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Acidentes com motoboys crescem 18%

publicado: 24/02/2023 00h00, última modificação: 24/02/2023 11h33
Quase 2,9 mil profissionais são expostos aos riscos no trânsito e à precarização do trabalho diariamente em JP
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Rapidez na entrega e necessidade de aumentar a renda com a produtividade contribuem para riscos de acidentes no trânsito. Foto: Marcos Russo
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Sistema de contratação de serviços de motoboys para os estabelecimentos fixos e específicos é mais comum fora dos aplicativos. Foto: Marcos Russo
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Sistema de contratação de serviços de motoboys para os estabelecimentos fixos e específicos é mais comum fora dos aplicativos. Foto: Marcos Russo
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tags: MOTOBOYS , acidentes , paraíba

por Juliana Cavalcanti*

O risco de acidentes de trânsito, a precarização do trabalho e a consequente retirada de direitos trabalhistas, como 13º e auxílio em caso de acidentes ou doenças, estão entre as principais preocupações dos motoboys, profissionais que utilizam a motocicleta como meio de transporte para entrega remunerada de alimentos, bebidas, documentos e outros itens.

De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores com Motos, Motoboy, Motofrete e Mototáxi da Região Metropolitana de João Pessoa (Sindmotos - JP), aproximadamente 2,9 mil motoboys filiados à entidade atuam na capital e região. Com um aumento de 18% na média de acidentes de trânsito envolvendo os motoboys em 2022.

Acompanhando os números diariamente, o Sindmotos - JP registrou um aumento de 18% na média de acidentes de trânsito envolvendo motoboys durante o último ano, em toda a Paraíba. Segundo Ernani Bandeira, presidente do sindicato, uma das razões para a escalada de acidentes foi a migração de profissionais de outras categorias para realizar entregas, principalmente durante o período de pandemia da Covid-19.

“Garçons, seguranças e outros trabalhadores também foram fazer entregas. Muitas destas pessoas, inclusive, eram menores de 21 anos de idade, o que não é permitido. A maioria não tem noção, nem um curso para exercer atividade remunerada, já que nada disso os aplicativos respeitam”, declarou.

O desrespeito a legislação, com a inclusão de menores de 21 anos, é ocasionado pelos aplicativos de entrega, que se multiplicam nas plataformas digitais. Eles lideram, inclusive, as reclamaçoes entre os motoboys pois, segundo a categoria, eles desrespeitam as Leis federais, estaduais e municipais, além de precarizar o trabalho. “O discurso é que os aplicativos geram empregos, mas na verdade eles precarizam o trabalho da categoria. Desde 1998, eu trabalho como motoboy e em 2008 esses aplicativos chegaram para atrapalhar, explorando a categoria e também se aproveitando das empresas. Mas, os motoboys já existiam”, descreveu.
Dentro da lógica de funcionamento dos aplicativos, os motoboys precisam trabalhar cada vez mais para receberem uma quantia satisfatória, por taxa de entrega, para viver. Além de pagar uma taxa de 15% a 35% para trabalhar.

“Os motoboys foram enganados pelos aplicativos. Elas dizem que eles são autônomos, empresários... e não é verdade. Eles cumprem horário, são subordinados a alguma empresa, vestem uniformes e muitos ficam na frente de estabelecimentos, esperando o chamado. Mesmo assim, não são considerados funcionários, nem estão de acordo com a CLT”, lamentou Ernani Bandeira.

Empresas preferem serviços de autônomos

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Sistema de contratação de serviços de motoboys para os estabelecimentos fixos e específicos é mais comum fora dos aplicativos. Foto: Marcos Russo

ependendo da forma de trabalho (autônomo, por aplicativo, carteira assinada, etc) e das horas cumpridas, o motoboy pode ganhar em média entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil. Esses profissionais podem atuar por meio de empresas de serviço de entrega (empresas de motoboy), espaços que oferecem serviços de entregas para estabelecimentos como e-commerces, restaurantes e escritórios, além de cooperativas.

Um dos principais serviços realizados pelos motoboys nessas empresas são as entregas rápidas para Pessoas Físicas e Jurídicas, sendo as últimas as mais comuns. As entregas rápidas para pessoas jurídicas são utilizadas por estabelecimentos como restaurantes, laboratórios, bares e farmácias. Nesse caso a empresa de motoboy presta serviço para a empresa que demanda o serviço.

Se for um restaurante, por exemplo, o cliente faz o pedido (on-line ou por telefone), o estabelecimento recebe, prepara e encaminha para o motoboy, que realiza a entrega. Para esse tipo de entrega a empresa pode deixar o motoboy fixo na porta do estabelecimento ou pedir aquele que está mais próximo do local para fazer a entrega ao cliente.

Profissionais que se especializam em entregas podem atuar na realização de serviços e logísticas de contratação diversas

Nas entregas realizadas para pessoas físicas, por sua vez, as empresas de motoboy atendem pessoas que precisam realizar o transporte de algum objeto. Nesse último caso, o cliente chama quando precisa enviar algum objeto para outro indivíduo.

Existem ainda as chamadas entregas agendadas solicitadas por empresas que necessitam entregar algo para clientes ou colaboradores, como convites e similares. São estabelecimentos como produtoras de eventos que marcam a data e horário para o entregador receber a demanda e realizar a distribuição nos endereços selecionados.

As empresas de motoboy podem realizar ainda atividades de logística reversa, onde o profissional vai até a casa do cliente, faz a retirada do produto e entrega para o estabelecimento. Acontece quando o cliente precisa fazer devoluções por algum defeito ou quando Organizações Não-Governamentais (ONGs) e instituições de caridade pegam doações em locais pré-determinados.

Outra atividade oferecida pelas empresas de motoboy é o transporte de documentos, especialmente para cartórios e órgãos públicos,quando o profissional se encarrega, além da entrega, por coletar assinaturas de partes presentes e interessadas na documentação.

Nas empresas de motoboys, o profissional geralmente é contratado com carteira assinada e possui os direitos e deveres estabelecidos na CLT como horário de trabalho e férias. No entanto, caso não seja funcionário em nenhum local, ele pode trabalhar de forma autônoma, mais comum, ou por meio de cadastros em aplicativos ou aguardando a solicitação dos estabelecimentos que terceirizam serviço de motoboy.

Desvalorização e riscos afastam os profissionais

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Sistema de contratação de serviços de motoboys para os estabelecimentos fixos e específicos é mais comum fora dos aplicativos. Foto: Marcos Russo

Guilherme Kelvin tem 29 anos e há 13 trabalha como motoboy. Ele mora no bairro dos Bancários e diariamente percorre várias áreas de João Pessoa para realizar entregas de alimentos, medicamentos, documentos e outros itens. “A maioria das minhas entregas são para restaurantes e lanchonetes. Esse trabalho é a minha principal fonte de renda e é onde eu sustento minha família: minha esposa e meus dois filhos”, conta.

Seu trabalho dura, em média, 10 horas por dia e com a rotina semelhante a da maioria dos entregadores: se deslocar ao estabelecimento, fazer a coleta do produto e ir até a casa do cliente para efetivar a entrega.

Apesar da alta carga de trabalho, os riscos de acidentes é o que mais preocupa. Guilherme detalhou que esse é o fator que mais afasta os motoboys da profissão. “Sofri um acidente há mais de cinco anos. A maior dificuldade para o motoboy é o trânsito, principalmente no final de semana e o trânsito de João Pessoa é muito difícil. Muitos motoristas não nos respeitam e constantemente vemos muitos entregadores sofrendo acidentes”, relatou.

Por outro lado, o profissional reconhece que alguns motoboys também não sabem evitar problemas no trânsito porque andam em alta velocidade e com manobras perigosas. “Muitos são apressados demais, principalmente os que começaram há pouco tempo e precisam ser mais conscientes. Esses mais novos vivem as situações mais complicadas”, opinou.

A desvalorização também afeta a profissão. Guilherme acredita que apesar de necessária, a profissão precisa ser mais valorizada com respeito aos condutores e direitos. Segundo o trabalhador, a maior parte das empresas opta pela terceirização, para minimizar custos e não ter que assinar a carteira, por exemplo. Com isso, toda a responsabilidade pela jornada de trabalho e acidentes passa a ser do motoboy. “Em João Pessoa, ainda temos pouco apoio para garantir nossos direitos. Falta muita coisa para que o nosso trabalho seja melhor”, lamenta Guilherme.

A Resolução nº 943/2022 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), regulamenta o transporte remunerado de passageiros (mototáxi) e de cargas (motofrete) em motocicleta e motoneta. Assim, para trabalhar como motoboy, os interessados devem ter no mínimo 21 anos de idade, possuir habilitação na categoria “A”, por pelo menos dois anos, ser aprovado em curso especializado e utilizar colete de segurança dotado de dispositivos retrorrefletivos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 24 de fevereiro de 2023.