Embora invisibilizados pela sociedade, os catadores de materiais recicláveis assumem um papel fundamental no controle de resíduos sólidos e manutenção da limpeza urbana. Em João Pessoa, muitos deles atuam de forma autônoma, enfrentando precariedades no cotidiano. Por outro lado, existem associações de catadores recicláveis apoiadas pela Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur), que assumem protagonismo de atividades de coleta seletiva a partir da busca ativa de doadores de materiais.
Bruna Silva, mãe de três filhos e grávida do quarto, trabalha com reciclagem há quatro anos com seu companheiro. Em paralelo à atividade, realiza faxina na casa de famílias para complementar a renda. “Comecei na reciclagem por dificuldade financeira, pois houve dias que não tínhamos um alimento na geladeira”. Ela não recebe o Bolsa Família porque está sem documentação, mesmo tendo filhos menores de idade. Quem recebe o auxílio é sua mãe, que cuida dos dois filhos mais novos enquanto Bruna trabalha. “Tenho um filho de 18 anos que está no Exército, um de 13 anos e o caçula, de quatro”, completou.
O itinerário de trabalho de Bruna e seu marido se inicia pelo bairro do Roger, seguindo para o Varadouro e finaliza-se no Centro Histórico de João Pessoa. No cotidiano, eles recolhem materiais como latinhas, ferro, garrafa PET e papelão. O quilo da garrafa PET custa R$ 1,50, enquanto o da lata rende R$ 6. O quilo do ferro, por sua vez, vale R$ 0,50 e o quilo do papelão, R$ 0,30. Em um dia produtivo, o casal consegue R$ 70. “Começando de oito da manhã, eu arrecado em média isso, porém nem todo dia tenho disposição por conta da gravidez, principalmente pelo mau-cheiro do lixo”, informa Bruna, que lamenta a falta de apoio do Poder Público, pois, mesmo fazendo um serviço essencial para o meio ambiente, eles não recebem sequer luvas, calçados adequados ou qualquer tipo de equipamento de proteção.
Outro exemplo de resistência é o catador Wellington Melo, de 45 anos, que já atuou em diversos trabalhos informais, como servente de obras, ajudante de capotaria e auxiliar de carpinteiro. No último emprego, na construção civil, sofreu um grave acidente ao cair do 13o andar — um verdadeiro milagre ter sobrevivido. “Passei um ano acamado, um ano de cadeira de rodas e seis meses de muleta”. Hoje, ele mostra com humor os mais de 32 pinos que tem no corpo, inclusive próximo à região dos olhos. “Não consigo mais exercer trabalhos pesados devido às sequelas do acidente”. Atualmente, recebe Auxílio Brasil do Governo Federal e trabalha apenas com a reciclagem, pois nenhuma empresa aceita vínculo empregatício com ele.
Dependente químico, Wellington acabou se afastando da família e vive em situação de rua há mais de 20 anos, no Centro da capital paraibana. Sobrevivente das dificuldades da vida, encontrou na reciclagem uma fonte de renda, mas também realiza outros serviços, como capinagem de terrenos. “Em média, consigo R$ 50 por dia. Em dias muito bons, já cheguei a fazer R$ 100. Mas prefiro não ganhar muito, para não ser movido pelo impulso de usar crack”, revela.
Ele agradece ainda a solidariedade de algumas pessoas. “O gerente Sérgio, da coleta na Rua da Areia, trata os catadores com humanidade e oferece comida quando estamos em um dia ruim. O grupo da comunidade católica também oferece alimentação à noite”.
Com apoio, Tribo de Judá oferece condições dignas de trabalho
Enquanto catadores de materiais recicláveis autônomos enfrentam a realidade de trabalhar com poucos recursos e quase nenhum apoio, a Associação Tribo de Judá, localizada no Bairro dos Estados, oferece melhores condições de trabalho aos seus oito integrantes. O coletivo conta com o apoio da Emlur, que disponibiliza fardamentos, equipamentos de proteção individual (EPIs) e bicicletas elétricas fornecidas pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP).
A coleta é feita de forma mapeada. Alguns bairros são visitados diariamente, outros com menor frequência. Entre eles estão: Bairro dos Estados, Mandacaru, Treze de Maio, Bairro dos Ipês, Pedro Gondim, Torre e Padre Zé. “As pessoas conhecem nosso trabalho e compreendem a importância da coleta seletiva. Elas sabem que passamos em determinado dia, separando o material”, informou Givanildo Cipriano, presidente da Associação Tribo de Judá. Estabelecimentos como prédios, condomínios, empresas e pequenos comércios colaboram com o trabalho da associação separando os materiais regularmente.
Os principais materiais recicláveis recolhidos são ferro, cobre, plásticos duro e fino, garrafa PET, latinha de refrigerante e alumínio. Na Associação, o quilo de cobre custa de R$ 38 a R$ 40; o da latinha vale de R$ 6 a R$ 8; o do alumínio, R$ 6; o do papelão, R$ 0,50; os plásticos, fino e grosso, R$ 1 cada um; e o de garrafa PET, R$ 2,50.
A média semanal de material coletado é de cerca de 10 toneladas. No entanto, o rendimento individual dos associados varia de acordo com o desempenho de cada um, podendo ir de R$ 150 a R$ 400, conforme explica o presidente da associação, conhecido como Irmão Gil. “Tenho um associado mais idoso, então ele recolhe menos que outro colaborador que apura R$ 350 por semana. Além disso, a reciclagem é questão de sorte: tem dia que você consegue doação de cobre ou até um fogão velho que dá pra aproveitar as peças. Logo é possível apurar a meta da semana em um dia”, explicou.
Givanildo Cipriano conclui enfatizando que o papel social dos catadores de materiais recicláveis é fundamental para o meio ambiente e a manutenção da cidade limpa e organizada. Essa importância mostrou-se ainda mais evidente durante a pandemia. “A gente não parou durante esse período. Se tivéssemos deixado de recolher o material reciclável, isso teria causado acúmulo nas ruas, aumento do volume de resíduos nos aterros e, além disso, a proliferação de fungos e bactérias, representando um risco sanitário para a população”.
PMJP
Em março deste ano, a Prefeitura de João Pessoa entregou 30 novas “recicletas” — triciclos elétricos, com capacidade para transportar 250 kg de materiais, chegando a 60 o número desses equipamentos de coleta seletiva na capital. A iniciativa beneficiou as entidades Ascare-JP, Tribo de Judá e Acordo Verde — agentes ambientais que estão podendo ampliar a área coberta pelo programa municipal de reciclagem, ampliando a quantidade de casas visitadas no percurso feito por eles.
O superintendente da Emlur, Ricardo Veloso, explica que a autarquia fornece veículos para coleta, EPIs, refeições e galpões para o desenvolvimento das atividades de triagem e armazenamento dos resíduos. As associações serão remuneradas pela Emlur em razão do trabalho de coleta, transporte, processamento e destinação final dos materiais recicláveis.
“As associações estão em processo de formalização para registro de CNPJ. Desta forma, poderão emitir nota fiscal às empresas que compram os materiais recicláveis. A partir desta comprovação, vamos remunerá-las pela quantidade comercializada, com base no valor pago por tonelada coletada e disposição final do que vai para o aterro sanitário”, relata Ricardo Veloso.
O Programa Municipal de Coleta Seletiva (Recicla JP), executado pela Emlur, atende toda a cidade de João Pessoa, com o recolhimento de materiais recicláveis e reaproveitáveis. A coleta é feita em casas, condomínios residenciais, empresas e órgãos públicos a partir de adesão da população. De acordo com a Lei Estadual no 10.041/2013, a coleta seletiva de resíduos deve ser feita em todas as edificações residenciais com mais de três pavimentos. Os materiais coletados são enviados aos núcleos de coleta seletiva, onde as associações podem comercializar o que foi recolhido.
A população pode solicitar a inclusão na coleta seletiva pelos telefones (83) 3213-4237 e (83) 3213-4238 e pelo aplicativo João Pessoa na Palma da Mão. Outra opção é pelo site da Prefeitura de João Pessoa, na plataforma Prefeitura Conectada.
A orientação é que as pessoas disponibilizem os resíduos destinados à coleta seletiva em horário diferenciado da coleta domiciliar. De preferência, horas antes, porque os catadores (credenciados ou não) farão a coleta desse material.
Cata-Treco
Dentro da política de coleta seletiva, a Emlur disponibiliza um serviço para coleta de móveis, eletrodomésticos e materiais recicláveis de médio porte, na casa das pessoas. O recolhimento é gratuito e ocorre por meio do Cata-Treco. O serviço evita o descarte inadequado de resíduos sólidos nas vias públicas, terrenos abandonados ou nas encostas de rios, o que causa alagamentos, sobretudo no período chuvoso.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de junho de 2025.