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Transgênicos não são consenso

publicado: 13/10/2025 08h31, última modificação: 13/10/2025 08h35
Senado analisa projeto que propõe retirar o símbolo informativo dos produtos geneticamente modificados
2025.09.24 Alimentos trangênicos - alimentos infantis © Julio Cezar Peres (10).JPG

Imagem que informa à população sobre os produtos de origem transgênica foi exigida a partir de uma portaria de 2003 | Fotos: Julio Cezar Peres

por Maria Beatriz Oliveira*

O Brasil é o segundo maior produtor de alimentos transgênicos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. As principais culturas geneticamente modificadas no país são a soja, o milho e o algodão. Desde o início dos anos 2000, os transgênicos tornaram-se cada vez mais comuns nas prateleiras dos supermercados, especialmente de forma indireta, em produtos processados ou derivados. Ainda assim, esses alimentos continuam gerando desconfiança entre muitos consumidores, que têm demonstrado uma preferência crescente por versões orgânicas.

Os alimentos transgênicos, no Brasil, são identificados por um símbolo amarelo em forma de triângulo, com a letra “T” no centro, estampado nas embalagens. A exigência foi estabelecida e regulamentada pelo Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003 e especificada pela portaria nº 2.658, de 22 de dezembro de 2003, do Ministério da Justiça. Essas legislações determinaram a obrigatoriedade do selo em produtos que contenham, em sua composição, pelo menos 1% de organismos geneticamente modificados (OGMs).

Atualmente, o Senado Federal, no entanto, analisa o Projeto de Lei Complementar nº 34 de 2025, que propõe a retirada do triângulo amarelo das embalagens. De acordo com os defensores da medida, o símbolo pode gerar interpretações equivocadas entre os consumidores, reforçando um estigma negativo sobre os transgênicos. O argumento, daqueles que defendem a proposta, é que retirar o símbolo tornará a rotulagem menos alarmista, no entanto, o aspecto da desinformação ou omissão a respeito do que está sendo consumido pela população não é levado em conta.

Para o engenheiro de alimentos e pesquisador José Lázaro da Silva, o receio dos consumidores em relação aos organismos geneticamente modificados (OGM) está diretamente ligado à falta de uma divulgação científica acessível. “O grande problema dos transgênicos, a meu ver, é o que chamamos de torre de marfim. O cientista desenvolve algo inovador dentro do laboratório, mas esse conhecimento não chega de forma clara à sociedade. Por isso, os transgênicos acabam assustando, assim como acontece com a inteligência artificial, ou até mesmo com as vacinas. Tudo que é novo tende a gerar desconfiança. Há muita desinformação e até terrorismo em torno dos transgênicos, como a ideia de que provocariam câncer ou destruiriam a natureza, mas não é bem assim. Como toda tecnologia, existem aspectos positivos e negativos”, esclareceu.

O pesquisador defende que, caso o processo de produção dos organismos geneticamente modificados fosse mais bem explicado à população, muitos entenderiam que a transgenia já ocorre na própria natureza — e que os cientistas apenas reproduziram esse mecanismo em laboratório. “Existe um micro-organismo chamado Agrobacterium, capaz de inserir seu gene em plantas, fazendo com que cresçam mais rápido e favoreçam sua própria alimentação. Ou seja, trata-se de uma modificação genética natural. A batata-doce, o milho e até a banana, por exemplo, não, são hoje, como eram originalmente; todos passaram por transformações genéticas naturais ao longo do tempo. Esse é, em essência, o conceito de transgênico. Quando inserimos o gene de um girassol em uma muda de cana-de-açúcar, estamos criando um organismo transgênico”, explicou.

Para facilitar a compreensão, o engenheiro de alimentos constrói uma analogia a partir do exemplo de uma biblioteca. Ele explica que o DNA seria a estante, e os genes, os livros. “Se a cana-de-açúcar não possui um gene que a torna resistente ao sol, o cientista pode retirar um ‘livro’ e substituí-lo por outro já existente em outra espécie, como o girassol, que carrega essa característica de resistência”, detalha o pesquisador.

Especialista defende avanços genéticos, mas alerta para riscos

Embora enxergue nos transgênicos uma alternativa essencial para o futuro da alimentação mundial — diante das mudanças climáticas, do estresse hídrico e da intensificação dos desastres ambientais —, José Lázaro ressalta que ainda há espaço para avanços na produção de organismos geneticamente modificados.

“Não posso negar que existem pontos negativos. Do lado humano, por exemplo, a agricultura familiar, muitas vezes, não tem acesso às sementes modificadas e acaba ficando para trás nesse modelo de produção voltado ao mercado. Outro problema é que, embora as plantas transgênicas sejam resistentes a pragas, os organismos também evoluem, criando as chamadas superpragas, o que leva ao aumento do uso de agrotóxicos, com impactos negativos para o solo e para a saúde. Felizmente, a ciência está em constante evolução. Um exemplo é o CRISPR, tecnologia premiada com o Nobel de Química em 2020, desenvolvida por duas pesquisadoras. Diferente da transgenia tradicional, que insere genes de outros organismos, o CRISPR permite editar e potencializar características já existentes na própria planta. Isso mostra que estamos sempre avançando nessa área”, destacou.

Para a nutricionista Araci Sabino, o consumo de produtos transgênicos também pode trazer impactos à saúde, especialmente no desenvolvimento de intolerâncias alimentares. “Para crianças, que estão em fase de formação alimentar, e para idosos, uma dieta baseada em orgânicos é muito mais saudável. Eu não sei até que ponto doenças como alergias alimentares, por exemplo, podem estar ligadas ao consumo excessivo de OGMs. Muitas vezes, nem temos conhecimento de que determinado alimento é transgênico. A soja é um bom exemplo: hoje ela está presente em quase tudo e a produzida no Brasil é praticamente 100% transgênica. Assim, mesmo que você não compre a soja diretamente, acaba consumindo-a em outros produtos”, explicou.

Além disso, o especialista ressalta que os produtos orgânicos ainda enfrentam duas barreiras importantes: o preço elevado e a dificuldade de acesso nos supermercados. Um exemplo é o cuscuz, item básico na mesa do brasileiro, que em alguns estabelecimentos de Campina Grande chegou a custar até 215% mais caro quando trazia na embalagem o selo de “livre de transgênicos”.

Famílias buscam alternativas naturais para reduzir o consumo

Ellen e Cícero Rodrigues intensificaram a alimentação orgânica após a chegada de Pietro

O casal Cícero e Ellen Rodrigues sempre buscou manter uma alimentação saudável, mas a chegada do filho Pietro, de sete anos, alérgico à proteína do leite, intensificou ainda mais essa preocupação. Desde então, a família tem priorizado alimentos orgânicos e livres de organismos geneticamente modificados.

“Nós percebemos que os transgênicos chegaram a um nível exagerado. O trigo, por exemplo, um alimento milenar, já passou por mais de 40 modificações e hoje é considerado, por muitos médicos, inflamatório. Até a planta mudou: antes, uma plantação de trigo chegava a dois metros de altura; hoje, são muito menores. Chega ao ponto em que você nem sabe mais o que está consumindo”, comentou Ellen.

No início, ao substituírem alguns produtos, o casal percebeu um aumento no valor da feira. A solução foi apostar em alimentos mais naturais, em vez de optar pelas versões orgânicas dos itens que já consumiam. “Se você for comprar um macarrão não-transgênico, realmente será mais caro, mas se substituir a massa por macaxeira, inhame ou batata-doce, por exemplo, o custo fica igual ou até menor”, explica Cícero.

Para reduzir os custos e garantir a procedência dos produtos, o casal compra diretamente de produtores rurais, que entregam a feira em casa. Além disso, alguns itens orgânicos, como azeite, aveia e leite de coco, são adquiridos on-line em grande quantidade, o que permite economia significativa. “Se comprássemos em supermercados locais, seria 10 vezes mais caro; em lojas de produtos naturais, os preços são ainda maiores, e por serem vendidos a granel nem sempre dá para ter certeza da qualidade”, acrescentam.

Para Pietro, os pais priorizam alimentos preparados em casa, algo que ele já está acostumado e até prefere em relação aos industrializados. “Biscoito, bolo, pão, panqueca são as coisas que mais gosto”, contou o menino, sobre as receitas favoritas da mãe.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de Outubro de 2025.