Imagine a cena: uma mulher está em um bar, acompanhada de um homem. O que, inicialmente, poderia ser um encontro, torna-se uma situação de assédio ou de violência. Histórias como essa, infelizmente, não são incomuns — e estabelecimentos comerciais da Paraíba têm desenvolvido iniciativas para combatê-las, seja de forma independente, seja em adesão a propostas do Poder Público. Em comum, nessas ações, está a fixação, no banheiro feminino, de códigos que as mulheres podem comunicar aos funcionários dos locais, dando início a protocolos que vão desde o acompanhamento das possíveis vítimas para um espaço seguro ao acionamento da polícia, se necessário.
Em João Pessoa, o bar Boteco Gaiato, localizado no Bairro dos Estados, é um dos estabelecimentos que implantou essa iniciativa. De acordo com o seu proprietário, Lucas Mariz, a inspiração veio de ações semelhantes, realizadas em bares de outros estados, e sua introdução surgiu depois de alguns relatos de casos concretos de assédio. “As mulheres ficavam preocupadas com ‘barracos’ e evitavam falar ou tomar alguma atitude, porque sabiam que ia ter confusão. Então, se encontrássemos uma maneira sutil, elas poderiam pedir ajuda da forma correta. Foi aí que a gente teve a inspiração de colocar algo no banheiro feminino, para dar mais segurança”, conta.
"As mulheres ficavam preocupadas com ‘barracos’ e evitavam falar, para não causar confusão"
- Lucas Mariz
No bar administrado por Lucas, as mulheres podem solicitar um drinque específico ao garçom. Dependendo da forma como essa bebida seria preparada, os funcionários podem levar a pessoa a uma saída segura, chamar um táxi ou um carro de aplicativo, ou chamar a polícia. O proprietário celebra que, desde a implantação da campanha, as clientes têm se sentido mais protegidas, além do fato de a última medida — o acionamento da polícia — não ter sido necessária. “O que já aconteceu, por exemplo, foi de uma mulher estar em um encontro, pedir uma bebida e a gente chamar um carro por aplicativo. Acompanhada por um gerente e um garçom, ela foi embora sem problemas”, exemplifica o proprietário.
A administradora Michelle Araújo, cliente regular do bar, elogiou a iniciativa. “Eu apoio muito essa campanha, e não somente em bares. Que ela seja também aplicada em outros tipos de estabelecimentos, que tenha um movimento grande de pessoas. Porque a mulher tem a necessidade de se sentir segura em todos os lugares, especialmente em um local como esse, em que a gente acaba ficando um pouco mais vulnerável e nem sempre tem amigos a quem recorrer”, observou.
Campanha municipal
Uma ação semelhante à observada em João Pessoa foi implantada, há dois anos, no município de Juazeirinho, abrangendo diversos estabelecimentos comerciais, entre bares e restaurantes. A campanha foi encabeçada pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social do município, como parte da programação do Agosto Lilás, mês dedicado ao combate à violência contra a mulher. Desde então, uma mensagem fixada nos banheiros femininos indica um drinque que pode acionar o protocolo de ajuda, ao ser pedido no bar — as opções são as mesmas que o bar pessoense oferece. O texto também reforça: “Não se cale! Não tenha medo! Você não está sozinha”.
"Eu apoio muito essa campanha, e não somente em bares. Que ela seja também aplicada em outros lugares"
- Michelle Araújo
A coordenadora do Creas, Aline Alves, explica ainda que, caso não desejem acionar a polícia imediatamente, as mulheres são instruídas a procurar as autoridades em um momento posterior. Isso pode ser feito pelos telefones 180, da Central de Atendimento à Mulher; 190, da Polícia Militar (PM); ou pelo número do próprio Creas, no contato (83) 9 9384-8616.
Para Aline, a experiência com a campanha é positiva, principalmente porque ela vem em paralelo a outras ações de suporte às mulheres, como o acompanhamento daquelas que tiveram medidas protetivas concedidas pela Justiça. “A gente avalia positivamente, tanto pela demanda nossa, com o aumento da procura, como pela diminuição dos casos de violência. Nossa missão é informar e dar condições para a mulher sair da situação de violência, por isso a gente tem levado informação. Acreditamos que mulher empoderada é mulher informada”, diz.
Dever de todos
De acordo com a Lei Maria da Penha, todas as mulheres têm direito à segurança, à dignidade e ao respeito — e cabe à família, ao Poder Público e à sociedade a garantia desses direitos. Nesse sentido, o combate à violência torna-se uma responsabilidade de todos, como ressalta a secretária de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Lídia Moura. “As iniciativas de apoio às mulheres podem acontecer em quaisquer outros ambientes que não sejam instituições públicas. Por isso, a organização da sociedade, seja por meio de uma iniciativa pessoal, seja pela iniciativa de um estabelecimento, é uma ajuda sempre bem-vinda, principalmente quando são formados canais e possibilidades de amparo às mulheres, para que elas possam denunciar”, aponta.
Ainda segundo Lídia, qualquer pessoa também pode comunicar situações de violência às autoridades. Se os crimes acontecerem no instante da denúncia, o telefone a ser acionado é o 190, da PM. Se o fato já tiver passado, o caminho é pela Polícia Civil, no número 197. “Por exemplo, se você escutou uma vizinha sendo espancada e, naquele instante, ficou confuso ou paralisado, mas, no dia seguinte, resolveu denunciar, pode ligar para o 197 e dar as informações de maneira sigilosa. Nesse caso, sua identidade vai ser resguardada e a Polícia Civil fará as investigações”, complementa a secretária.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa no dia 20 de agosto de 2024.