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PESSOAS TRANS

Dificuldades minam a saúde mental

publicado: 15/08/2024 08h57, última modificação: 15/08/2024 08h57
Preconceito e falta de aceitação da sociedade ocasionam depressão, ansiedade e estresse, entre outros problemas
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Clarisse chama a atenção por ser um caso fora da curva | Foto: Arquivo pessoal

por Sara Gomes*

A população trans e travesti enfrenta diversos obstáculos no exercício da cidadania, tanto no que se refere à escolaridade básica, à empregabilidade, à saúde e à segurança quanto no que diz respeito ao acesso à própria documentação de identificação. Em paralelo, o mercado de trabalho, além das exigências curriculares, guia-se pelo preconceito e exclui essas pessoas de processos seletivos — e, consequentemente, da possibilidade de empregos formais. Todos esses fatores contribuem para o adoecimento mental dessa população.

A Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), por meio da Gerência Executiva de Direitos Sexuais e LGBTQIAPNb+ de João Pessoa e Campina Grande, cadastrou 3.860 trans e travestis, no ano passado, na Paraíba. Desse total, 63% não apresentam vínculos empregatícios formais. O coordenador da Promoção da Cidadania LGBT+ e Igualdade Racial da Prefeitura de João Pessoa, Geraldo Filho, analisou o mercado de trabalho para essa comunidade.

“É extremamente opressor. Primeiramente, porque a maioria das mulheres trans tem baixa escolaridade, devido a problemas relacionados à transfobia no ambiente escolar, o que leva essas pessoas a não concluírem o Ensino Médio e, consequentemente, as impede de chegarem a um curso superior. Outro agravante é a transfobia que existe no próprio mercado de trabalho”, disse. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), cerca de 70% de pessoas trans e travestis não concluíram o Ensino Médio.

Clarisse Mack, assessora jurídica da Defensoria Pública da Paraíba, transfeminista e especialista em direito, gênero e sexualidade, destoa das estatísticas. Ela foi a primeira mulher trans a ingressar no curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “Eu compreendo este lugar não como um privilégio, mas com questionamentos: uma travesti pode cursar Direito? Pode ocupar cargos de poder? Ter um emprego decente? As travestis sempre fizeram revolução, construindo saberes insurgentes contra sistemas epistemológicos. A ocupação desses espaços é fruto de toda uma luta coletiva dos movimentos sociais de pessoas trans e travestis”, frisou.

Para amenizar a falta de oportunidades no mercado de trabalho, Geraldo Filho destaca a importância de políticas públicas que estimulem a conscientização das empresas, por meio de palestras e oficinas de capacitação, para a inclusão da população trans. “É preciso explicar as particularidades dessa população, como, por exemplo, o uso do pronome adequado e do nome social do homem ou da mulher trans, mesmo que a pessoa ainda não tenha realizado a retificação do prenome e gênero”, detalhou.

Impactos

É comum que pessoas trans procurem os serviços de saúde mental não somente por questões relacionadas à sua experiência trans, mas, sobretudo, pelo preconceito e pela falta de aceitação da sociedade. Isso ocasiona situações como depressão, ansiedade, estresse, uso de substâncias, automutilação, ideação suicida e tentativas de suicídio.

De acordo com a psicóloga Júlia Aleixo, as pessoas trans e travestis vivenciam desafios e violências que impactam diretamente a sua saúde mental. “A vivência das pessoas trans com a sociedade, muitas vezes, é permeada por transfobia, discriminação, dificuldade no acesso de equipamentos de saúde, falta de assistência social e de suporte da família, estigmas e invisibilidade”, observou.

Para a psicóloga, o sofrimento mental da pessoa trans envolve, ainda, vários cenários sociais aos quais as pessoas LGBTs são submetidas. “O senso comum, o audiovisual e muitos discursos reproduzidos tentam justificar o preconceito que a pessoa trans sofre, como se ela fosse o que é por uma escolha dela. Por isso, o acompanhamento psicológico é fundamental. A terapia deve oferecer um espaço seguro para auxiliar essa pessoa no seu autoconhecimento e no enfrentamento dessas violências”, recomendou.

Suporte

De acordo com Laura Brasil, gerente-executiva de Direitos Sexuais e LGBTQIAPNb+, a Semdh dispõe, em sua estrutura, de serviços para o suporte psicossocial e jurídico a essa comunidade, ofertado pelos Centros Estaduais de Referência. “No que diz respeito à saúde mental, os serviços de escuta qualificada com profissionais de psicologia e acompanhamento social são fundamentais para o fortalecimento de vínculos e cidadania”, disse.

Já em relação à qualificação para o mercado de trabalho, Laura acrescentou que a secretaria assinou um termo de cooperação com o instituto EducaNexus, que oferece diversos cursos de qualificação profissional para esse público, e também com o EJA, para disponibilizar a modalidade on-line. O Centro Estadual de Línguas também tem vagas em cursos de idioma para quem está cadastrado nos Centros de Referência.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa no dia 15 de agosto de 2024.