“Então é Natal, e o que você fez?”, a tradicional canção de fim de ano pode parecer inofensiva, mas, para muita gente, essa simples frase pode trazer gatilhos de um ano que não foi tão produtivo assim. Desânimo, estresse e ansiedade tomam o lugar da esperança, paz e amor, normalmente conhecidos com a chegada de dezembro, para aqueles que sofrem com a chamada “síndrome do fim de ano”.
De acordo com a psicóloga Aléxia Pereira, não é recomendado que as pessoas façam um autodiagnóstico nesse período, devendo procurar sempre um profissional de saúde para entender os sintomas do que também pode ser chamado de “Dezembrite”. “Mesmo que a gente apresente contextos, ideias práticas para as pessoas tentarem elaborar esse sentimento, a melhor forma de você compreender esses fatores é buscando ajuda profissional”, afirmou.
No entanto, a especialista afirmou que os sintomas não aparecem como um passe de mágica, junto com as luzes de Natal, mas são um acumulado de coisas que aconteceram ao longo do ano. Metas não cumpridas, exaustão devido à carga horária excessiva de trabalho e outras questões pessoais podem acarretar o problema. “Os fatores não existem de forma isolada, mas há aspectos específicos que, muitas vezes, a gente não tem acesso”.
Segundo Aléxia, na maioria dos casos de pessoas que apresentam essa síndrome, há histórico de outras doenças relacionadas à saúde mental, a exemplo da depressão e ansiedade. “De acordo com alguns estudos, esses sintomas se vinculam às pessoas que já apresentam algum tipo de transtorno emocional. Já lidam com alguma demanda emocional muito forte”.
É o caso da professora e servidora pública, Ellen Santos, de 24 anos. Ela conta que normalmente sofre com ansiedade, mas que quando chega o fim do ano, esses sentimentos são intensificados por diversos motivos. Além de ensinar inglês, ela ainda estuda uma pós-graduação e, o período que deveria ser de descanso, acaba sendo desgastante mentalmente.
De acordo com ela, o principal motivo dos sintomas são as metas não cumpridas. Olhar para trás e ver que as promessas de comer mais legumes, praticar exercícios e socializar com seus amigos e familiares não foram cumpridas, causa frustração em Ellen, ao ponto dela desistir de realizar esse tipo de lista.
“As metas e resoluções não cumpridas me deixam triste. Normalmente, vejo que não consegui realizar nem 5% do que eu tinha decidido fazer. Em 2020, eu até tinha feito um plano, comecei conseguindo e realizando as metas, separei em etapas fáceis de atingir e que funcionou por bastante tempo, mas, desde a pandemia, esses planos acabaram arruinados e eu não consegui ter esse costume e motivação desde então. Se eu faço metas no início do ano, em fevereiro eu já desisti da maioria”.
As muitas confraternizações nesse período também afetam a saúde mental de Ellen, que por ser introvertida, precisa de um esforço maior para conseguir atender às demandas sociais. “Eu sou uma pessoa introvertida e quando começam várias confraternizações, é cansativo mentalmente e fisicamente ter que comparecer. Apesar de eu gostar, se torna cansativo pra mim e causa ansiedade porque eu não quero deixar as pessoas mal dizendo não”.
Estudos apontam que as mulheres são as mais afetadas
A psicóloga Aléxia Pereira ressaltou que é importante entender que aqueles acometidos pela “síndrome de fim de ano” ou “dezembrite”, não devem confundir seus sintomas com alguma doença mental. “Ter esses sintomas não quer dizer que todo mundo tem algum tipo de transtorno porque, para isso, essas sensações precisam perdurar para além do período de fim de ano”.
Além disso, estudos apontam que as mais afetadas são as mulheres. Na avaliação da psicóloga, isso acontece porque o grupo é atingido por demandas e encargos mais pesados, além de pressões sociais maiores, em relação aos homens. “É natural que elas se sintam dessa forma, devido à grande quantidade de funcionalidades ao longo do ano que englobam a realidade feminina”.
Cuidados
Apesar de ser um período de festa, onde normalmente o consumo de álcool costuma ser maior, a psicóloga alerta para os perigos da bebida alcoólica. Ela afirma que devido ao sentimento de melancolia que afeta alguns grupos nessa época do ano, esse consumo pode crescer devido à sensação de entorpecimento que provoca.
“Isso acontece justamente pela ideia de fugir um pouco dessa realidade ou ignorar essas sensações de estresse, ansiedade, insônia. Então, nesse período do ano pode se aumentar o uso dessas substâncias e isso traz um risco à saúde mental, em específico, porque a gente sabe como o uso do álcool colabora para a complicação não só de questões da saúde mental como também na saúde fisiológica como um todo”.
Prevenção
A atividade física é uma aliada da saúde mental, mas justamente nesse período do ano as pessoas costumam deixar esse hábito de lado, devido ao número de confraternizações. Segundo Aléxia Pereira, manter essa rotina de exercícios pode ajudar a diminuir os sintomas.
“É preciso manter uma rotina de exercícios mesmo com as confraternizações e os grandes eventos. A atividade física apresenta um suporte determinante no tratamento de qualquer desconforto no aspecto da saúde mental”, alertou.
Saber os seus limites também é determinante para manter a mente saudável nesse período. “Não precisa aceitar todos os convites de todas as pessoas acerca de todos os eventos que vão se apresentar neste mês. Então, se eu achar que está sendo demais, se eu achar que esse grupo, especificamente, não é um grupo que eu me relaciono tanto, então, eu posso dizer não para esses convites e estar presente apenas para as relações que fazem parte ou que são significativas na minha vida”.
Como Buscar Ajuda?
De acordo com o Centro de Valorização da Vida (CVV), o número de ligações aumenta em cerca de 20% em dezembro. Segundo a associação, os motivos estão ligados à “dezembrite”, que causa esse fenômeno:
- Sensação de que nenhuma das promessas e planos feitos no final do ano anterior foram colocados em prática;
- a percepção de que todos à volta estão felizes e rodeados de amigos enquanto a pessoa passa por momentos difíceis;
- ou a lembrança de pessoas queridas que já não estão por perto.
O CVV é uma organização sem fins lucrativos que há mais de 50 anos oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente, exclusivamente, por meio de voluntários devidamente selecionados e preparados.
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*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 24 de dezembro de 2023.