Hasteei a bandeira na praça, por você, minha linda. De tecido branco, como convém, para melhor acolher o pássaro - tão bonitinho! -, e as três letras que traduzem o inalcançável símbolo, ambos bordados em linha azul. O vento cuidou de embalar, fazendo-a parecer onda de mar, quebrando no céu.
Sossego é coisa que dura pouco. Então vieram as inevitáveis tempestades. As chuvas. O ribombar de trovões. O giz de fogo de um raio rabiscou algo no escuro do firmamento. O branco desbotou. O tecido, que antes parecia casimira de terno inglês, virou pano de chão. Molambo. Assim como o nosso amor.
Hoje a memória do que fomos tremula em retalhos encardidos, retorcidos pelo mesmo vento que a ondeava, insinuante. É como um demônio se abanando no calor do meio-dia. Cobertor de papelão de morador de rua. O avesso do que o coração não sente porque a mente não deixa que os olhos vejam.
Era para ser de paz esta bandeira, hoje estandarte de exército derrotado, desfraldada em um campo de batalha frequentado por bebês que dormem nos carrinhos, com cães assassinos farejando por perto, e jovens que bebem e fumam antes de se engalfinharem em mortal combate fratricida.
Não queria esta bandeira como um lencinho branco, esquecido no porta-luvas do carro, com seu nome bordado junto ao meu. Panos de liturgias religiosas. Nem lençóis de cama de motel. Apenas uma grande declaração de amor, como a dos hippies, com dois dedos que parecem gente de cabeça para baixo.
Curioso como ninguém observa coisas assim. Sinais do tempo. Fracasso de ideias. Eterno retorno. Coisas parecidas com determinismo histórico, por que também terminam assim os grandes casos de amor. Aliás, por que as grandes paixões acabam sempre em lágrimas, até a maior e mais antiga de todas?
Não há linha no mundo que costure e recomponha uma bandeira como a nossa. O nosso projeto faliu. Restou esse símbolo augusto do desmoronamento. Da efemeridade, melhor, da insinceridade das palavras, porque foram sob as palavras, muitas palavras, e não poucos aplausos, que ela foi hasteada.
Sonhador que sou, embora em um mundo morto de sonhos, farei não de uma nuvem, mas de todas as nuvens, bandeiras de paz. Assim mesmo, longe das praças, das nossas mãos e dos nossos descasos. E todos os dias verei bandeiras novas desfraldadas no céu, como estandartes do grande desfile da paz.
E, como fiz com a bandeira real, farei do nosso amor uma imagem clara de ausência. Com ela irei à praça, todas as manhãs. Entendo que irão estranhar o meu sorriso sereno, o jeito de caminhar como se estivesse protegido das ciladas do amor, para sempre imune ao vento cortante da demagogia reinante.