Às vezes no silêncio da noite eu sou assombrada por uma súbita e vergonhosa lembrança que me faz pensar: por que eu fiz aquilo? Na maioria das vezes, é uma memória da adolescência. Não me acho uma pessoa presa ao passado, mas tenho um fascínio pela mística juvenil, os sentimentos novos, as descobertas e autopercepções tardias e as decisões não-ortodoxas (para não dizer "erradas"). É exatamente por isso que adoro produções do gênero "coming-of-age" (algo como "amadurecimento") e até já escrevi por aqui sobre. Hoje, venho indicar uma minissérie que me encantou com sua narrativa sobre o amor e outras coisas.
'Normal People' (2020) é uma série original Hulu que aborda um imprevisível romance entre a jovem Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal). Ela, a sarcástica e deslocada garota inteligente da escola, vinda de uma família rica, e ele, o atleta bonitão e amado por todos, filho da faxineira da casa de Marianne. Enquanto seus ambientes no ensino médio são incompatíveis, eles despertam interesse mútuo e passam a namorar às escondidas nas horas fora do colégio. É, parece mais um super clichê adolescente de casais improváveis. Mas esse que narrei é o começo da história dos dois, que se desenvolve para dinâmicas sociais, a vida adulta e suas abdicações e decisões de impacto. E por mais que 'Normal People', desde seu título, não se proponha a trazer uma história excepcional, o roteiro, direção e fotografia são feitos com tanta sutileza e esmero que é quase automático o apego aos protagonistas e a torcida por seus finais felizes.
A série é baseada no livro 'Pessoas Normais' (2018, Faber & Faber) de Sally Rooney, e é considerada uma adaptação bastante fiel pelos fãs do romance. Ainda que deixe de fora detalhes ou personagens, a produção televisiva mantém a essência psicológica da trama, com diálogos repletos de entrelinhas e as complexidades de duas pessoas que não conseguem se comunicar bem.
Por mais que a autora e a trama sejam da Irlanda, a história se parece universal quando o clima interiorano é bem instaurado. São joguinhos de popularidade e imagem que, quando vistos através de lentes mais amplas, pouco importam. Isso é um ponto primordial para a série: o que realmente importa? É uma pergunta difícil de responder e que sempre será rodeada de "deverias, farias, poderias" inconclusivos e subjetivos. Vendo de fora, tudo parece mais fácil. Mas a série é cheia desses momentos que hoje a gente relembra e pensa: por que eu fiz aquilo?
O filme 'Aftersun', que assisti há poucos meses, foi meu primeiro contato com Paul Mescal em tela e fiquei vidrada em sua performance. Era muito sincera, profunda, sentimental e isso foi um grande propulsor para que eu puxasse 'Normal People' do catálogo de streaming só agora. E se lá eu já havia ficado encantada por seu trabalho, a minissérie aumentou exponencialmente o sentimento. Mescal tinha pouco mais de 20 anos no começo das gravações e é inegável o tanto que ele proporciona de dimensão e dinamismo aos seus personagens. O mesmo vale para Daisy Edgar-Jones, que completa a química dos dois em cena, trazendo, juntos, algumas das cenas de sexo mais íntimas, desbravadoras e apaixonadas que já vi. Apesar de não ter assistido outra produção com a atriz, não posso deixar de pensar que vai ser difícil desvincular Marianne de seus futuros papéis.
'Normal People' é uma série curta, mas densa, que mastiga bem a trama e é contada no ritmo ideal. Por ter uma carga dramática e relativa curta duração, senti necessidade de alguns respiros entre um episódio e outro (cada um com cerca de 40 minutos de duração). Mas confesso que, assim como outras séries de romance contadas como crônicas cotidianas (umas mais amplas, outras menos), terminei os capítulos com vontade de voltar atrás e reassumir, parte porque me vi muito apegada aos seus personagens, parte porque não queria que terminasse. Se você não é muito chegada (o) em dramas e romances, mas quer dar uma chance a um amor improvável, 'Normal People' está disponível no Prime Video, através da assinatura Lionsgate+.
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Erramos: no último dia 16/08, a coluna foi publicada com texto incompleto. Confira a versão completa acessando aqui.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 23 de agosto de 2023.