Um estudo recém-publicado na revista The Lancet Regional Health - Americas, referência na área de saúde, trouxe à tona dois dados importantes sobre a população infantil brasileira: ela está ficando mais alta, porém mais obesa. Em um universo de cinco milhões de crianças de três a 10 anos, os pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) verificaram aumentos de um centímetro na altura e de 600 gramas no peso dos meninos e meninas entre os anos de 2001 e 2014.
Mas, para além dos números, a pesquisa evidencia um problema ainda maior nessa faixa etária, no contexto da má alimentação, como bem destaca a nutricionista paraibana Jéssica Lisboa. “Observamos uma alimentação pouco saudável entre as crianças, com maior consumo de produtos industrializados, processados e embutidos.”
Por meio desse estudo, a profissional explica ser possível identificar dois fenômenos distintos. O primeiro tem a ver com a qualidade dos alimentos e está relacionada ao que o brasileiro adquire nos supermercados e fast-foods, ainda mais com a massificação do delivery. Além disso, não se pode ignorar a alta nos preços dos alimentos, que tem levado cada vez mais pessoas a substituir produtos de melhor qualidade por opções menos saudáveis. “É uma situação que surgiu com a globalização e o aumento da disponibilidade de vários alimentos industrializados no mundo todo”, observa Jéssica.
Dados
Pesquisadores analisaram crianças entre cinco e 10 anos. Eles levaram em conta dados como o gênero e o Índice de Massa Corpórea
Estatura
Já o aumento na estatura pode ser explicado pela maior oferta de alimentos que contribui, de forma natural, para a melhora da condição nutricional dessas crianças. Segundo o estudo, esse indicador também é reflexo de uma melhor assistência à saúde em todo o país. Para a nutricionista, hoje há uma maior conscientização em relação à necessidade de se alimentar bem, embora a realidade socioeconômica do país influencie diretamente no cardápio de cada família.
Desigualdade
Nessa correlação entre poder aquisitivo e alimentação, são as crianças mais pobres que sofrem mais. De acordo com a pesquisadora Carolina Vieira e líder da investigação, o impacto será maior entre a população de baixa renda, sobretudo em relação à obesidade infantil. “Esses resultados indicam que o Brasil, assim como todos os países do mundo, está longe de atingir a meta da OMS (Organização Mundial da Saúde) de ‘deter o aumento’ da prevalência da obesidade até 2030”, aponta a pesquisadora.
Sobre essa questão, a nutricionista paraibana Jéssica Lisboa é enfática e diz que o problema está na qualidade dos alimentos que chegam à mesa. “São produtos que rendem mais, com maior prazo de qualidade. E na maioria das vezes, são alimentos ultraprocessados, ricos em sódio e gordura, que favorecem o aumento de peso”, destaca.
Mas, a dieta pobre em nutrientes não é o único fator que influencia o crescimento da meninada. O aumento do sedentarismo, com as crianças cada vez mais ligadas às telas do que aos esportes, também tem contribuído para esse cenário de sobrepeso e obesidade na população infantil. Uma combinação perigosa, como bem alerta a pesquisadora Carolina Vieira, pois pode resultar no aumento de doenças crônicas nessa faixa etária. Por isso, ela acredita que as políticas públicas de prevenção devem ser direcionadas de forma mais específica para esse grupo social.
Pesquisa analisou mais de cinco milhões de crianças de 2001 a 2014
Para chegar a esse resultado, a pesquisa da revista The Lancet Regional Health - Americas analisou 5.750.214 crianças, de três a 10 anos, e levou em conta dados como gênero e o Índice de Massa Corpórea (IMC) ideal para meninos e meninas. Além disso, elas foram divididas em dois grupos, considerando dois períodos de nascimento – de 2001 a 2007 e 2008 a 2014.
No quesito peso, comparando os dois grupos, observou-se que a prevalência de excesso de peso na faixa etária de cinco a 10 anos aumentou 3,2% entre os meninos e 2,7% entre as meninas. Já no caso da obesidade, houve um aumento de 11,1% para 13,8% entre os meninos e de 9,1% para 11,2% entre as meninas, representando um acréscimo de 2,7% e 2,1%, respectivamente.
O levantamento utilizou como banco de dados as informações do Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Além dos pesquisadores do Cidacs/Fiocruz Bahia, o estudo contou com a colaboração da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da University College London, no Reino Unido.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de abril de 2024.