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Acolhidos, cuidados e reabilitados

publicado: 27/01/2025 10h15, última modificação: 27/01/2025 10h17
Além de serem espaços de visitação, Aquário Paraíba e Bica dedicam-se a recuperar e reintroduzir espécies resgatadas
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Desde novembro de 2024, a anta Margarida recebe atendimento para se recuperar de queimaduras
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Espécimes como a cobra píton Galega costumam chegar ao local após serem retiradas de situações de maus-tratos ou de tráfico, passando a ser tratadas por uma equipe de veterinários | Fotos: Evandro Pereira
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por Lílian Viana*

Quem vê a “pequena” Galega, tranquila, nos braços do veterinário Hugo Cantalice, não faz ideia do caminho que ela percorreu até ficar bem adaptada à nova vida em João Pessoa. Vítima de tráfico de animais, a cobra píton amarela ou albina foi resgatada pelo Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), em Alagoas, e doada pelo Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), na capital, para ser cuidada pelos profissionais do Aquário Paraíba, localizado na Praia do Seixas, também em João Pessoa. “Nós costumamos dizer que nossa missão é baseada em três Rs: resgate, reabilitação e reintrodução. Caso o animal não se adapte a voltar para o ambiente natural, ou seja, por alguma necessidade física ou mental, acabe tendo necessidade de viver em cativeiro, ele permanece aqui ou é enviado a outro local adequado a ele, caso não tenhamos um espaço que o atenda”, explica Hugo.

Somente no ano passado, foram quase dois mil animais acolhidos pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) da Paraíba, no município de Cabedelo, em mais de 500 operações de resgate e recolhimento de animais em risco. Desse total, alguns conseguiram retornar aos seus hábitats naturais. Outros, considerados inaptos à soltura na natureza, precisaram ser destinados a espaços legalizados e adequados para sua sobrevivência, a exemplo do Aquário Paraíba e da Bica.

Esse foi, justamente, o caso de Galega, da sua colega Gigi, uma jiboia de 3,5 m, e dos seus vizinhos de ambiente, os sorridentes gecos-leopardos. Mesmo depois de todo o esforço dos profissionais para reabilitá-los, os maus-tratos sofridos por esses animais impediram que tivessem condições de retornar à natureza. No entanto, não impediram que eles recebessem um tratamento humanizado e vivessem com qualidade, em um ambiente reproduzido especialmente para eles no Aquário.

Processo minucioso

O trabalho de acolhimento e de reabilitação no espaço envolve uma série de etapas e cuidados. O processo começa com o recebimento dos animais que foram resgatados em situações de maus-tratos ou de tráfico, sempre por intermédio de instituições como o Cetas ou, ainda, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Batalhão da Polícia Ambiental (BPamb-PB) ou a Superintendência de Administração do Meio Ambiente da Paraíba (Sudema-PB).

Ao chegarem ao Aquário, esses animais são encaminhados ao Centro de Reabilitação do espaço, onde passam por avaliações físicas e psicológicas. “O primeiro passo é entender o estado do animal, ver se ele tem ferimentos, doenças ou algum estresse. A partir daí, começamos os tratamentos necessários”, esclarece o veterinário.

Além disso, o Aquário conta com uma estrutura que visa garantir o bem-estar dos animais reabilitados. O lugar é cuidadosamente adaptado, com ambientes que simulam as condições naturais de cada espécie. Já a alimentação busca respeitar suas necessidades nutricionais específicas e ajudar na readaptação. “Não podemos simplesmente devolver o animal à natureza e esperar que ele sobreviva. Precisamos ensiná-lo a buscar alimento sozinho, a se proteger de predadores e a evitar o contato humano, por exemplo”, detalha Hugo.

Educação ambiental enriquece visitações 

A soltura dos animais na natureza é uma das atividades mais gratificantes para o diretor e idealizador do espaço, o engenheiro ambiental Emmanuel Carlos Lopes. Na última quinta-feira (23), Esperança, uma tartaruga-de-pente, foi, finalmente, devolvida ao mar, após anos de cuidados intensivos e de reabilitação. “É quando você percebe a grandiosidade da nossa missão de acolher, cuidar e preparar o animal para o retorno ao seu lar de origem. É quando eu vejo que todo o esforço diário, para manter o Aquário funcionando, vale muito a pena”, reflete Emmanuel.     

Esse momento e todas as solturas realizadas pelos profissionais do local podem ser acompanhados pelo Instagram do Aquário (@aquarioparaiba). O espaço, a propósito, não apenas resgata e cuida de animais, mas também se dedica à educação socioambiental: as visitas oferecidas a quem quer conferir os animais que não podem retornar ao seu hábitat não é do tipo que as pessoas só fazem fotos do lugar e seguem. “É uma visitação com propósito educativo mesmo. Em cada passeio, que dura entre 40 e 50 minutos, nossos monitores conduzem os visitantes, apresentando as espécies e alertando sobre as questões ambientais, como a responsabilidade socioambiental e a sustentabilidade”, explica o idealizador do local. Para Hugo Cantalice, essa é uma oportunidade única de conscientizar as pessoas. “Recebemos visitantes que, muitas vezes, não conhecem a realidade de muitas espécies, como as tartarugas marinhas ou os atobás. Ver esses animais de perto ajuda a criar uma sociedade mais engajada na preservação do meio ambiente, respeitando a fauna e a flora”, resume o veterinário.

Abrigando cerca de 130 animais de 90 espécies diferentes, o Aquário Paraíba passou, recentemente, por uma reforma significativa para ampliar suas instalações e também incluir répteis e aves silvestres: em julho do ano passado, foi inaugurado o Espaço das Aves, uma área destinada a aves marinhas e exóticas, répteis e outros animais resgatados; já em setembro, foi a aberto o Serpentário, área focada na reabilitação de cobras, lagartos, iguanas e um filhote de jacaré.

Localizado na Rua das Lagostas, no 140, na Praia do Seixas, o Aquário Paraíba abre de terça-feira a domingo, além dos feriados, das 9h às 17h. Os ingressos custam R$ 32 (adultos) e R$ 16 (crianças de quatro a 12 anos, estudantes e idosos). Crianças de até três anos, pessoas autistas e com síndrome de Down têm entrada gratuita.

Na Bica, tratamentos estimulam comportamentos naturais

Além do Aquário Paraíba, a Bica também realiza um trabalho importante de acolhimento e de reabilitação de animais resgatados, na capital paraibana. Segundo o coordenador do zoológico, Thiago Nery, o espaço acolhe entre 50 e 80 animais por ano, entre aves, répteis e mamíferos. O trabalho realizado no local envolve cuidados especializados, como exames, medicações e até tratamentos, como acupuntura e laserterapia, a exemplo do caso de Margarida, uma anta resgatada em Rondônia. Vítima das queimadas em seu hábitat natural, ela tem recebido, desde novembro de 2024, atendimento contínuo para se recuperar de graves queimaduras.

Menos sofrimento

Para garantir um processo de reabilitação eficaz e minimizar o estresse dos animais, a Bica adota métodos de condicionamento positivo. Esse treinamento permite que os animais realizem procedimentos, como exames e aplicações de medicamentos, com o mínimo de sofrimento. Como explica Marília Maia, bióloga responsável pelo condicionamento e pelo bem-estar animal, “essa abordagem minimiza o estresse, permite um cuidado mais eficaz e, ao mesmo tempo, mantém o bem-estar do animal”. O processo é simples: o animal é recompensado após cada interação, facilitando o manejo e promovendo uma convivência mais tranquila.

Aliado aos cuidados médicos, o enriquecimento ambiental também desempenha um papel crucial no processo de reabilitação dos animais, estimulando comportamentos naturais deles, como a procura por alimentos e o gasto de energia. “O objetivo é proporcionar uma experiência próxima à vida selvagem, em que os animais possam explorar e interagir com o ambiente de maneira saudável”, diz Thiago. Para isso, são oferecidos estímulos sensoriais, cognitivos e alimentares, que os ajudam a manter seus instintos de caça e forrageamento, como se estivessem em seu hábitat natural.

Um exemplo disso é Valentim, um tamanduá-bandeira resgatado de um zoológico em Minas Gerais, que pode ser visto na Vila dos Pequenos Mamíferos. Antes de recebê-lo, seu espaço foi cuidadosamente pensado para ele, criando obstáculos e proporcionando atividades que estimulam seu comportamento natural. “Ele adora se refrescar na piscina e explora muito os cupinzeiros espalhados pelo recinto”, resume o coordenador do local.

A Bica fica na Av. Gouvêia Nóbrega, Baixo Roger, e abre de terça-feira a domingo, das 8h às 17h, com entrada até as 16h e taxa ambiental de R$ 3. Crianças de até sete anos, pessoas com deficiência e idosos não pagam ingresso.

Saiba Mais

  • É proibido comprar, manter em cativeiro ou vender animais silvestres sem a devida autorização do órgão ambiental competente. A pena inclui multa — que vai de R$ 500 a R$5 mil por espécie apreendida — e prisão.
  • Caso encontre algum animal silvestre em área urbana ou cativeiros ilegais, deve-se entrar em contato com o Disque 190. É importante não tocar no animal, pois ele pode morder, bicar ou transmitir doenças.
    *Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de janeiro de 2025.