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dezembro vermelho

Aids: diagnóstico não significa o fim

publicado: 18/12/2023 10h05, última modificação: 18/12/2023 10h50
Diferentemente da década de 80, resultado positivo para HIV não representa uma sentença de morte
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Seguindo o tratamento corretamente, é possível ter qualidade de vida e manter uma rotina diária como qualquer outra pessoa - Foto: Freepik

por André Resende*

Desde que foi descoberta, em 1981, a Aids deixou de ser uma sentença de morte e passou a ser uma doença crônica, que embora ainda não seja curável, é passível de se conviver com qualidade de vida. Valdenes Brasil, artista popular, de 56 anos, recebeu o diagnóstico positivo para o vírus HIV e posteriormente para Aids quando tinha 30 anos, em meados de 1997. Na época, quando a medicina ainda estudava um tratamento adequado, recebeu a notícia como o fim do mundo. Hoje, 25 anos depois, leva uma vida quase normal, exceto pelo preconceito que ainda enfrenta diariamente.

Foto: Arquivo PessoalReceber o diagnóstico não pode ser visto como sentença de morte. Porém, o preconceito ainda existe, muitas vezes camuflado, e por isso precisamos dar suporte psicológico às outras pessoas na mesma situação  ---  Valdenes Brasil

“A medicina permite, às pessoas que vivem com HIV, qualidade de vida. Porém, o principal trabalho a ser feito é o aspecto psicológico, cuidar da nossa saúde mental. Receber o diagnóstico não pode ser visto como sentença de morte. Porém, o preconceito ainda existe, muitas vezes camuflado, e por isso precisamos dar suporte psicológico às outras pessoas na mesma situação. Meu mantra é: ‘viver com Aids é possível, mas lidar com o preconceito não’”, comentou Valdenes.

Além de artista, ele é coordenador na ONG Grupo de Apoio à Vida (GAV), em Campina Grande, primeira instituição formada na Paraíba para ajudar pessoas com HIV/Aids, em 1994. Valdenes conta que seu início na instituição foi como uma pessoa que recebia ajuda da ONG e, em pouco tempo, passou a ser voluntário. Para Val, como é conhecido pelo trabalho feito no GAV, poder ajudar outras pessoas que sofreram pelos mesmos obstáculos que ele é engrandecedor.

“Precisava me sentir útil, já fazia um trabalho voluntário no Rio de Janeiro numa outra instituição. Então, eu também queria fazer alguma coisa pela instituição que fez tanto por mim, aí entrei no quadro de voluntários. Fiquei auxiliando as pessoas lá, até que depois de alguns anos me convidaram para fazer parte nas eleições, e foi então que assumi a coordenação”, comenta.

Val reforça que o melhor método para lidar com o HIV/Aids ainda é o uso de preservativos. Ele relata que o tratamento permitiu que o vírus estivesse indetectável há mais de cinco anos, o que significa que ele não transmite o agente, porém, o artista e coordenador da ONG comenta que só faz sexo com proteção.

“Prefiro que seja com preservativo, mesmo sabendo que não corro risco de passar, mas me acostumei a fazer sexo com preservativo e não abro mão. Acho mais seguro, sabe? Apesar de ter relatos de amigos e amigas que têm relação sexual sem preservativo e o parceiro não pega. Mas, me acostumei, me adaptei a usar preservativo. Se você pode evitar, previna-se, não custa nada, o próprio SUS fornece preservativo masculino, feminino e gel lubrificante”, avaliou.

Mais Sobre o GAV

O GAV conta com um total de nove voluntários, proporcionando suporte psicossocial e jurídico, e já atendeu mais de mil pessoas desde a sua criação, em 1994. Além do acolhimento, a ONG promove palestras e peças de teatro como reforço na prevenção por meio da conscientização do sexo seguro.

Ainda de acordo com Valdenes Brasil, a instituição também oferece aos seus assistidos cadastrados um suporte alimentar, com doação de produtos não perecíveis, que são arrecadados durante todo o ano.

Os itens são repassados para essas famílias, que são carentes e vivem à margem da pobreza. Atualmente, a instituição tem 250 famílias cadastradas e mantém as contas em dia com o auxílio de R$ 2.500 cedido pela Prefeitura de Campina Grande.

Preconceito ainda é obstáculo a ser vencido

O diagnóstico do artista Valdenes Brasil aconteceu numa época em que o Brasil e o mundo viviam uma espécie de boom da doença. No período, a Aids foi estigmatizada pelos casos registrados em homossexuais. Um preconceito nascido, na época, pela falta de empatia das pessoas e na espetacularização da mídia nos casos da doença em artistas.

“Diziam que a doença era uma praga gay. O primeiro rótulo que as pessoas que vivem com HIV recebiam era esse de ser portador da ‘peste gay’. Não era nada fácil receber esse rótulo, e não é até nos dias atuais. O mundo cai, desaba tudo, você pensa que vai morrer daqui a qualquer momento”, relembra.

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ONG GAV promove material informativo e palestras sobre HIV/Aids - Foto: Valdenes Brasil/Arquivo Pessoal

Além do diagnóstico, Val conta que enfrentou o despreparo das equipes médicas para lidar com os pacientes e com o preconceito das pessoas mais próximas. “Cheguei a ficar com menos de 30 quilos de peso. Em 1997 não tinha medicação adequada, o único retroviral na época era o AZT, ele já estava disponibilizado pelo Ministério da Saúde. As pessoas que descobriram a patologia antes partiram porque não tinha como fazer tratamento”, explica. Ele comentou que a disponibilização de um tratamento mais ajustado aos pacientes com Aids, com profissionais especializados para atender o público, foi uma luta do próprio movimento nos anos seguintes.

Para superar o preconceito, por ser uma pessoa que vive com a doença e por ser homossexual, Val comenta que precisou fortalecer o seu psicológico. Com a experiência de quem viveu o ápice da doença, passou pelos tratamentos existentes, e superou tudo, ele aconselha os mais jovens que estão recebendo diagnóstico que a dica é “manter o equilíbrio, manter a calma e compreender que é apenas um recomeço”, finaliza.

Projeto da UFPB reforça política preventiva

O projeto de extensão “Falando sobre Aids”, desenvolvido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vinculado aos programas de pós-graduação de antropologia e de sociologia, atua com a promoção de palestras, debates e análise de dados. A professora Luziana Silva, integrante do projeto, explica que a iniciativa é uma forma de aglutinar informações coletadas a partir dos eventos promovidos pelo grupo, bem como de discentes que aplicam questionários sobre o tema HIV/Aids.

A partir desses dados, o grupo trabalha na disseminação das informações como um reforço à política de prevenção. O “Falando sobre Aids” conta com uma abordagem multidisciplinar, a participação de 20 integrantes de áreas do conhecimento como Sociologia, Antropologia, Educação, Letras e Direito. Luziana Silva detalha que o projeto, além de promover palestras em municípios do interior da Paraíba, também atua com a promoção de oficinas para profissionais, professores e pessoas que vivem com HIV/Aids em vários campi da UFPB.

“A gente realiza oficinas em diferentes municípios, inclusive fizemos uma na cidade de Rio Tinto para quase 100 profissionais de saúde trazendo questões sobre estigmas, acesso ao tratamento, questões éticas e morais. Também atuamos entrevistando pessoas com HIV/Aids para entender melhor as dificuldades. É um projeto que traz uma proposta multidisciplinar, um diálogo que vai destacar as dimensões sociais subjetivas e culturais relacionadas ao HIV”, comentou a professora.

Parcerias

O trabalho é feito em parceria com ONGs, secretarias de saúde e dentro da própria universidade, com diferentes centros. “O Brasil teve um protagonismo na luta pela melhoria de vida das pessoas que vivem com HIV/Aids, principalmente pelo envolvimento dos movimentos sociais - uma luta iniciada na década de 1990 para conseguir adquirir esses direitos. Mas, a gente precisa continuar falando sobre a Aids, agora para trazer a dimensão de pensar a cura, de pensar também na qualidade de vida das pessoas e também do acesso a medidas preventivas”, concluiu Luziana Silva.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 17 de dezembro de 2023.