuações, 704 foram motivadas pelo uso de fone de ouvido conectado ao celular e pela utilização do telefone entre o ouvido e os ombros ou por dentro do capacete. Já o ato de manusear o aparelho foi registrado em 548 ocasiões, enquanto outros 230 condutores foram flagrados segurando o objeto sem manuseá-lo. A primeira infração é de gravidade média e rende multa de R$ 130,16, além de quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). As duas últimas, por outro lado, são infrações gravíssimas e geram uma multa de R$ 293,47 e sete pontos na CNH.
Um instrumento que ajuda a reduzir o manuseio dos celulares no trânsito é um suporte multifuncional acoplado ao veículo. Ele tem sido bastante utilizado por pessoas como a promotora de eventos Alêssa Bruna, que depende da motocicleta para se deslocar em João Pessoa. “Como eu trabalho com eventos, estou sempre indo para algum lugar que não sei exatamente onde é. Então, preciso utilizar o GPS e tenho esse suporte na moto para o celular. Agora, quando é necessário checar a rota do GPS ou fazer alguma alteração, eu mexo enquanto estou parada no semáforo ou encosto o veículo para dar uma olhada. Mas, pilotando, eu prefiro não mexer no celular, porque, se de carro já é ruim, de moto é pior ainda”, afirma.
Segundo Wilham, o uso do suporte não é proibido pela legislação, mas o condutor precisa ter cuidado para não reduzir o seu campo de visão e focar apenas na tela do aparelho. Quanto ao uso dos celulares enquanto o sinal de trânsito está fechado, o agente faz um alerta. “O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito chama essa situação de imobilização temporária em virtude das circunstâncias. Ou seja, a pessoa está imobilizada apenas durante o tempo em que o semáforo está vermelho. Portanto, não se considera que a moto está parada, já que a parada serve para embarque e desembarque de pessoas — e em um local adequado. Por isso, quando eu estou com o veículo imobilizado no semáforo vermelho, não posso manusear o telefone, porque tenho que ter total atenção no trânsito, naquele momento”, aconselha o agente.
Como reduzir
A fiscalização no trânsito é uma estratégia crucial no combate aos comportamentos imprudentes. Para André Agra, é necessário que as ações sejam ainda mais abrangentes, com a mobilização dos municípios do interior do estado, onde o cenário exige mais cuidados. “Das 223 cidades da Paraíba, só 33 têm o trânsito municipalizado. Os municípios não podem se furtar da obrigação de cobrar o respeito ao trânsito, muito menos com a desculpa de que o político vai perder voto se começar a multar os infratores”, defende o especialista.
Além da aplicação de multas, a redução do uso de celulares por motociclistas também demanda uma mudança de mentalidade — especialmente quando se trata de profissões que dependem do aparelho para suas atividades, como entregadores e motociclistas por aplicativo. “O sistema de entrega é massacrante para o condutor. Com as metas impostas, você tem uma pessoa em pleno exercício de suicídio. O modelo de pontuação e de faturamento deixa o trabalhador fora de si, pois ele pensa que, se parar, vai perder tempo e não vai faturar. É uma responsabilidade de restaurantes e fornecedores repensarem esse modelo”, declara.
Vale destacar, por fim, as iniciativas em educação que buscam modificar o comportamento dos motociclistas. Um exemplo, conforme aponta Wilham, é o projeto Detran Quatro Estações — Trânsito Seguro de Verão a Verão, conduzido pela Gerência Executiva de Educação para o Trânsito. “Nós interiorizamos as atividades nas escolas, nas empresas, nas universidades, em grupos sociais, comunidades e associações locais. Tanto com o foco em evitar a embriaguez quanto nas demais normas de segurança, o que inclui a prática de conduzir o veículo utilizando o celular”, explica o agente do Detran-PB.
Saiba Mais
Confira as autuações pelo uso de celular no trânsito nos últimos anos (em 2024, os números são apenas dos sete primeiros meses)
• 2024 (de janeiro a julho) – 1.482 multas
• 2023 – 2.026 multas
• 2022 – 1.602 multas
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 01 de setembro de 2024.