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Casos aumentam 50% no estado

publicado: 15/09/2025 08h47, última modificação: 15/09/2025 08h47
Crimes de estelionato eletrônico, como o “golpe da selfie”, exploram a falta de atenção e o excesso de confiança da vítima
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Ao pedir para tirar fotos dos seus alvos, falsos prestadores de serviços usam a biometria facial para acessar plataformas bancárias | Foto: João Pedrosa

por Emerson da Cunha*

Alguém aborda você no meio da rua para oferecer um mimo ou dinheiro e pede-lhe que tire uma selfie para “comprovar” ou “liberar” a entrega. Ou ainda: você pega um táxi qualquer na rua e, ao fim da viagem, o motorista diz só aceitar pagamento em cartão. Momentos corriqueiros como esses podem se revelar cenários de fraudes digitais, que têm se utilizado de ferramentas como maquinetas de cartão e sistemas de reconhecimento facial para roubar dinheiro de seus alvos.

No chamado “golpe da selfie”, o criminoso, já tendo obtido os dados pessoais da vítima, pede para registrar uma fotografia do rosto dela, momento em que explora sua biometria facial para acessar uma plataforma de instituição bancária e fazer empréstimos ou transferências, por exemplo. No “golpe da maquininha”, por sua vez, o criminoso utiliza-se de uma maquineta com visor quebrado — que dificulta a visualização do valor cobrado e do status da transação — e da troca do cartão da vítima, sem que ela perceba. Em ambos os casos, os alvos costumam perceber o crime apenas depois de sua consumação.

Segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2025, publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de estelionato na Paraíba aumentaram de 6.443 ocorrências, em 2023, para 9.756, em 2024 — uma alta de mais de 50%, muito maior que a média brasileira, de 7,8%. Quanto ao estelionato por meio eletrônico, categoria em que se encaixam os golpes digitais, os números estaduais passaram de 1.030 para 1.543 casos — crescimento, igualmente, de cerca de 50%, contra 17% no país todo. Ainda assim, consideradas as taxas desses crimes por 100 mil habitantes, a Paraíba tem mantido índices inferiores aos de outros estados: no ano passado, essas marcas foram de 235,4 para as ocorrências de estelionato — a mais baixa do Brasil — e de 37,2 para a modalidade eletrônica — uma das quatro menores no país.

Em termos nacionais, o último anuário relata que os casos de estelionato foram os únicos entre os tipos de crime patrimonial que aumentaram de 2023 a 2024, com um acréscimo de 7,8%. Vale ressaltar que os registros de estelionato eletrônico em todo o Brasil puxaram o índice para cima, com um salto de 17%. No total, foram cerca de 2,2 milhões de casos de estelionato em 2024 — ou seja, aproximadamente quatro golpes por minuto, valor quatro vezes superior ao de 2018. O número é curioso quando comparado, por exemplo, aos crimes de roubo no Brasil, que tiveram queda, de 2018 a 2024, de mais de 50%. Na análise de especialistas, publicada no próprio anuário, a leitura é de que criminosos têm focado, cada vez mais, em táticas eletrônicas e digitais de operar, especializando-se nisso.

O que diz a lei

O Código Penal reconhece, no artigo 171, o crime de estelionato, caracterizado como o ato de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. Ou seja, quando uma pessoa engana outra para ter vantagem econômica de forma ilegal. Desde 2021, o mesmo artigo também prevê como crime o estelionato eletrônico, considerando, assim, golpes que utilizam “redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento”, com pena de reclusão de até oito anos e multa. Essa pena ainda pode aumentar em a partir de um terço do valor, se o crime for cometido contra pessoas idosas ou vulneráveis, se for utilizado servidor mantido fora do território nacional; ou se ocorrer contra entidade de direito público ou instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Bancos já investem bilhões para reforço em segurança

O corregedor-geral da Defensoria Pública da Paraíba (DPE-PB), o defensor público Coriolano de Sá Filho, indica que há uma série de vulnerabilidades levadas em conta pelos golpistas que praticam fraudes digitais. “Falta de atenção (digitar senha sem conferir o valor, por exemplo); excesso de confiança em ligações, mensagens ou contatos falsos; pressa (agir rapidamente sem checar as informações); e situações de fragilidade, incluindo idosos ou pessoas de pouca familiaridade com tecnologia”. Coriolano explica, ainda, que as empresas do setor financeiro também podem ser responsabilizadas por esse tipo de ocorrência. “Se a instituição financeira não adotar medidas de segurança adequadas ou deixar de agir diante de movimentações suspeitas, poderá ser obrigada a ressarcir a vítima. Essa responsabilidade já foi reconhecida pela Justiça em casos de idosos enganados por fraudadores”, pontua o representante da DPE-PB.

De fato, tendo recebido uma série de denúncias de clientes, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) passou a tomar medidas para enfrentar os novos tipos de golpes. “Os bancos não têm poupado esforços e, sobretudo, investimentos no combate a crimes contra nossos clientes. Temos investido constantemente, e de maneira massiva, em campanhas de conscientização e esclarecimento com a população, por meio de ações de marketing em TVs, rádios e redes sociais. E, no ano passado, foram investidos cerca de R$ 5 bilhões em segurança e prevenção a fraudes e crimes cibernéticos”, afirma Walter Faria, diretor-adjunto de Serviços da entidade.

A partir das denúncias registradas, a Febrabran elencou, inclusive, os principais tipos de fraudes digitais no país, que abrangem falsos boletos, vendas, central de atendimento, investimento e motoboy, além de golpes via WhatsApp, troca de cartão e “mão fantasma” (quando o criminoso consegue instalar, no celular da vítima, um aplicativo que lhe permite acessar remotamente o dispositivo).

Recursos tecnológicos auxiliam na prevenção

Algumas medidas podem ser tomadas para os usuários prevenirem-se contra golpes digitais, conforme aponta a Febraban. No caso do “golpe da maquininha”, recomenda-se não aceitar realizar pagamentos se o visor do equipamento estiver danificado; ao digitar a senha, garantir que ela não esteja visível para outras pessoas ao redor; ao fazer pagamento em maquinetas de entregadores ou prestadores, nunca entregar o cartão, mas sempre fazer o processo você mesmo; como medida de segurança, ativar o SMS de mensagens de alerta de transações realizadas em tempo real; não aceitar presentes ou brindes inesperados, sem saber quem realmente enviou. Já para se proteger do golpe do falso taxista, use os serviços de transporte por aplicativo e faça o pagamento antecipado por meio da plataforma, ou prefira solicitar táxis de pontos credenciados. E para evitar cair no “golpe da selfie”, jamais se deve aceitar tirar fotos de rosto para receber brindes ou para atender qualquer outro pedido feito por desconhecidos.

Usuário deve recusar pagamento se o visor da maquineta estiver danificado e jamais entregar o cartão durante o processo | Foto: Leonardo Ariel
Para aqueles que tenham sido vítimas de algum desses crimes, o corregedor-geral da DPE-PB orienta quais ações devem ser tomadas. “Deve-se ligar imediatamente para o banco, solicitar o Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Pix, registrar um Boletim de Ocorrência junto às autoridades policiais, trocar a senha e ativar a autenticação em dois fatores e dar preferência por aplicativos que usem a dupla verificação”, aconselha Coriolano de Sá Filho.

Um dos desafios no combate a esses crimes é que eles são de difícil investigação e culpabilização e, por isso, vêm tornando-se práticas ainda mais usuais. De acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, apenas 2,4% dos casos de estelionato registrados pelas polícias civis chegam até o Poder Judiciário. “Como resultado”, informa a publicação, “o risco de ser punido pelo cometimento de um estelionato é muito baixo e, quando o autor é identificado, no máximo, ele irá repor o prejuízo causado e não será sancionado penalmente”.

Como alerta o representante da Defensoria Pública, “os golpes digitais usam telefones e WhatsApp com números trocados constantemente, contas bancárias falsas são abertas em bancos e fintechs, em alta velocidade, e muitos criminosos atuam em outros estados, o que dificulta o rastreamento”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de setembro de 2025.