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perto dos trilhos

Ocupações às margens da linha férrea trazem riscos

publicado: 15/08/2024 09h02, última modificação: 15/08/2024 09h02
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Além das construções irregulares, espaço é utilizado para depósito de lixo e pastagem | Fotos: Leonardo Ariel
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De acordo com habitantes desses locais, animais soltos já foram atingidos por trens | Fotos: Leonardo Ariel
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por Samantha Pimentel*

Em João Pessoa e sua Região Metropolitana, ao longo dos 30 km de extensão da linha férrea que percorre a capital, observam-se diversas construções invadindo a chamada faixa de domínio ferroviária — espaço pertencente à União Federal que, de acordo com a legislação brasileira, deve ser delimitado a uma  distância de, no mínimo, 15 m da ferrovia, para ambos os lados. O trecho está sob a responsabilidade da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) de João Pessoa, que aponta que algumas das principais áreas ocupadas ficam próximas ao antigo lixão do bairro do Róger e em Cabedelo, nas proximidades da Estação Jacaré, a exemplo da Comunidade do Plástico e da Vila Feliz.

"Nosso trecho é de 30 km. Construir uma barreira seria muito complicado. Precisamos contar com a conscientização das pessoas"
- Othomagno Viegas

As margens da ferrovia são ocupadas por estruturas residenciais e comerciais, além de serem utilizadas como área para depósito de materiais recicláveis ou mesmo para pastagem e descanso de animais, como burros e jumentos. Em todos esses casos, há riscos à segurança operacional do sistema de trens urbanos, o que pode contribuir para a ocorrência de acidentes.

O gerente operacional da CBTU, Othomagno Viegas, alerta para os perigos desse tipo de ocupação, que desrespeita os limites determinados pela legislação. “As pessoas costumam dizer: ‘O trem atropelou, o trem bateu num carro’; mas ele não saiu dali para colidir, para atropelar, é um veículo que trafega em via exclusiva, salvo uma catástrofe, em que ele venha rolando, realmente. Mas o que acontece são casos de pessoas ou objetos que estão no caminho do trem, e os riscos são muito altos, inclusive de morte, com essa falta de preservação da faixa de domínio”, ressalta.

Segundo Othomagno, na Comunidade do Plástico, por exemplo, há construções situadas quase sobre os trilhos, a cerca de 40 cm da linha férrea, expondo, sobretudo, crianças do local. “Criança escuta o barulho do trem e vai querer ir à linha para ver. E não dá tempo de parar, estamos falando de veículos muito pesados, que se deslocam com taxa de frenagem totalmente diferente do que se aplica em uma bicicleta, moto, carro”, explica. Outro problema, conforme o representante da CBTU, são intervenções improvisadas pelos moradores, no mesmo nível da linha férrea, para que eles possam atravessá-la com carros ou motos, visando facilitar o acesso às suas residências.

Questão judicial

Equipes de Engenharia da CBTU já realizaram um mapeamento dessas áreas de ocupação de risco e o encaminharam ao setor jurídico, com o intuito de assegurar determinações judiciais pela desocupação dos locais, tendo em vista os casos em que esta não possa ser acordada de maneira pacífica, por meio de diálogos e notificações da companhia junto à população.

De acordo com Othomagno, houve situações em que equipes da CBTU chegaram a ser ameaçadas com armas brancas e até armas de fogo por moradores desses lugares. “Sobre a pessoa que se viu no direito de erguer sua casa dentro da faixa de domínio, nossa equipe de segurança vai até o local para notificá-la da irregularidade, dando a ela o prazo para que desmobilize aquilo, em função de todas as questões de segurança. Mas o cidadão acha que ele tem direito de construir a casa ali, porque é um flagelo social”, relata o gerente operacional da entidade, adiantando que algumas dessas áreas já foram desapropriadas, conforme decisões da Justiça — como uma região próxima à PB Truck Center, em Cabedelo, que foi alvo de ação nesta semana.

Para solucionar o problema, Othomagno avalia ser necessário conscientizar as comunidades, o que, segundo ele, a CBTU tem buscado permanentemente, por meio de campanhas informativas. “Nosso trecho [ferroviário], hoje, é de 30 km. Segregá-lo todo, no espaço urbano, construindo uma barreira, seria muito complicado, impediria moradores de transpor as vias. Em algumas áreas, como na Estação Jardim Camboinha, fizemos isso e, mesmo assim, comerciantes usaram a mureta de contenção como parte de suas estruturas, de seus pontos comerciais. Então, realmente, a gente precisa contar com a educação e conscientização das pessoas”, frisa.

Acidentes preocupam sindicato e moradores

Segundo o presidente do Sindicato dos Ferroviários da Paraíba (Sintefep), José Cleófas, o problema das ocupações às margens da linha férrea é antigo, e ele lembra que, entre as ocorrências mais recentes, há cerca de um ano, houve um acidente com uma idosa nas proximidades da Estação Jacaré, em Cabedelo.

Muro
Para o presidente do Sintefep, José Cleófas, problema das invasões é antigo e poderia ser solucionado se todo o trecho ferroviário fosse murado

“Isso é um problema grave, sobre o qual a CBTU já deveria ter tomado providências há muito tempo. O trem já passa por lá [na Estação Jacaré] mais devagar, para evitar acidentes. Há invasões ainda mais antigas, como no Róger e próximo ao ferry boat que vai para Lucena. Aí, a gente se pergunta: como a CBTU deixou construir aquilo ali? É uma coisa complexa, que se arrasta há mais de 20 anos, esse problema das invasões”, pontua o presidente do Sintefep. Para evitar acidentes, em sua avaliação, todo o trecho ferroviário deveria ser murado.

Sebastião Assunção, residente em uma área destinada à faixa de domínio, no bairro do Róger, também relata ter testemunhado acidentes. “O pessoal solta animais, aí o trem vem e [os] pega. Já aconteceu com uns três ou quatro, que eu vi”, conta o morador, que diz ter comprado o terreno onde vive há oito anos, mas nunca ter sido alertado por autoridades sobre os riscos, apesar de percebê-los. “A gente não tem quintal aberto nem acesso pelo lado da linha, já para evitar acidentes”, acrescenta.

Já Adalberto Santana, morador da Comunidade do Plástico, em Cabedelo, afirma que famílias que habitam o local foram cadastradas para se mudar para um conjunto habitacional, restando-lhes apenas aguardar o recebimento das novas propriedades para desocupar aquele espaço. Habitante da área há 10 anos, ele informa que o terreno foi adquirido por sua avó, por meio de documento de compra e venda, mas se preocupa com os perigos que já presenciou, como um incêndio recente, provavelmente causado por curto-circuito, que atingiu vários barracos e deixou 10 famílias desabrigadas. “Isso foi no mês passado e disseram que neste mês a gente ia se mudar, mas até agora nada”, reclama.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa no dia 15 de agosto de 2024.