Criar um ambiente inclusivo, acolhedor e de respeito às diferenças no campo do trabalho, sobretudo para pessoas com deficiência (PCD), é um desafio enfrentado por empresas dos setores público e privado no Brasil e também na Paraíba. Um evento, com foco em empregabilidade de pessoas com deficiência visual ocorreu, ontem, nos turnos da manhã e da tarde no auditório do Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha (ICPAC), em João Pessoa.
“A realidade da empregabilidade para a pessoa cega e com baixa visão é ainda mais difícil do que para outras deficiências. Qual seria o motivo? Será que nós não temos pessoas capacitadas? Ou seria a falta de consciência e preconceito por parte das empresas da capacidade das pessoas com deficiência visual?”. Esse um é dos tópicos que o coordenador do setor de empregabilidade do ICPAC, Carlos Eduardo Kollet, levanta ao falar sobre a necessidade de se discutir a vida profissional e a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ele explica que parte do problema é o chamado “capacitismo”, termo usado para designar crenças que podem levar a práticas discriminatórias em relação a pessoas com deficiência.
"A realidade da empregabilidade para a pessoa cega e com baixa visão é ainda mais difícil do que para outras deficiências"
- Carlos Eduardo Kollet
A iniciativa de se pensar sobre o tema surgiu logo após a participação em outro evento que ocorreu nacionalmente sobre o mesmo tema, explica Carlos. “Nós fomos convidados a participar do evento da empregabilidade lá em São Paulo, por meio da Organização Nacional dos Cegos no Brasil (ONCB). Dentro desta organização, tem um programa chamado Ágora Brasil”. Carlos Eduardo acrescentou que este é um programa específico voltado para pessoas com deficiência visual no Brasil.
O encontro foi divido em dois momentos. Pela manhã, por meio da mediação de Carlos Eduardo, aconteceu o debate “Despertando Potenciais”, com a equipe do ICPAC e jovens protagonistas, apresentando casos de sucesso no país. Já pela tarde, os participantes realizaram o workshop de autodesenvolvimento e comunicação, com o neurocomunicador e palestrante Ricardo Gomes.
Uma das participantes do evento foi a Jovem Aprendiz Emilly Rodrigues, de 20 anos, que trabalha no próprio instituto que a acolheu há um ano. Recentemente, ela recebeu também o convite para fazer parte da Secretaria de Jovens da ONCB, que articula jovens de todas as regiões do Brasil. “Estamos, atualmente, desenvolvendo um projeto, por exemplo, de um Instagram acessível, pensando em tecnologias que possam se aproximar mais das PCDs”, conta.
Emilly também é estudante de História na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e conta que tem colocado em prática muita coisa que faz parte do seu cotidiano. “Teve uma disciplina que tive que criar um plano de aula e levar para os colegas. Então, a ideia que tive foi de criar um plano acerca das pinturas rupestres, com imagens em 3D para que as pessoas pudessem ler as imagens”. Como resultado deste plano de aula, toda a turma da aluna foi ao instituto realizar uma aula expositiva para que os demais compreendessem também o cotidiano das pessoas cegas ou com baixa visão.
Exemplo
A professora Luzia Domiciano passou toda sua vida, praticamente, vinculada ao ICPAC. “Aqui é o lugar em que estudei e consegui me formar. Hoje, sou professora de uma escola em Bayeux”. Ela conta que, desde 1991, o instituto faz parte de sua história. Foi assim que ela conseguiu aprender de que modo se posicionar na sociedade para exigir seus direitos, respeito e acessibilidade.
No entanto, ela contou que, na prática profissional, deparou-se com muitos obstáculos. “A escola e a universidade nos trazem uma teoria muito bonita, mas, quando chega no âmbito do colégio, a gente vê que não é bem assim e, por isso, precisa mudar a estratégia e metodologia de ensino”.
Ela ainda conta que começou a trabalhar para criar uma rede de compartilhamento de saberes com os alunos e demais profissionais na escola, com isso, as pessoas começaram a criar outra visão de mundo. “Hoje em dia é diferente, eu chego na escola e as crianças me abraçam e acabaram criando um senso de responsabilidade, inclusive em me conduzir para sala, embora eu não precise”.
Valéria Carvalho, presidente do ICPAC, explica que a militância para a mudança da mentalidade da população, em geral, é um dos pilares da instituição, que já existe há 80 anos na Paraíba. “As pessoas com algum tipo de deficiência visual são as que menos têm acesso ao mercado de trabalho. E não é por falta de qualificação, mas porque o mercado tem dificuldade em absorver por preconceito ou por não saber como acessibilizar alguma situação que apareça. Isso é preocupante”. Ela ainda enfatiza o fato de que o cenário do setor privado é mais complicado.
Já no setor público, Valéria destaca como os concursos públicos, como o realizado por Luzia, são importantes para garantir que pessoas com deficiência possam acessar o mercado de trabalho. “No Instituto, nós temos uma parceria com o Governo do Estado, por meio do Detran, e são 111 pessoas empregadevido a este governo”. A gestora aproveitou para parabenizar o governo e a superintendência do Detran pelo programa, pois cria a possibilidade de inclusão social. Ela ressalta que há a possibilidade de um convênio também com a Cagepa que ainda está em discussão.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de dezembro de 2024.