Em João Pessoa, a obra de contenção das águas do mar no final da Av. Cabo Branco, inaugurada ontem, aponta para uma problemática que a população da capital conhece há muito tempo: a erosão costeira. Essa não é uma questão apenas da capital, mas também de outros oito municípios que compõem a costa paraibana - Pitimbu, Conde, Cabedelo, Lucena, Rio Tinto, Marcação, Baía da Traição e Mataraca. Para realizar ações coordenadas e baseadas em critérios técnicos e científicos para a proteção da costa e a mitigação dos impactos da erosão na região, os nove municípios assinaram ontem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público Federal (MPF) e o Governo do Estado.
"É muito importante ter um planejamento das ações com suporte científico, mas é extremamente importante combinar essa execução de médio e longo prazo com medidas emergenciais"
- Fábio Medeiros
Assinaram o documento o procurador da República do Meio Ambiente, João Rafael Lima, o procurador geral do estado, Fábio Medeiros, o secretário de Patrimônio da União, Giovanni Marinho, e prefeitos e prefeitas dos nove municípios litorâneos, com testemunho da secretária de estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Rafaela Camaraense, e do diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep), Rômulo Polari Filho.
Para o procurador João Rafael Lima, foi um dia histórico. “Anteriormente, o MPF conseguiu realizar um acordo com o Governo do Estado, que se comprometeu a investir cerca de R$ 10 milhões na pesquisa científica, no diagnóstico da erosão costeira do estado. Essa é uma medida inédita na história do nosso país e esse diagnóstico será feito por dezenas de doutores de várias instituições de ensino superior. Vai subsidiar decisões sobre tipos de intervenção que devem ou não ser feitas nas diversas praias da Paraíba. Consequentemente, não teria sentido todo esse investimento, todo esse esforço inicial do MPF, se os municípios, que vão ser beneficiados com os estudos, não se comprometessem em ter respeitado esses estudos, em esperar o resultado, em debatê-los”, explicou Lima.
Estudo deve ser concluído em 18 meses e irá ajudar gestores a implantar ações que reduzam erosão costeira
Acordo
Segundo o documento, as prefeituras concordam em seguir as orientações e indicações do diagnóstico ambiental da área costeira paraibana a ser produzido, em um prazo de 18 meses, pelo Programa Estratégico de Estruturas Artificiais Marinhas da Paraíba (Preamar). A área diagnosticada envolverá desde 500 metros antes da beira do mar, na extensão de praia, até o ponto no qual a profundidade do mar é de 50 metros, envolvendo, portanto, tanto o ambiente marinho como o ambiente terrestre. Esse é um esforço inédito no Brasil, em que há uma disposição coordenada entre as prefeituras de toda a região costeira de um estado em trabalhar para reduzir os impactos e a mitigação das erosões.
O procurador geral do estado, Fábio Medeiros, reforçou a importância da atuação a médio e longo prazo. “É muito importante ter um planejamento das ações com suporte científico para que as decisões sejam tomadas com base em análises científicas, mas é extremamente importante combinar esse planejamento e execução de médio e longo prazo com medidas emergenciais, urgentes, que demandam uma atuação mais efetiva do poder público. Certamente é uma grande iniciativa, o governador João Azevedo já externou que o governo do estado, através, principalmente da Cinep, da Sudema, da Secretaria de Meio Ambiente, está integrado a esse projeto, nesse estudo e no que for preciso”, frisou Medeiros.
Quem descumprir acordo será multado
Caso as prefeituras descumpram o acordado, serão aplicadas multas como forma de sanção. Essa atuação em conjunto é de suma importância, uma vez que, nesses casos, as ações realizadas em uma cidade podem afetar diretamente o meio socioambiental de outras praias e municípios ao redor
Um dos prefeitos presentes foi o de João Pessoa, Cícero Lucena. Ele apontou a necessidade dos esforços conjuntos, mas também das responsabilidades de cada gestor e gestora. “É preciso que a tecnologia esteja presente na busca de um processo que todos nós sabemos que a cada dia está avançando, e que não vai aguardar a boa vontade de quem, eventualmente, seja o gestor. Essas decisões, sendo embasadas nas questões técnicas, são fundamentais para que cada um faça o seu papel. Fico feliz em participar deste ato e que cada um faça sua parte de forma eficiente”, pontuou Cícero.
Diagnóstico
O diagnóstico ambiental a ser desenvolvido prevê levantamentos sobre geomorfologia, serviços ecossistêmicos, pesca artesanal e esportiva, sítios arqueológicos subaquáticos, uso e ocupação do solo, populações tradicionais, turismo e aspectos socioeconômicos. Entre os produtos gerados pelo diagnóstico estão a geração de mapas de vulnerabilidade costeira, indicação de possíveis intervenções na zona costeira, subsídios para planos de manejo de unidades de conservação (UCs), base para licenciamentos ambientais e contribuição para o gerenciamento costeiro integrado (CGI).
Saiba Mais
O TAC prevê que as prefeituras podem indicar representantes para acompanhar o andamento do diagnóstico a partir do Painel Científico/Comitê de Acompanhamento Costeiro, em reuniões trimestrais, que ainda terá a participação de especialistas em questões ambientais, de professores indicados pelo Preamar, da Superintendência Regional da Secretaria do Patrimônio da União na Paraíba (SPU), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outros órgãos e instituições.
Tais produtos permitirão aplicações no gerenciamento costeiro integrado, como mapeamento de vulnerabilidades, mitigação dos processos erosivos atualmente em curso, planejamento espacial costeiro-marinho e indicações de intervenções e infraestruturas ulteriores na orla e plataforma continental.
“Todos os municípios costeiros são conectados do ponto de vista ocenográfico. Se você faz uma intervenção em um município no Sul, vai ter consequência lá no Norte. Então, a gente tem que olhar de uma forma integrada todo esse processo. Para isso, a gente está avaliando tanto o meio físico, a parte sedimentologia, hidrodinâmica, transporte de sedimentos, do ponto de vista biológico, analisando toda biodiversidade. Uma intervenção não tem apenas impactos no meio físico, na parte da areia, mas também tem do ponto de vista biológico, socioeconômico. Tem que se pensar nas atividades pesqueiras, saber o que está chegando, fazendo monitoramento do desembarque, o turismo também é muito importante. Todo esse conjunto de informações tem que ser avaliado e pesado, diante de cada proposta técnica de intervenção que for discutida ao longo desses painéis científicos”, explica coordenador do Preamar, Claudio Dybas.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de março 2024