Notícias

“trabalho escravo”

MTE resgata 36 paraibanos em JP e Mamanguape

publicado: 12/12/2024 08h49, última modificação: 12/12/2024 08h49
Grupo não contava com carteira assinada, férias, descanso remunerado e estava sujeito a riscos
1 | 2
Em João Pessoa, 23 trabalhadores foram resgatados de obras de pavimentação de calçadas públicas | Foto: Vivi Zanatta/Estadão
2 | 2
Atividade era exercida em feiras livres e mercados públicos | Foto: Vivi Zanatta/Estadão
trabalho escravo - Divulgação-MTE.jpeg
Crianças © VIVI ZANATTA_Estadao Conteudo.jpg

por Redação*

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizou duas ações na Paraíba que resultaram no resgate de 36 trabalhadores em condições análogas à escravidão e na retirada de 111 crianças e adolescentes da situação de exploração de trabalho infantil. Em ambos os casos, além da identificação do crime, medidas protetivas foram aplicadas para defender as vítimas. 

Durante a operação referente ao trabalho infantil, os auditores fiscais do trabalho identificaram crianças e adolescentes, com idades entre sete e 17 anos, desempenhando atividades classificadas como algumas das piores formas de trabalho infantil, conforme o Decreto nº 6.481/2008 (Leia mais no quadro).

Escravidão

A ação do MTE, relativa ao resgate de trabalhadores atuando em situação análoga à escravidão, identificou vítimas nos municípios de Mamanguape e João Pessoa. Na primeira cidade, 13 trabalhadores resgatados atuavam em uma pedreira, utilizando ferramentas manuais primitivas e estavam expostos a condições degradantes de trabalho. Eles não tinham registro em carteira de trabalho, não realizavam exames médicos ocupacionais e eram remunerados exclusivamente por produção, sem acesso a direitos trabalhistas, como 13º salário, férias ou descanso remunerado.

Já na capital paraibana, 23 trabalhadores foram resgatados de obras de pavimentação de calçadas públicas, também expostos a riscos de acidentes e em situação de total desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalho.

As condições nos alojamentos fornecidos pelos empregadores eram igualmente precárias. Os trabalhadores dormiam em locais superlotados, no chão, com colchões improvisados, sem móveis e em ambientes insalubres. A água consumida era armazenada de maneira inadequada e compartilhada sem qualquer tipo de filtragem, o que comprometia ainda mais as condições de higiene e saúde.

O trabalho do MTE fiscalizou, no total, 13 estabelecimentos nos estados da Paraíba e de Pernambuco, e em três deles foram identificadas condições análogas à escravidão. Entre os locais inspecionados, estavam uma pedreira e obras de urbanização de calçadas e vias públicas. A operação envolveu 180 trabalhadores, dos quais 107 estavam sem registro na carteira de trabalho (CTPS).

A operação, coordenada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), envolveu inspeções nas áreas rurais e urbanas dessas cidades. A ação contou com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública da União (DPU) e da Polícia Federal (PF).

Medidas adotadas

Três menores de idade foram retirados de atividades proibidas, sendo um deles resgatado do trabalho rural e dois das obras de pavimentação. Esses menores estavam expostos a condições inadequadas e perigosas, em violação às normas que combatem o trabalho infantil.

Os trabalhadores resgatados têm direito a três parcelas do seguro-desemprego especial e receberam apoio da Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo da Paraíba (Coetrae-PB), além de contar com assistência dos órgãos municipais responsáveis pela proteção social e pelos direitos trabalhistas.

A coordenadora do GEFM, auditora fiscal Gislene Stacholski, informou que os empregadores foram notificados para regularizar os vínculos trabalhistas e  pagar as verbas rescisórias, além das contribuições sociais devidas. Cerca de R$ 183 mil foram pagos em verbas rescisórias, e Termos de Ajuste de Conduta (TACs) foram firmados com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para garantir o cumprimento das obrigações legais e evitar novas infrações.

Crianças enfrentavam jornadas exaustivas

A ação do MTE relativa ao resgate das 111 crianças e adolescentes vítimas do trabalho infantil ocorreu nas feiras livres e nos mercados públicos das cidades de João Pessoa, Campina Grande e Bayeux.  Em muitos casos, as vítimas enfrentavam jornadas de trabalho exaustivas que começavam ainda de madrugada.

De acordo com a equipe de fiscalização, as crianças e adolescentes estavam envolvidos em atividades como a venda de produtos ao ar livre, carregamento de mercadorias e manuseio de instrumentos perfurocortantes. Eles estavam expostos a condições extremas, como a radiação solar e a chuva, além de realizar esforços físicos intensos, o que aumentava os riscos de acidentes graves, como ferimentos, mutilações e atropelamentos.

No Mercado Público de Bayeux, foram encontradas uma menina de sete anos, vendendo verduras, e outra de onze anos, envolvida no corte e venda de frangos. Ambas estavam executando atividades classificadas entre as piores formas de trabalho infantil, conforme os itens 73 e 81 da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Decreto nº 6.481/2008), que proíbem o trabalho infantil em logradouros públicos e o manuseio de instrumentos cortantes.

Direitos

No intuito de garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, a auditoria fiscal do Trabalho encaminhou os dados dessas crianças à rede de proteção, para que sejam incluídas em políticas públicas voltadas para a assistência social, saúde e educação. Já os adolescentes a partir de 14 anos serão direcionados a programas de aprendizagem profissional, os quais oferecem qualificação, experiência prática em ambientes de trabalho seguros e protegidos, além de assegurar o cumprimento de todos os direitos trabalhistas e previdenciários.

O auditor fiscal do Trabalho, Eugênio Marques, membro da Coordenação Nacional de Fiscalização do Trabalho Infantil, destacou que a situação observada nas feiras fiscalizadas é recorrente, com muitas crianças e adolescentes envolvidos em atividades como o carregamento de mercadorias em carros de mão, trabalho em açougues públicos e venda de produtos em barracas, frequentemente sem a presença dos pais. Além disso, foi constatado que vários adolescentes estavam fora da escola, o que agrava ainda mais os danos ao seu desenvolvimento pessoal e educacional.

“A Auditoria Fiscal do Trabalho busca, por meio de ações planejadas e de uma atuação articulada, construir soluções permanentes e sustentáveis, evitando o retorno das crianças e adolescentes a situações de exploração do trabalho infantil”, explica Eugênio Marques.

 - Como denunciar?

Dados oficiais sobre ações de combate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil estão disponíveis no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. As denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo Sistema Ipê.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de dezembro de 2024.