A análise e conjuntura da presença indígena no Ensino Superior da última década é o tema do 10º Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (Enei) que é realizado pela primeira vez na Paraíba. O evento começou ontem e segue até sexta-feira, na Aldeia Jaraguá, no município de Rio Tinto. A expectativa de público é de dois mil estudantes.
O tema deste ano pretende comparar a presença indígena no Ensino Superior na última década. De acordo com o coordenador do evento, Poran Potiguara, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes indígenas em permanecer no Ensino Superior duplicaram em virtude do governo Jair Bolsonaro. “A bolsa permanência para indígenas e quilombolas foi reduzida ao longo dos anos, no governo Bolsonaro foi cortada. Os estudantes indígenas ficaram quatro anos sem receber a bolsa permanência para se manter na universidade. Precisamos sair da nossa aldeia, muitas vezes, do nosso Estado para acessar o Ensino Superior. O primeiro impacto é o choque cultural com o mundo desconhecido”, frisou.
O evento é uma oportunidade para discutir a educação, pautando a diversidade de ser indígena e da educação inclusiva como no enfrentamento à realidade do racismo e desigualdades - Jadiele Berto
O Enei surge na perspectiva de discutir os impactos e possíveis melhorias no acesso e permanência dos povos indígenas. “Nós queremos estudar, pois também temos direito à educação”, disse Poran Potiguara.
O Governo do Estado é um dos parceiros do evento. Para a gerente-executiva de Equidade Racial da Secretaria da Mulher e Diversidade Humana (SEMDH), Jadiele Berto, o evento é um momento precioso para compartilhar experiências e discutir questões importantes para os povos indígenas. “O evento é uma oportunidade para discutir questões no âmbito da educação, pautando a diversidade de ser indígena e da educação inclusiva como no enfrentamento à realidade do racismo e desigualdades raciais estruturantes”, frisou.
A SEMDH tem o objetivo de orientar e executar políticas públicas para população negra e povos e comunidades tradicionais, inseridos nestes os povos indígenas, realizando de forma intersetorial, interseccional e transversal, com diversas secretarias e órgãos de governo a execução das políticas de promoção da equidade racial.
População indígena
Segundo o Censo 2022, Baía da Traição e Marcação concentram o maior número de indígenas na Paraíba. Conforme o levantamento, houve aumento no número de pessoas indígenas em 113 cidades. Entre as políticas públicas, a gerente-executiva cita o Plano Estadual de Promoção de Igualdade Racial(PlanePIR)- um instrumento de gestão pública com foco na promoção da igualdade étnico-racial, promovendo o enfrentamento às desigualdades resultantes do racismo e da intolerância religiosa.
Existem cerca de 70 mil estudantes indígenas no Brasil, destes 40% são de universidades públicas, segundo estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na Universidade Federal da Paraíba, 523 alunos indígenas estão com matrícula ativa.
Estudantes falam sobre desafios que enfrentam
O estudante de Ciências Sociais na Unicamp, Iaponã Guajajara, considera o Enei um espaço construtivo de política pública do povo indígena nas universidades e do ponto de vista científico. “O Enei dá ênfase a essas questões de traçar e trabalhar com a educação superior, além da estratégia de permanência nas universidades públicas. Ano passado o Enei aconteceu na Unicamp, este ano viemos prestigiar a organização do Enei Rio Tinto, este território nordestino que nos acolheu tão bem”, disse.
Iaponã Guajajara pontua que as universidades públicas precisam aprender com os povos indígenas. “Temos uma língua e cultura diferente, o sistema tenta nos oprimir, mas as universidades têm muito a aprender com os povos indígenas. A gente luta pela política de permanência, para que o dinheiro público seja aplicado de forma a garantir a formação no ensino superior. O Enei faz parte dessa luta”, declarou.
O Enei foi criado pela Universidade Federal de São Carlos( UFSCar) como forma de resistência entre os estudantes com o intuito de fazer intercâmbio cultural e também fortalecer os saberes tradicionais e científicos dos povos indígenas dentro do meio acadêmico. Hoje o Centro de Culturas Indígenas é formado por mais de 300 estudantes indígenas, na UFSCar já passaram mais de 62 etnias ao longo dos anos. Vieram quatro alunos indígenas da UFSCAR.
Além da valorização da pessoa idosa, o que me encantou no curso de Gerontologia foi a promoção dos direitos, políticas públicas em saúde no Brasil - Amanda Pankará
A estudante da UFSCAR, Amanda Pankará, 24 anos, será a segunda indígena a se formar em Gerontologia no Brasil. Atualmente, existem sete indígenas em períodos diferentes cursando este curso. “A Gerontologia é um curso encantador, que só tem em duas universidades federais do país. A Gerontologia tem uma visão muito parecida com a cultura dos povos indígenas, no sentido da valorização dos saberes tradicionais das pessoas idosas. A cosmologia dos povos indígenas é voltada aos saberes tradicionais dos nossos anciões. Além da valorização da pessoa idosa, o que me encantou no curso foi a promoção dos direitos, políticas públicas em saúde no Brasil”, disse.
Ela veio apresentar um trabalho acadêmico sobre estereótipos dentro da saúde indígena. “Durante a pandemia, a gente desenvolveu um quadro ‘Você sabia?’, onde a gente produziu conteúdo sobre determinada cultura. Durante a pandemia não interrompeu os trabalhos científicos e, ainda, conseguiu se fortalecer na universidade, diminuindo a evasão”, disse.
Este é o primeiro Enei de Andreia Gauto, estudante do segundo período de Zootecnia da Universidade Federal da Grande Dourado, no Mato Grosso do Sul. Ela mal entrou no curso mas já percebe as dificuldades a serem enfrentadas. “Só tem eu e outra indígena no curso de Zootecnia. Eu ainda estou em processo de adaptação, mas tenho percebido que é um curso meio elitista”, revelou.
A estudante do curso de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Furg), Cleomara Kingang, está participando do Enei pela primeira vez, mas é engajada em outras mobilizações no seu estado. Ela percebe que as dificuldades dos estudantes indígenas são parecidas, mas cada etnia tem suas peculiaridades.
“A gente criou o Coletivo da Região Sul. O processo seletivo dos povos indígenas na região Sul tem bastante acesso, porém percebemos que as instituições não garantem a permanência. O número de evasões tem sido muito grande, nossa luta não é apenas pela bolsa permanência mas também uma assistência estudantil das universidades, exemplo da casa dos estudantes perto das universidades”, disse Cleomara Kingang. Ela acrescentou: “Há também as peculiaridades de cada etnia, a exemplo da nossa língua materna kingang, em que os alunos só tiveram contato com o português apenas na Educação Básica”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 17 de outubro de 2023.