Você já ouviu falar em K-drama? Talvez o nome não ajude, mas com certeza você já deve ter assistido, ou alguém tenha lhe recomendado, alguma série coreana nos serviços de streaming. A letra “K” abrevia o termo inglês Korean, que em português significa coreano. K-dramas ou koreanovelas são, portanto, programas de televisão originários do país asiático. O Brasil é considerado um dos maiores consumidores do entretenimento sul-coreano no mundo, reunindo uma legião de fãs de K-pop (música popular coreana) e K-dramas, adeptos do fenômeno hallyu, a onda de popularização da cultura coreana pelo mundo.
Os K-dramas datam do início da década de 1960, mas só a partir dos anos 1990, com o hallyu, essas narrativas puderam se difundir e construir uma audiência cada vez mais sólida. Nos anos 2010, muito em função dos serviços de streaming que passaram a traduzir e legendar os episódios coreanos para diversos idiomas, os fãs se multiplicaram pelo mundo em uma escala jamais vista.
Tantos nas séries como em outros programas típicos do país asiático, é comum observar um sinal feito unindo as pontas do polegar com o dedo indicador, formando um coração. O gesto chegou a viralizar mundo afora, sobretudo com a influência K-pop.
Influências
A experiência da onda coreana vai muito além dos K-dramas. Não se satisfaz apenas diante das telas e costuma incorporar vários outros elementos daquela cultura como parte dessa experiência, tais como vestuário, linguagem corporal, dança e até mesmo a comida típica do país.
O designer Ícaro Lima, de 23 anos, apresentador do evento Orgulho Nerd e staff do HQPB, principal evento de quadrinhos e cultura pop da cidade, é um exímio aficionado pela cultura coreana em João Pessoa. Ícaro, que também interpreta personagens da cultura oriental em eventos de cultura pop - o chamado cosplayer-, afirma que consome o máximo de conteúdos da Coreia desde 2014, tendo participado de inúmeros eventos temáticos.
“Em 2014 eu tive o meu primeiro contato com a cultura coreana e depois disso eu fui conhecendo outros aspectos: a moda coreana, a beleza coreana, a estética coreana, os produtos de cuidado com a pele da Coreia, e a partir disso eu comecei a consumir também os produtos da culinária coreana. Eu sempre me interessei por essas coisas de imergir mesmo na cultura”, contou Ícaro.
Thatiana Lima, de 21 anos, também apresentadora do Orgulho Nerd, conheceu o K-pop em 2016 e de lá para cá se tornou líder do grupo pessoense de dança coreana DiamondZ. Ela afirma que já foi muito influenciada pela cultura coreana, pelo vestuário e destaca a preocupação dos coreanos com a pele como algo que chama a atenção. “Os coreanos têm um cuidado muito grande com skincare e isso também influencia bastante em quem assiste”.
Quando começou a ouvir K-pop, ela percebeu que muitos ídolos também participavam de K-dramas e doramas - as novelas japonesas - e passou a se interessar pelo assunto. “Em grupos de conversas sobre cultura coreana, sempre apareciam pessoas recomendando K-dramas e isso acabou me fazendo ter mais interesse em assisti-los. De início, não havia tantas opções em redes de streaming que estamos acostumados a usar, como a Netflix. Era um pouco mais sofrido ver na rede de streaming deles porque tinha muito anúncio”, comentou Thatiana.
A vontade de conhecer o lugar onde se desenrolam as cenas das séries preferidas é compartilhada por ambos. “Eu vejo inúmeros vídeos de pessoas que fazem intercâmbio turístico-cultural e de estudos na Coreia. Tem uma youtuber que eu sigo, que ela criou uma agência de viagens para poder levar as pessoas para conhecer a Coreia. Eu ainda tenho muita vontade de conhecer a Coreia do Sul, principalmente, por conta da culinária, da cultura e de todos os produtos de lá. Até mesmo o estilo de vida deles, das conveniências, das coisas que eles oferecem. Eu tenho muita vontade de experienciar isso de forma presencial”, afirmou Ícaro. Thatiana, inclusive, iniciou os estudos em coreano há alguns anos pensando em conhecer o país, principalmente a capital, Seul.
Pratos da culinária típica já estão no cardápio pessoense
Nascida na Coreia do Sul, Soo Jung Kim veio para o Brasil com dois anos de idade e cresceu em contato com os costumes brasileiros e elementos da cultura coreana. Kim morava em São Paulo com o esposo e a mãe dela, Soon Ae Jung. Para ajudar na renda, Jung começou a vender o kimbap, um “enrolado” de arroz, algas e legumes, também conhecido como sushi coreano. “Meus colegas brasileiros do trabalho experimentaram, gostaram e começaram a pedir pro almoço”, contou Kim, que passou a ver um negócio em potencial.
Cansada da vida na capital paulista, ela decidiu vir para João Pessoa, onde moram familiares do esposo, e abrir o restaurante delivery Korean Chicken, localizado no bairro Pedro Gondim. De acordo com Soo Jung Kim, a procura pela comida coreana no restaurante é uma constante.
Kim e seus familiares abriram o local em outubro de 2020, em plena pandemia de Covid-19, e trabalham até hoje apenas com o serviço de delivery, com previsão de abertura presencial para junho deste ano. Questionada sobre os pratos mais procurados, a proprietária apontou o duo kimbap como o mais pedido: “O duo kimbap com certeza é o queridinho dos nossos clientes, que leva os dois tipos de frango da casa e o kimbap que é aquele parecido com o sushi, mas que é totalmente diferente nos ingredientes, no tempero. Tem também o “mandu”, que é o pastelzinho com recheio de carne bovina ou suína com bastante repolho, que ganhou o coração dos nossos clientes. Além disso, temos os pratos apimentados, como o tteokbokki e o bibimbap, e a última novidade que lançamos, o “hot dog coreano”, que se encaixa naquelas “comidas de rua”, bem famosas na Coreia.
Produtos
Em João Pessoa, redes de supermercados personalizam espaços nas prateleiras para insumos e objetos utilizados na culinária oriental. Samara Ferreira, gerente do empório do supermercdo Mix Mateus no Altiplano, afirma que os itens mais procurados pelos amantes da comida coreana são as algas marinhas comestíveis, a farinha panko - muito utilizada para empanar diversos alimentos -, macarrões especiais, palitinhos hashi e tapete culinário de silicone.
“Não sei dizer se tem alguma data comemorativa durante uma determinada semana do mês, mas tem uma semana que vem todo mundo procurar os insumos orientais, principalmente as algas marinhas”.
Para Ícaro Lima, que adora a comida coreana, o ttekbokki tem se tornado muito popular em função dos K-dramas, assim como a comida de rua da Coreia, um dos pratos favoritos dele: “Eu comecei a ver os costumes, mas também a culinária coreana, principalmente a parte mais de doces e uma comida mais de rua, digamos assim, que eu acho que é uma das coisas mais atrativas da Coreia”.
Já Thatiana nunca experimentou nada da culinária coreana, embora não seja um problema específico com a comida de lá. “Honestamente, não gosto muito. Sou muito chata para comida e lá a maioria das comidas tem coisas que não gosto: vegetais e coisas do mar. Então, nunca provei nada coreano devido a isso. Claro que isso já é porque sou chata mesmo para comer, mas a galera adora muito provar não só comida em si como snacks coreanos”, confessou Thatiana.
Fazendo a crítica, ela fez questão de relativizar a influência dos produtos culturais coreanos como algo não exclusivamente positivo, sobretudo à representação do corpo feminino: “Já não me sinto mais tão influenciada. Ainda gosto bastante do estilo de roupas, mas antes era uma imersão muito grande que pode levar a meios tóxicos. Quando você é uma menina adolescente e vê constantemente mulheres sendo extremamente magras, isso vai se tornando um novo padrão que você quer alcançar. Porém, elas não costumam conseguir aquele corpo de forma saudável e isso é uma influência muito delicada”, ressaltou Thatiana.
Legumes e verduras
A culinária coreana é famosa por ter muitos legumes, verduras, temperos picantes e agridoces, além de muito arroz. Soo Jung Kim acrescentou que existe também um churrasco coreano, que é feito com fogão portátil na própria mesa do cliente, e vários “bantchans”, os acompanhamentos dos pratos, que estarão disponíveis apenas no espaço físico.
“Tem pouco mais de um mês que abrimos reservas para os clientes do WhatsApp. Ainda não divulgamos oficialmente no Instagram, e nesse meio tempo já tivemos encontro de dorameiras aqui no restaurante, além de aniversários com bolo temático dos ídolos coreanos e decoração com fotos. É bem curioso e interessante, ao mesmo tempo muito gratificante, ver que a cultura coreana está chegando no Brasil”, destacou Kim.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de maio de 2024.