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Memória viva

Uma galeria de arte ao ar livre

publicado: 14/08/2023 09h17, última modificação: 14/08/2023 11h15
Obras de arte e monumentos dispostos em vários pontos da cidade transformam a relação dos moradores com as artes
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“Saudação ao sol” faz referência à capital - Foto: Ortilo Antônio
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O monumento “A pedra do reino” imortalizou em arte a obra de Ariano - Foto: Ortilo Antônio
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Pedra na praça de mesmo nome - Foto: Ortilo Antônio
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Monumento em homenagem a João Pessoa antecede à lei e traz beleza à cidade - Foto: Ortilo Antônio
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por Fernanda Dantas*

Basta dar uma volta pelos principais pontos da capital paraibana que é possível se deparar com diversos monumentos artísticos construindo a identidade visual da cidade. Assim como o município que nasceu às margens de um rio e se expandiu até o mar, se pode apreciar, desde o Centro até o Litoral, ícones da arte paraibana sem precisar pisar em alguma exposição de arte.

De acordo com a professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pós-doutora em História, Sabrina Melo, o direito à arte pode ser discutido a partir da presença dessas obras no espaço público. Para ela, as obras que são acessíveis a todos que transitam pelos locais, sem distinção social e de classes e transformam o espaço urbano em uma galeria aberta à expressão artística e criativa dos artistas. Segundo a especialista, “muitas obras de arte em locais públicos tornam-se patrimônio cultural da cidade, contam parte da história e constroem a memória coletiva da cidade”, sendo “mais do que simples representações estáticas do passado. São lugares vivos de memória”, complementou.

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Pedra na praça de mesmo nome - Foto: Ortilo Antônio

Sabrina Melo também criticou a ausência de artistas mulheres na arte pública de João Pessoa e chamou atenção para a necessidade de preservação, divulgação e gestão das obras pelo poder público. Sabrina ressaltou a importância de que elas estejam realmente acessíveis à comunidade. “É importante disponibilizar informações sobre autoria, técnica e datação das obras porque pode despertar o interesse das pessoas e incentivá-las a buscar mais informações sobre as obras de arte”, finalizou.

Apesar desta grande galeria urbana ser vista diariamente por milhares de pessoas, o número de pessoenses que conhecem o significado por trás das esculturas dispostas não é tão expressivo. Por muitas vezes, a desinformação acaba criando um misticismo em cima de cada história.

Esse é o caso do “Porteiro do Inferno”, escultura feita pelo renomado artista Fernando Jackson Ribeiro em 1967 e cercada de polêmicas desde então. Apesar das especulações devido ao apelido amedrontador, seu “nome de batismo”, dado por Ribeiro era apenas “Porteiro” e não tinha nenhum significado demoníaco por trás de sua criação. Na verdade, a estátua de ferro era um presente para o Governo da Paraíba, que forneceu condições para ele voar até a Espanha, a fim de receber um prêmio especial. O complemento do nome foi dado pelo poeta Virginius da Gama e Melo, que saudava a escultura como “Cérbero”, alusão ao cão de três cabeças, guardião de Hades, Deus do submundo segundo a mitologia grega. A partir disso, rumores e protestos contra a existência do pobre porteiro vieram de lideranças religiosas, fazendo o guardião ser realocado e “passear” por vários pontos da cidade, até chegar ao giradouro da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em frente ao Centro de Comunicação Turismo e Artes (CCTA), onde repousa há 18 anos.

Andando pela orla, é possível defrontar-se com seis esculturas vermelhas que marcam o final da Avenida Senador Ruy Carneiro. Ali está a “Saudação ao Sol”, arte do paraibano Erickson Britto, que faz referência à cidade onde o sol nasce primeiro. A obra é fruto do 1o Concurso Jackson Ribeiro de Arte Pública, realizado em 2009 pela Prefeitura Municipal e Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope). Outro famoso monumento, fruto do mesmo concurso, é “Cavaleiro Alado”, de Wilson Figueiredo, em frente ao Centro de Tecnologia da UFPB.

No ponto mais movimentado do Centro, o Parque Solon de Lucena (Lagoa) é embelezado pelo monumento “A Pedra do Reino”, do artista plástico Miguel dos Santos, que homenageia a vida e obra do escritor paraibano Ariano Suassuna. A escultura retrata o romance escrito por Suassuna de mesmo nome sobre o imaginário sertanejo.

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Monumento em homenagem a João Pessoa antecede à lei e traz beleza à cidade - Foto: Ortilo Antônio

E por falar em homenagem, é na Praça João Pessoa, localizada no Centro Histórico, que um conjunto escultórico, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) como patrimônio histórico, faz tributo ao político de mesmo nome. Além da estátua do ex-presidente da província, existem outras três esculturas no estilo romano, com os nomes de “ação”, “civismo” e “nego”. O objetivo desse conjunto é consagrar, através da arte, a imagem de João Pessoa como um bom gestor e herói paraibano.

O senhor Valdeci de Freitas, morador da capital desde os anos 1970 e dono de uma barraca de lanches em frente à praça, contou que as acha um monumento muito bonito, mas o caracterizou como abandonado pelo poder público: “Deveriam olhar melhor para essas estátuas, porque assim está muito mal cuidado”, pontuou.

Provavelmente, o monumento mais inusitado dessa enorme galeria está no bairro do Varadouro, berço da capital paraibana, já que se trata literalmente de uma imensa pedra no meio de uma praça. Rodeada de uma vizinhança unida, a charmosa Praça do Trabalhador ficou conhecida como Praça da Pedra. As tentativas de explicação para o surgimento do monolítico divergem em detalhes, mas a história replicada tanto pelos locais quanto por historiadores possui a mesma essência. Conforme contou o morador dos arredores, Ronaldo dos Santos, “a história que eu sei, que os moradores mais antigos contam, é que essa praça foi fundada em homenagem ao Dia do Trabalhador, datada do ano de 1930”. Com relação ao corpo rochoso, ele foi implantado quando a praça já existia, como uma homenagem dos trabalhadores a João Pessoa, depois de sua morte.

Lei estimula artes plásticas em espaços públicos

João Pessoa possui, ainda, uma lei municipal que estimula a exposição de diferentes formas de arte. Se trata da Lei no 11.649 de 12/01/2009. Nela, está determinado que toda edificação com área superior a mil metros quadrados no município deve conter uma obra de arte original em lugar de destaque e de fácil visibilidade pública. Essa determinação vale tanto para edifícios públicos quanto privados.

Em geral, o tipo de obra fica a critério do proprietário da construção, e inclui quadros, painéis, murais, objetos de artes, cerâmicas, esculturas, relevos escultóricos, ou qualquer outro tipo de obra de arte, desde que cumpram os critérios estabelecidos.

Os atributos artísticos, além de promover uma harmonia nos edifícios, transformando os espaços urbanos em não somente “selvas de pedra”, também agregam um maior valor comercial ao imóvel. A oportunidade de ter nos prédios obras de artistas paraibanos renomados é um privilégio e tanto, como o painel chamado “Película”, de Chico Ferreira, na frente do edifício Bauten, no Cabo Branco. Outra obra muito conhecida quando pensamos em fachadas de prédios é o painel de Flávio Tavares, feito em azulejo muito antes da lei, em 1970, para a antiga Clínica São Camilo, no Centro de João Pessoa. O mural intitulado “A Medicina Nativa” sofreu ameaças de destruição em 2012 pela Defensoria Pública da União, responsável pela locação do espaço, mas que não aconteceu graças às orientações do Ministério Público e a manifestações da classe artística, que exigiu respeito à obra e ao artista, tão importantes para a cultura do estado.

Reconhecimento

A lei também proporciona que escultores e outros artistas plásticos de menor reconhecimento possam expor suas artes em locais de fácil visualização, contribuindo para a expansão da história da arte paraibana.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 13 de agosto de 2023.