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crimes por envenenamento

Casos trazem desafio às investigações

publicado: 03/11/2025 08h54, última modificação: 03/11/2025 08h54
Apesar do baixo índice na PB, episódios de intoxicação intencional seguem intrigando peritos e profissionais da Saúde
2025.10.24 Polícia científica fala sobre envenenamento © Leonardo Ariel (31).JPG

Equipes do IPC encarregam-se de analisar as amostras biológicas coletadas das vítimas para identificar as substâncias tóxicas envolvidas | Foto: Leonardo Ariel

por Camila Monteiro*

Episódios de envenenamento criminoso têm ganhado visibilidade na mídia, ao longo deste ano. E, de fato, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde (MS), as notificações desse tipo de crime vêm aumentando no país. O Brasil registrou 560 ocorrências de envenenamento intencional no primeiro semestre de 2025 — um crescimento de 9% em relação aos seis primeiros meses do ano passado. No mesmo período, foram notificadas 15 mortes em decorrência de intoxicação criminosa. Desde 2007, mais de 11,6 mil pessoas foram vítimas desse delito, número que dobrou na última década. Na Paraíba, embora os índices mantenham-se baixos — quatro episódios foram oficialmente contabilizados, de janeiro a junho deste ano —, a rede de Saúde e a perícia científica continuam atuando em prol da prevenção e lidando com a complexidade das investigações para elucidar essas ocorrências.

A perita do Laboratório de Toxicologia do Instituto de Polícia Científica (IPC), Luana Sales, explica que o maior desafio enfrentado é o tempo entre a suspeita de envenenamento e a coleta das amostras de sangue e urina, pois esse intervalo é decisivo para a obtenção de um resultado fidedigno. “Uma coisa muito importante é que as amostras sejam coletadas o mais rápido possível, o que geralmente não acontece. Quanto mais célere for, aumenta a possibilidade de a gente encontrar a substância tóxica, porque muitos elementos são metabolizados rapidamente pelo corpo. Então, quanto antes a gente receber o material da coleta, maiores são as chances de conseguir rastrear”, detalha Luana. A especialista orienta a população que, diante de alguma suspeita de intoxicação, a melhor alternativa é procurar as autoridades policiais o quanto antes.

É a partir de um ofício, oriundo da delegacia de polícia, que os casos do tipo chegam ao laboratório do IPC. Assim, os peritos atuam em situações em que a vítima faleceu, está internada ou mesmo quando ela se recupera. “Nós temos casos em que a pessoa sofre intoxicação e vem a óbito, então, a partir da coleta feita pelo médico, será solicitado o nosso laudo. Temos casos em que a pessoa não chega a morrer, mas é hospitalizada, e são feitos o que a gente chama de exames toxicológicos in vivo — quando vamos até o hospital para realizar a coleta. Também há situações em que essa pessoa vem direto até aqui. Ela passa, antes, pela delegacia, informa o que aconteceu e é encaminhada para o laboratório”, relata Luana.

Um dos episódios mais recentes investigados no local, conforme a perita, envolveu um bolo oferecido a uma família, que apresentou sintomas de sonolência e confusão mental. A análise pericial confirmou a presença de benzodiazepínicos — calmantes de uso controlado — nas amostras biológicas e no próprio alimento. “Foi uma pessoa próxima da família que preparou o bolo e levou para eles. Nesse caso, chegou para o Instituto tanto o alimento quanto as amostras biológicas. O bolo foi analisado no laboratório de Química e as amostras de sangue e de urina no de Toxicologia. Assim, a gente utilizou as informações obtidas nos dois laboratórios para conseguir identificar a substância, pois a concentração é maior nos alimentos, então há uma complementação dos dados obtidos”, conta Luana.

Levantamento

De acordo com informações do Datatox — sistema de registro, acompanhamento e recuperação de dados de Toxicologia Clínica —, em 2025, 5.746 pessoas foram atendidas por casos de envenenamentos na Paraíba. Esses números abrangem circunstâncias diversas, como acidentes com animais peçonhentos e abuso de drogas. A maior parte das solicitações veio do município de Campina Grande (3.389), seguido de João Pessoa (2.306). Neste ano, entre os atendimentos registrados, apenas um entrou na categoria de “Circunstâncias de Violência/Maus-tratos/Homicídio”, ocorrido por meio de agente intoxicante não determinado e com desfecho de cura.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) da Paraíba apontou que, no primeiro semestre de 2025, aconteceram dois óbitos por agressão por envenenamento. Já em 2024, não foi notificado nenhum caso. Em relação às situações de envenenamento acidentais, o órgão contabilizou quatro óbitos, tanto neste ano quanto no anterior.

Entorpecentes

As substâncias usadas em casos de envenenamento criminoso variam conforme o acesso que o autor do crime tem ao agente tóxico. Pesticidas, medicamentos controlados e drogas ilícitas estão entre os mais utilizados. De acordo com a perita Luana Sales, um fato preocupante é a utilização de entorpecentes para cometer crimes como furto ou abuso sexual. “A gente encontra muito o uso de drogas ilícitas relacionados a casos de abuso sexual. A pessoa sofre a intoxicação, mas o objetivo não é o homicídio, e sim outro delito, como subtrair alguma quantia em dinheiro, obrigar a pessoa a realizar transferências ou praticar abuso sexual”, comenta a profissional do IPC.

Atendimento emergencial deve obedecer etapas

As situações de envenenamentos, principalmente os criminosos, precisam ser detectadas precocemente pelos profissionais de Saúde que atendem as vítimas. De acordo com o médico infectologista Jaime Araújo, a presença de sinais como náuseas, vômitos, dor abdominal, tontura, confusão mental, alterações na pupila, suor intenso, tremores e convulsões é um indicativo de envenenamento. Quando há indício de que a intoxicação pode ter sido intencional, o profissional de Saúde precisa seguir algumas etapas, conforme esclarece Jaime: em primeiro lugar, atender e estabilizar o paciente; em seguida, coletar amostras, como sangue, urina ou conteúdo do estômago, para ajudar na identificação da substância.

Depois disso, o profissional deve comunicar às autoridades policiais e ao Instituto Médico Legal (IML) a respeito da ocorrência. É necessário, ainda, que o médico responsável registre todas as informações, detalhadamente, no prontuário do paciente, pois isso pode contribuir para as investigações. Além disso, deve-se acionar o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) para receber orientações especializadas sobre o caso.

“No Brasil, todos os casos de intoxicação e envenenamento são de notificação compulsória. Essas notificações vão para o Sistema de Informação de Agravos de Notificação [Sinan], do Ministério da Saúde”, afirma o infectologista.

Governo limita circulação de agentes tóxicos

Os órgãos de fiscalização do uso, da compra e da venda de produtos que podem ser explorados como agentes tóxicos agem de maneira a coibir sua má utilização. A gerente-executiva de Defesa Agropecuária da Paraíba, Girlene Alencar, que atua na Secretaria de Estado da Agropecuária e da Pesca (Sedap), responsável pelo controle de agrotóxicos, reforça a importância da aplicação regulamentada desse tipo de material, chamado, agora, de defensivo agrícola.

“A nossa fiscalização é justamente para assegurar o uso correto desses produtos, com a dosagem certa, de acordo com a recomendação de um profissional. Todo defensivo agrícola deve ser comercializado nas revendas agrícolas que são cadastradas na Secretaria. E, para que haja esse cadastro, é necessário que se tenha um responsável técnico habilitado, um engenheiro agrônomo ou até mesmo um técnico agrícola, que emitirá esse receituário agronômico com as recomendações necessárias para seu uso, para que se evite a superdosagem ou, até mesmo, a utilização em humanos de forma equivocada, que pode causar o envenenamento”, explica Girlene.

A Agência Estadual de Vigilância Sanitária (Agevisa-PB) também atua na fiscalização de produtos químicos de uso doméstico e industrial, monitorando rótulos, armazenamento e revendas. De acordo com a gerente de Inspeção do órgão, Conceição de Fátima, o trabalho envolve a inspeção de estabelecimentos que manipulam ou vendem produtos químicos, garantindo condições de segurança, embalagens adequadas e informações claras ao consumidor, além do acompanhamento de denúncias e de notificações de intoxicações ou acidentes, adotando, também, medidas preventivas ou corretivas — incluindo a interdição do local, quando necessário.

Já a Vigilância Sanitária Municipal combate o comércio ilegal de raticidas e inseticidas, especialmente o “chumbinho”, cuja comercialização é proibida, no país, desde 2012. De acordo com Vítor Viana, gerente da Vigilância Sanitária da Prefeitura de João Pessoa, a fiscalização acontece, principalmente, a partir de denúncias. “Esses estabelecimentos que vendem raticidas e inseticidas estão, geralmente, vinculados a processos sanitários. Já existe uma fiscalização no que diz respeito à questão geral desses lugares, mas, como se trata de itens irregulares, muitas vezes eles são vendidos de maneira bem informal. Nesses casos, ao identificar esse tipo de comercialização, a população deve fazer uma denúncia”, salienta.

Para acionar a Vigilância Sanitária de João Pessoa, o cidadão pode recorrer ao aplicativo João Pessoa na Palma da Mão, aos canais diretos do órgão ou à Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde (SMS-JP).

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 2 de novembro de 2025.