Na penumbra, sob a luz da lua, histórias assombradas ganham vida e todo mundo tem uma para contar — seja uma lenda antiga, que ouviu dos amigos ou pais, ou uma experiência própria, com figuras humanas, vultos e sons fantasmas. Nos lugares mais antigos da Grande João Pessoa, como o Theatro Santa Roza, no Centro, e a Fortaleza de Santa Catarina, em Cabedelo, esses avistamentos surgem com frequência, e se tornam parte da história local e da cultura popular.
Fantasmas em teatros são história comuns no cotidiano dos frequentadores, que chegam a afirmar que todo teatro tem os seus fantasmas. Inaugurado em 1889, o Santa Roza é um dos teatros mais antigos do Brasil, e suas paredes, revestidas com madeira de pinho, testemunharam uma série de acontecimentos históricos do estado, como a assembleia que constituiu a bandeira da Paraíba e uma série de apresentações do Modernismo paraibano, movimento artístico e cultural da década de 1920. Além de peças, consertos, apresentações de dança e musicais, o teatro também é palco para algumas histórias de fantasmas, narradas por faxineiras e vigilantes, que permanecem no Santa Roza, quando as cortinas se fecham e os holofotes se apagam.
“Trabalhei por 30 anos no Theatro Santa Roza, e lá a gente escuta falar muito sobre assombrações, coisas que aparecem e ninguém explica”, conta Penha Barreto, que trabalhava na limpeza do teatro. “Os vigias estavam sempre falando sobre como o piano tocava à noite. Quando eles iam olhar, o piano estava coberto e fechado, mas quando se afastavam, eles ouviam alguém tocando. Eu mesma tenho uma história, de um fantasma que vi com uma amiga”, afirma.
Penha lembra, ainda, que, enquanto limpava o palco à noite, se deparou com uma mulher de branco, sentada na última fileira da plateia. “Eu só vi por um segundo, achei que era impressão, que não era nada. Mas a minha amiga me chamou e apontou, e disse ‘Penha, tem uma mulher ali’. Eu neguei, falei que não tinha mulher nenhuma. Minha colega insistiu e eu quis ir lá para ver, mas ela não deixou. Fomos para a coxia [corredor no entorno do palco, nos bastidores], mas resolvemos voltar para ver e a mulher não estava mais lá, nem para os olhos da minha amiga e nem para os meus”, contou.
O vigilante Edvando Gonçalo trabalha no teatro há mais de 12 anos. Ele lembra, especialmente, de uma noite de quinta-feira, quando foi acordado, por volta das 3h, por um único som alto e desafinado vindo do piano. Sozinho, ele levantou com cuidado e começou a procurar por um possível invasor. “À noite, sem luzes acesas, tudo é muito esquisito. Eu andei por entre as cadeiras vendo vultos, e pensei em sair do teatro e ficar lá fora, esperando até outra pessoa chegar. Mas quando fui até a porta, vi uma mulher toda de branco encostada lá, perguntando se podia entrar”, declarou.
Mulheres de branco são personagens recorrentes das histórias de terror. Na Paraíba, o Theatro Santa Roza não é o único lugar onde uma jovem é vista vagando à noite, usando um vestido alvo de modelo antigo. Na Fortaleza de Santa Catarina, em Cabedelo, a tal “mulher de branco” tem nome e sobrenome: Branca Dias, uma senhora de engenho que era judia, nascida em Alhandra e condenada durante a inquisição portuguesa.
De acordo com a professora de artes Mariêta Rezende, Branca teria sido capturada e morta após não corresponder aos sentimentos de um homem poderoso da época. “A lenda da mulher de branco da fortaleza é associada à Branca Dias, que teria sofrido uma morte violenta e acabou se tornando uma assombração, que aparece nas noites de lua cheia. Algumas versões dizem que ela sai da fortaleza para procurar pelo noivo, um homem chamado Augusto Coutinho, morto no Convento de São Francisco”.
Mas, há mais de um histórias sobre Branca. “Outras versões contam que Branca vagaria pelas proximidades do poço dentro da Fortaleza de Santa Catarina, normalmente avistada por homens”, ressalta. A lenda é impulsionada por um quadro de aparência macabra e melancólica exibido no forte — uma mulher alva vestida de branco, caminhando pela fortaleza enquanto é observada das sombras por um rosto masculino. Mariêta explica que o quadro foi pintado “em 1992, pela artista plástica de Cabedelo, Bela Santiago. Não é a Branca Dias, mas a associação é feita entre as histórias das duas”.
Para a paraibana Gabriella Pereira, esses avistamentos são “coisas do inconsciente mesmo. A gente escuta as histórias, fica impressionado e vê coisas que não estão lá de verdade. Mas, mesmo assim, às vezes não dá para evitar o friozinho na barriga. Minha irmã adora procurar essas coisas, então, ela está sempre me contando histórias e me chamando para ir até os lugares com fama de assombrados. Eu nunca vi nada, mas ela jura que já viu um fantasma no Cemitério Boa Esperança”, falou.
Giovanna, que é irmã de Gabriella, conta que estava com a família, visitando a lápide dos avós, quando viu um homem muito magro, parecendo triste, caminhando por entre os túmulos. “Eu não liguei muito na hora, mas ele continuava por ali, dando voltas. Daí eu apontei para a Gabi, e ela disse que não estava vendo nada. Pensou que eu só estava tentando assustar ela, mas eu continuei vendo, mesmo depois de parar de insistir. Meus pais também não viram nada”, recorda.
Gabi não acredita em fantasmas, mas acredita em avistamentos. “Acho que as pessoas veem o que esperam ver quando estão tensas ou assustadas. Acho mesmo que a Giovanna só estava tentando me assustar, mas ela não é a única com uma história de fantasma. Então, não importa se eles são ou não de verdade. Nós contamos muitas histórias, e, reais ou não, a dúvida a respeito do sobrenatural meio que faz parte de quem somos”, finalizou.
Relatos em fortaleza foram convertidos em roteiro turístico
Histórias de fantasmas realmente despertam um certo fascínio nas pessoas — seja pela crença, pela dúvida ou por um interesse curioso. Por isso, existe uma modalidade de turismo conhecida como Dark Tourism, Turismo Macabro ou Assombrado, que utiliza o imaginário popular para beneficiar o desenvolvimento econômico de um município.
A Fortaleza de Santa Catarina, que abriga a história de Branca Dias, faz parte de uma rota cultural de turismo assombrado. O projeto, que é pioneiro no estado da Paraíba é intitulado “Lendários e os Mistérios da Fortaleza de Santa Catarina”, noites de teatro e dança que utilizam a arquitetura da fortaleza para contar histórias populares de forma intimista. Por segurança, os espetáculos foram interrompidos durante a pandemia de Covid-19. Este ano, os diretores do espetáculo, Vera Simões e Igobergh Bernardo, contam que a expectativa de todos é retomar as apresentações.
Vera Simões é pesquisadora em Planejamento Sustentável do Turismo, e atua na Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) de Cabedelo. Ela explica que “geralmente, os espetáculos são realizados em outubro e no começo do ano, sempre durante à noite, utilizando apenas os recursos naturais e as belezas arquitetônicas desse incrível patrimônio histórico para criar um universo místico e singular. O roteiro utiliza lendas do imaginário popular da região, como a Mulher de Branco e a Cumadre Fulôzinha para proporcionar uma experiência diferenciada, curiosa e arrepiante na Fortaleza de Santa Catarina”, enfatizou.
O projeto é uma parceria entre a Fundação Fortaleza de Santa Catarina, a Prefeitura Municipal de Cabedelo, o Sebrae Paraíba, o grupo de teatro e pesquisa Lendários e a Rede Criativa Cabedelo. O espetáculo é produzido por Vera Simões e Igobergh Bernardo, e a Companhia de Dança Municipal de Cabedelo também contribui com as noites de turismo assombrado.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 7 de maio de 2023.