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Ato grandioso

Transplantes transformam vidas

publicado: 01/09/2025 08h51, última modificação: 01/09/2025 10h11
Estado registra 95 procedimentos no primeiro semestre de 2025 e reforça importância da doação de órgãos
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Segundo dados da Central de Transplantes da Paraíba, no primeiro semestre deste ano, foram realizados 95 transplantes no estado | Foto: Divulgação/Secom-PB

por Emerson da Cunha*

A antiga e a nova vida de José Alves da Silva são separadas por 20 dias. Natural de Cubati, interior do estado, o ambulante já não conseguia fazer muita coisa. Até o simples andar lhe gerava cansaço. Segundo ele, passou cerca de cinco anos a dormir — “dormir não, cochilar” — encostado na parede, ou sentado, pela dificuldade de respirar. Além disso, havia também os enjoos, os vômitos, a falta de apetite e a azia. As dificuldades causadas pela cardiopatia afetavam também sua família e o levaram a pensar em ações desesperadas, como tirar a própria vida.

José iniciou seu tratamento em 2022, no Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires, na Região Metropolitana de João Pessoa, com acompanhamento médico e uso de medicamentos. No dia 11 de maio, quando a medicação já não surtia mais efeito, ele entrou na lista de espera por um novo coração. Cerca de 20 dias após o ingresso na lista, no dia 2 de junho, surgiu a boa notícia: a Central de Transplantes da Paraíba havia encontrado um doador compatível. Começava uma corrida contra o tempo. Levou cerca de três horas e 220 km, em um carro da prefeitura, para chegar ao Metropolitano, onde foi realizado o transplante. No dia 3 de junho, começava sua nova vida.

“Durante a noite, quando fui dormir, parecia que a minha vida tinha mudado completamente, em 100%. O que dormi nesses 80 dias [após o transplante], eu não dormi durante cinco anos. Uma coisa incrível. Quem ficou mais feliz foi meu filho, de sete anos, porque o sonho dele é jogar bola comigo. Fiquei mais otimista, com vontade de viver e mostrar, para o povo, que devem viver também. Cada dia que passa, vou ficando melhor”, relata José, que deixa um recado para as famílias doadoras: “Eu peço que as pessoas pensem direitinho e falem para fazer a doação, porque salva muitas vidas. Além de estar ajudando, está deixando o doador vivo em outra pessoa”.

O ambulante continua indo, a cada semana, ao hospital para fazer seu acompanhamento, realizar biópsias e saber se há algum tipo de rejeição do novo órgão, além de aferir a própria saúde mental, diante de tantas mudanças. Na sua jornada, o cubatiense conseguiu encontrar a família do doador; o plano agora é realizar um grande encontro: “Agora a gente é família, né?”.

Além de José, mais dois outros transplantes de coração foram realizados no primeiro semestre de 2025, no Hospital Metropolitano, o único equipamento público habilitado para esse tipo de operação no estado. 

Hospital Metropolitano é o único, da rede pública, habilitado a realizar transplante de coração | Foto: Evandro Pereira

Segundo dados da Central de Transplantes da Paraíba, no primeiro semestre deste ano, foram realizados 95 transplantes no estado. Desse total, estão incluídos os de coração, além de 75 de córneas, nove de fígado, quatro de medula óssea, três de rim e um de esclera, parte branca do olho.

Atualmente, estão na lista de espera pelos órgãos e tecidos, no estado, 805 pessoas, sendo 552 para córneas, uma para coração, 27 para fígado e 225 para rins. O número é menor que o do primeiro semestre de 2024, quando aguardavam na lista 821 pessoas. Nesses casos, a prioridade em transplantes não é determinada pela ordem de chegada, mas pela compatibilidade sanguínea e genética entre doador e receptor, além de fatores clínicos e de urgência, gravidade da condição do paciente e tempo de espera.

Apesar da redução de quase 30%, número de negativas ainda é alto

Embora tenha acontecido uma redução, uma das dificuldades, ainda, é o alto teor de negativas das famílias de possíveis doadores. Na Paraíba, esse número, que já foi de cerca de 80%, conseguiu baixar para em torno de 50%.

Um doador pode contribuir para a vida de até seis pessoas, já que podem ser doados coração, fígado, os dois rins e as duas córneas. Por isso, é importante fazer com que a doação deixe de ser um tema tabu e que as próprias pessoas, ainda em vida, possam comunicar, aos familiares, seu desejo.

A coordenadora da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante do Hospital Metropolitano, Patrícia Monteiro, destacou o avanço obtido na Paraíba. Segundo ela, o estado cresceu muito no número de transplantes e conseguiu melhorar seus indicadores, especialmente pela maior divulgação sobre a importância da doação. “Os familiares entendem que o nosso protocolo é fechado por três especialistas, justamente para confirmar a morte encefálica do paciente”, explica. Ela acrescenta que todo o suporte social e psicológico é oferecido à família, para que se sinta segura em autorizar a doação. “O ente querido pode continuar vivo em outra pessoa: o coração dele pode continuar batendo e ajudar alguém a ter uma qualidade de vida muito melhor”.

Em alusão à importância da sensibilização das famílias, a Central de Transplantes da Paraíba trará, no Setembro Verde, mês alusivo à doação de órgãos, o tema “Viva a Família Doadora!”. Na programação, estão previstas formação para os agentes de saúde envolvidos, ações de conscientização, exposição fotográfica e eventos sociais e culturais, com o foco no aumento da conscientização sobre a doação e na valorização de quem doa.

“É pela decisão das famílias doadoras que vidas são salvas, que vidas são transformadas. Podemos falar das doações e transplantes no nosso estado. As famílias foram mais do que solidárias ao se compadecer com outras pessoas que nunca viram na vida”, argumenta a coordenadora da Central de Transplantes da Paraíba, Rafaela Carvalho. 

Um trabalho cuidadoso e dinâmico precisa ser realizado até a cirurgia

O processo de doação de órgãos tem início com a confirmação da morte encefálica, ou cerebral, do paciente, ou seja, quando seus órgãos estão funcionando apenas com ajuda de aparelhos. Quando isso acontece, a Central de Transplantes fica em alerta para possíveis doadores, pacientes graves em unidades de terapia intensiva. Caso o óbito ocorra, a família é então comunicada.

“Quando a família recebe a notícia, é um dos momentos mais desafiadores de todo esse processo de doação. É dada a chance de optar pela doação de órgãos e tecidos. A família é acolhida não só pela equipe do hospital, mas também pela equipe da Central de Transplantes, e tem a oportunidade de esclarecer todas as dúvidas”, explica Carvalho. “Nesse momento, os familiares podem ou não autorizar a doação de órgãos. Em caso de autorização, a gente costuma dizer que a entrevista foi positiva para doação de órgãos”.

Após a afirmativa da família, há exames de compatibilidade a serem realizados e a conferência com os detalhes dos pacientes na lista de espera. Caso não haja receptores compatíveis, o órgão pode seguir para outros estados, com exceção do coração, que, pelo tempo de “vida” — que dura de quatro a seis horas fora do corpo —, permanece no estado.

Encontrando o receptor compatível, é organizada a logística, que pode contar com transporte aéreo e com a colaboração de forças da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Corpo de Bombeiros Militar. O tempo de transporte dos órgãos, além do coração, é de até seis horas para fígado, 12 horas para rins, e 14 dias para o caso de córneas, que permanecem no Banco de Olhos da Paraíba.

O ponto mais sensível do trabalho realizado pela Central de Transplantes, relata Carvalho, é conciliar a organização necessária, uma logística que envolve transporte, horário de captação, retirada e exames, com o acompanhamento das famílias doadoras.

A coordenadora ressalta que o processo de doação é doloroso e demorado. “Os familiares precisam lidar com a dor da perda e, ao mesmo tempo, aguardar. Muitas vezes, tem que lidar com a notícia da morte do ente querido pelo período de 12 a 18 horas até que todo o trâmite seja concluído. Um exame detalhado pode levar de quatro a seis para ficar pronto. Há situações em que o receptor está no Sertão da Paraíba, exigindo o envio de uma aeronave. Outras vezes, ele não está em jejum ou apresenta alguma infecção. São muitos fatores até que o transplante aconteça, inclusive o transporte dos órgãos”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de agosto de 2025.