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Capoeira celebra legado de resistência no Brasil

publicado: 05/07/2024 08h57, última modificação: 05/07/2024 08h57
Em dia especial, mestre capoeirista lembra desafios de ontem e hoje
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Para Evaldo Morcego, reconhecimento à prática é raro e avanços ficam “apenas no papel” | Foto: Carla Batista

por Samantha Pimentel*

Fruto da resistência do povo negro, a capoeira surgiu na época da escravidão, no Brasil, e chegou a ser criminalizada por muitos anos no país. Como uma mistura de dança, jogo e luta, ela era uma ferramenta de defesa para os escravizados, que buscavam resistir ao regime escravocrata e construir uma vivência em liberdade. Hoje, é comemorado o Dia Mundial da Capoeira, uma data para relembrar a importância dessa prática, que guarda muito da nossa história e representa uma parte importante da identidade cultural brasileira, sendo reconhecida mundialmente.

Segundo o mestre de capoeira e vice-presidente da União dos Capoeiristas do Planalto da Borborema (UCPB), Evaldo Morcego, devido ao processo de escravização, a prática precisou se camuflar para ser difundida. “Desde a época dos quilombos, existem registros da capoeira, enquanto luta de resistência. Ela nasce disfarçada em dança e se transforma num jogo, para poder ser ensinada aos camaradas, e que eles pudessem lutar, quando fosse necessário, para se defender e fugir”, explica.

Durante o regime de escravidão, a lei punia os praticantes de capoeira com penas de até 300 açoites e prisão no calabouço, e, mesmo após a Lei Áurea (que, em 1888, determinou a extinção da escravidão no Brasil), a prática seguiu sendo criminalizada pelo Código Penal. No capítulo que tratava “dos vadios e capoeira”, determinava--se a proibição de “fazer, nas ruas e praças públicas, exercício de agilidade e destreza corporal conhecido pela denominação Capoeiragem”. A lei estabelecia prisão de dois a seis meses para quem praticasse capoeira, e aqueles que fossem identificados como chefes de grupos ligados à prática teriam essa pena dobrada.

“A capoeira passou quase 50 anos como crime”, frisa Evaldo, explicando que apenas em 1937, com a mobilização de diversos movimentos pela liberação da capoeira e de outras manifestações afro--brasileiras, como as religiões de matrizes africanas, a prática deixou o Código Penal e seus adeptos puderam sair da clandestinidade.

Faltam espaços e incentivos

O vice-presidente da UCPB lamenta, porém, que ainda persistem o preconceito e a falta de espaços devidos à capoeira no Brasil. “Na teoria, ela é o nosso esporte nacional, mas, na prática, não é, porque deveria estar em todas as escolas. Em todos os outros países do mundo, suas artes marciais fazem parte do currículo escolar, menos no Brasil. Por vir do povo preto, a capoeira não chega nas escolas”, aponta Evaldo.

Também é raro, segundo ele, o reconhecimento à prática em ambientes acadêmicos ou institucionais. “Existe um reconhecimento, mas não existe a efetivação dele”, afirma Evaldo, avaliando que, muitas vezes, avanços como a nomeação da capoeira como Patrimônio Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ficam “apenas no papel”, pois faltam incentivos para fortalecer a prática.

Criminalizada desde os tempos do regime escravocrata no país, manifestação só deixou o Código Penal em 1937

“Sou mestre de capoeira, mas, se for fazer um concurso público, para dar aula em qualquer escola, se eu não tiver graduação, meu título de capoeirista não serve de nada. E, mesmo que eu tenha graduação, meu título de mestre também não serve, se for para uma prova de títulos; só vai servir se eu tiver um mestrado por uma instituição”,  observa.

Projeto valoriza potencial educativo

Reagindo a esse cenário e difundindo a manifestação no estado, Evaldo Morcego salienta a importância do projeto Capoeira nas Escolas. Criada em 2007, por meio de uma parceria entre a UCPB e a Secretaria de Educação de Campina Grande (Seduc-CG), a iniciativa promove aulas de capoeira para alunos de escolas públicas da cidade e de Alagoa Nova.

O projeto, que contempla cerca de 10 mil alunos por ano, registrou, inclusive, um recorde: em 2014, 2.807 de seus integrantes realizaram a maior roda de capoeira infantojuvenil do país. A marca foi reconhecida pela equipe do RankBrasil, que acompanhou a atividade.

Responsável por recorde nacional, iniciativa da UCPB beneficia, anualmente, cerca de 10 mil estudantes

Entre os benefícios da adesão à prática, considerando seus pilares (como esporte, dança e música), Evaldo destaca o potencial educativo da manifestação, que pode ser uma ferramenta para fortalecer a identidade de crianças negras, além de contar parte da história brasileira.

“A musicalidade da capoeira conta a história de Zumbi dos Palmares, de Dandara dos Palmares, de negros que lutaram e fizeram resistência. Conta a história dos reis e rainhas sequestrados da África, para que as crianças conheçam a história do povo negro, contada na ótica do povo negro”, defende o representante da UCPB, conforme a qual existem hoje, na Paraíba, cerca de 40 grupos de capoeira.

Origem do termo

Não se pode precisar a origem do termo “capoeira”, mas se acredita que a palavra remeta ao tupi Ka’a (“mata”) e puêra (“o que foi”). Quando os escravizados fugitivos das propriedades rurais eram capturados, costumava-se falar que haviam sido pegos “na capoeira”, em referência a áreas de mata afastadas, onde buscavam refúgio e formavam quilombos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de julho.