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Fogos com baixo ruído

Aumenta demanda pelo produto

publicado: 27/12/2024 09h44, última modificação: 27/12/2024 09h44
Lei que determina uso de artigos silenciosos só entra em vigor em 2025, mas lojistas já oferecem os produtos
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Fogos de artifício com menor barulho trazem menos danos para as pessoas com autismo e para os animais domésticos | Foto: Roberto Guedes

por Samantha Pimental*

Na Paraíba, assim como em outros estados brasileiros, existem legislações que proíbem a comercialização e o uso de fogos de artifício barulhentos. No Estado, a lei nº 13.235, de maio de 2024, vai entrar em vigor a partir do ano que vem. Outros municípios, como Campina Grande e João Pessoa, também já têm medidas jurídicas sobre o tema, trazendo restrições e indicando o uso dos chamados “fogos de artifício silenciosos”. O termo, mesmo popularizado, na verdade é um equívoco, já que não há fogos de artifício com ausência total de barulho, mas sim fogos de baixo ruído. Esse produto vem ganhando a adesão dos consumidores e as prateleiras das lojas, pois os vendedores já estão se adaptando às legislações e aos novos tempos.

A Prefeitura de João Pessoa, por meio da Secretaria de Meio Ambiente (Semam), reforçou, recentemente, a importância de utilizar fogos de artifício de baixo ruído durante as comemorações de fim de ano e outros eventos festivos. A medida tem como objetivo proteger pessoas e animais que são sensíveis ao barulho causado pelos tradicionais fogos com estampido. Nas barracas que oferecem esses itens, próximo ao Estádio Almeidão, em João Pessoa, os vendedores relatam que os produtos de baixo estampido vêm sendo muito procurados, sobretudo no último ano.

A vendedora Liliane Santos da Silva diz que a procura pelos fogos barulhentos está diminuindo. “As próprias pessoas já estão reduzindo o uso. Tem gente que comenta que quer os de baixo ruído por causa das pessoas autistas. E também tem a lei que vai proibir a utilização por conta disso e dos animais”, afirma. Liliane ainda declarou que o local já recebeu visita de órgão ligados à Prefeitura, para fiscalização. “Eles perguntaram como estava a procura, se a gente ainda estava comercializando os outros [barulhentos], aí a gente disse que estava, porque a lei só passa a valer no ano que vem e ainda tínhamos no estoque. Porém, não fizemos mais pedidos”, destaca, comentando ainda que os fogos de baixo ruído são mais caros, mas que mesmo assim vêm sendo muito vendidos.

Outro vendedor do local, Vamberto Bizerra, reforça que as pessoas já vão ao local à procura dos fogos de baixo ruído. “Algumas pessoas afirmam: ‘Eu quero aquele que não tem o barulho’, ou o de ‘baixo ruído’. Desde o ano passado que já estão procurando o produto, porque, se eu for fazer uma festa e um vizinho tem uma criança autista, por exemplo, eu tenho que buscar alternativas para evitar transtornos”, afirma Vamberto.

Segundo ele, os fabricantes também vêm se adaptando às novas determinações, que estipulam limite de decibéis para esses artefatos. “As fábricas vão se adaptar com certeza, e os produtos vão mudar. A fiscalização também já veio aqui, orientaram a gente sobre a lei, a gente já está ciente. Vamos vender agora só os de baixo ruído”, destaca.

Especialista destaca que é preciso consciência social

Mesmo que os fogos de artifício sejam tradicionais nesta época de Réveillon, e em outros momentos do ano, a exemplo do São João, o barulho causado por eles pode afetar as pessoas, sobretudo aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou outras neurodivergências — quando o funcionamento cerebral é diferente do padrão considerado normal ou típico —, além dos animais. A psicóloga Adriana de Melo destaca que é importante que haja uma consciência social sobre isso. “Essas pessoas, no geral, têm uma rotina diferenciada, têm padrões de funcionamento diferentes. O barulho, para elas, causa um impacto muito forte e uma desregulação emocional”, explica.

Segundo a psicóloga, as pessoas neurodivergentes costumam ter sensibilidade auditiva, e a exposição a ruídos, sobretudo inesperados, pode ser prejudicial. “Essa desregulação pode levar dias para se normalizar e pode causar impacto na vida desse público, desencadeando uma crise de ansiedade, irritabilidade, choro compulsivo e outras questões. Quem tem distúrbio do sono, além de idosos, crianças pequenas e pessoas acamadas, também é afetado”, afirma.

Adriana diz que as pessoas sensíveis ao ruído dos fogos podem pensar em estratégias como buscar espaços mais silenciosos, fazer um isolamento dos ambientes ou usar fones para cancelamento de barulho. No entanto, a melhor forma de lidar com isso ainda é a conscientização coletiva. “A gente precisa que a cultura da população mude, o olhar mude, inclusive para o cuidado. As próprias autoridades têm falado mais sobre isso, e a melhor forma de lidar com a questão é a educação, para entender a necessidade do outro e respeitar as diferenças, a necessidade de inclusão”, ressalta.

Animais

Já a médica veterinária Ludmila Costa comenta que, mesmo com o uso de fogos de baixo ruído, os animais, por terem a audição mais apurada que a dos seres humanos, continuam sendo afetados. “Eles escutam muito mais e têm reações mais abruptas do que a nossa, até porque eles não sabem o que está acontecendo. Mesmo os fogos não tendo aquele barulho mais característico, os animais sentem e se estressam”, explica.

Ludmila ainda comenta que, além dos animais domésticos, os animais marinhos também podem ser afetados, porque as queimas de fogos, nesse período, costumam acontecer tradicionalmente no mar, o que prejudica a fauna local. “Essa mudança de rotina para os animais causa muito estresse. Quanto aos animais domésticos, eles ficam com medo, terminam fugindo, se perdem, muitas vezes não são encontrados ou morrem atropelados e por aí vai”, afirma. Mesmo os animais que não têm risco de fuga, porque estão presos, podem acabar convulsionando ou ter uma morte súbita, devido ao estresse e o medo causado pelo barulho dos fogos. 

Para buscar amenizar esse impacto para os animais, a veterinária ressalta que os tutores podem usar algumas estratégias e até mesmo medicações, desde que recomendada por um médico veterinário. “Para minimizar esse estresse, você pode colocar o animal doméstico — como gato e cachorro — em um ambiente menor, seguro, e fechado. Pode deixar mantinhas com eles, para tentar abafar esse barulho. Existem algumas medicações que podem ajudar, mas com prescrição de um médico veterinário”, destaca. Ela ainda recomenda que, se possível, os tutores fiquem com o animal, pois isso ajuda a fazê-los se sentir mais seguros.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de dezembro de 2024.