A união conjugal cresceu entre casais do mesmo sexo. Na Paraíba, a quantidade de cônjuges homoafetivos aumentou 18,1 vezes (ou 1.710%) de 2010 a 2022, tendo passado de 888 para 16.046 pessoas, segundo dados da pesquisa “Nupcialidade e Família”, que integra o Censo Demográfico 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) neste mês. O IBGE define a união conjugal como a relação entre duas pessoas que escolhem construir uma vida juntas, seja formalmente, por meio de casamento, ou informalmente, reconhecendo união estável com o objetivo de constituir família.
Entre esses casais, estão Antônio Carlos e Anderson Silva, que oficializaram a união em 2020 e, atualmente, vivem o processo de adoção do segundo filho. Antônio conta que, para eles, o casamento significou a realização de um sonho e o reconhecimento de um direito legítimo: serem vistos como unidade familiar. O primeiro filho, Andrey, de oito anos, foi um presente enorme. “No curso de pretendentes à adoção, a equipe destacou que a união, a cumplicidade e o amor entre o casal são a parte mais importante do processo”, explica Antônio. “Isso se reflete no nosso relacionamento, na convivência e nos objetivos em comum”.

- Anderson (E) e Antônio (D), unidos formalmente desde 2020, são pais de Andrey, de oito anos | Foto: Arquivo pessoal
Apesar de toda a felicidade conquistada a dois — e com o suporte de anos de luta de uma comunidade —, Antônio ressalta que é preciso continuar vigilante, para impedir retrocessos. Desde 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) legalizou a união estável entre pessoas do mesmo sexo, permitindo que os cartórios de todo o país realizassem o casamento civil, uma parcela social e até mesmo judicial tenta se mobilizar para reverter essa conquista. Por isso, em um canal no YouTube e perfil no Instagram — o Entre Iguais —, o casal posta vídeos da rotina e compartilha pedaços de suas vidas com os espectadores. “A ideia é expor mesmo, mas de uma forma positiva, para encorajar aqueles que têm medo. Queremos mostrar que é possível viver o amor entre pessoas do mesmo sexo”, diz Antônio.
Aconchego
Em setembro deste ano, Kynara e Lavínia Gonçalves também disseram “sim” uma para a outra e casaram-se em uma cerimônia coletiva, promovida pela Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB). Elas se conheceram em um aplicativo de relacionamentos e, desde o primeiro encontro, em João Pessoa, não se desgrudaram mais. Segundo Kynara, os primeiros momentos vividos juntas foram despretensiosos. “Eu estava saindo de um momento de muitas violências, de lesbofobia, e prometi para mim mesma que não ia entrar em um relacionamento até me sentir pronta. Mas, com a Lavínia, foi tudo diferente. Tinha um aconchego, uma paz”, conta. Hoje, as duas têm uma cachorrinha, Íris, e contam que casar foi a realização de um desejo que nutriam desde sempre.
Para além do amor, o casamento também foi uma forma de garantir direitos. Elas queriam ter certeza, por exemplo, de que uma não seria impedida de ficar com a outra, caso algum dia precisassem dar entrada em um hospital e apenas pessoas da família fossem permitidas. Embora os familiares de Lavínia sempre tenham sido muito amorosos e tenham acolhido de imediato o relacionamento das duas, os ideais religiosos dos parentes de Kynara dificultaram a convivência com o casal. Ainda assim, no dia do casamento, ambas puderam contar com a família, tanto a de sangue quanto a que ganharam ao escolher ficarem juntas.
Para Kynara, o casamento é uma forma de afirmação. “Nós, casais LGBTQIA+, existimos. Construímos vidas sólidas, queremos viver, envelhecer e construir nossa família”, declara. Lavínia concorda e acrescenta: “Quanto mais cerimônias de casamento são realizadas entre pessoas do mesmo sexo, mais mostramos para o mundo que é possível, que somos uma família. E, para mim, [o nosso casamento] foi muito significativo e muito lindo, porque sempre foi um sonho meu”, lembra.
Kynara ressalta, ainda, que o preconceito enfrentado por elas foi além da homofobia e perpassa questões raciais e de gênero, tendo em vista que tanto ela quanto Lavínia, que não performa feminilidade conforme o padrão esperado para as mulheres, são pessoas pretas. No perfil do Instagram @amoremduas_, Kynara e Lavínia, assim como Antônio e Anderson, compartilham seu dia a dia e uma paixão em comum por motos e viagens, a fim de celebrar a união e cumplicidade entre elas.
Direitos
De acordo com o doutor em Sociologia Jomário Pereira, o casamento, enquanto instituição, representa o reconhecimento social de um casal e, de fato, um meio de assegurar os direitos conjugais. “Assim, o casamento homoafetivo é um dispositivo simbólico e jurídico contra o preconceito e a homofobia. É um casamento por amor, mas também por resistência ao preconceito, para viabilizar a existência de uma população que, por décadas, foi excluída”, aponta.
Carolina Batista, também doutora em Sociologia, concorda, mas ressalva que vivemos em uma sociedade que, majoritariamente, opõe-se às mudanças. “Ainda não estamos onde gostaríamos, que é em uma situação plena de direitos, respeito à diversidade e à forma de se vestir, falar e se apresentar. É preciso prestar mais atenção às dinâmicas sociais à nossa volta, ao que ela permite ou rejeita, para entender o que ainda está sendo negado a alguns grupos”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de novembro de 2025.