As noites de fevereiro em João Pessoa são quentes. Mas quando chega a Quarta-feira de Fogo, a noite ferve na temperatura perfeita para os foliões das Muriçocas do Miramar. Há 38 anos é assim e, hoje, mais uma vez uma multidão vai descer a Avenida Epitácio Pessoa conduzida por seis trios elétricos puxados pelo homenageado do ano, Chico César, além de Fuba, Juzé, Madú Ayá, Capilé e Raí Saia Rodada. A concentração para o maior bloco da capital está marcada para acontecer a partir das 19h com apresentação de grupos de maracatus e orquestras de frevo. Já os trios iniciam a descida na Via Folia às 21h30, quando uma questão em particular vai poder ser respondida: Como o bloco se mantém por tantos anos como símbolo da identidade de uma cidade?
Esse é um processo curioso. As mudanças pelas quais a cidade de João Pessoa passou em quase quatro décadas impressionam mesmo aqueles que nunca saíram da capital. Mesmo com tantas transformações no espaço urbano e no perfil social da população, nada muda o fato de serem as Muriçocas o epicentro da expressão cultural e popular dos pessoenses. Uma realidade que intriga até mesmo foliões que foram a todos os desfiles do bloco, desde 1986, como é o caso do psicólogo clínico e escritor Nelson Barros.
“Talvez isso seja um reflexo da força muito grande que o Carnaval tem na cultura desse país. Como João Pessoa era uma cidade que não tinha tradição de Carnaval antes das Muriçocas, o Carnaval daqui era muito pequeno, muito pobre. E isso se deu de forma intuitiva, trazendo esse Carnaval para uma semana antes. Isso criou uma identidade de Carnaval na cidade em um processo de resistência muito interessante e também muito significativo de como esta é uma festa genuinamente brasileira e querida por todos”, acredita o pernambucano de Belo Jardim, radicado na Paraíba há cerca de 40 anos.
Nelson Barros tinha 23 anos quando aceitou o convite da escritora e uma das fundadoras do bloco, Vitória Lima, para se juntar a um grupo de cerca de 30 pessoas levados por um jumento e uma carroça carregando caixas de som tocando frevo pelo bairro do Miramar. Era uma forma dos adultos se divertirem depois de um aniversário infantil. “A gente saiu pelo bairro, cantando, tocando música de Carnaval, e essa foi a primeira vez. Nesses 38 anos eu nunca faltei a nenhum desfile das Muriçocas. Quando vejo o tamanho e a dimensão que isso tem hoje, é uma grande surpresa, porque realmente era uma brincadeira. E é impressionante imaginar no que aquela brincadeira se transformou”, conta o folião.
Esse ano, Nelson Barros vai manter a tradição. Antes de cair na folia, vai pedir a bênção a Vitória Lima, a muriçoca rainha de 77 anos, e depois seguir para a concentração onde estará fantasiado com muitas folhas e verde em uma homenagem à Amazônia. Nada melhor para atrair ainda mais muriçocas. O nome do bloco, inclusive, vem de um poema escrito por Vitória Lima. “Miramar dos jambos / das palmeiras, mangas - rosa e espada - / cocos, cajus, pinhas, flores, / passarinhos, / muriçocas - ah, das muriçocas de Miramar, / livrai-nos, Senhor!”.Ninguém se livrou das muriçocas, que só se multiplicaram com o passar dos anos, e até a origem do nome do bloco ajuda a entender como ele se consolida na cultura da cidade.
É o que acredita a cara mais identificada com o bloco, o Mestre Fuba. “É uma questão de resistência e também pelo fato de as Muriçocas terem entrado na consciência coletiva da cidade, sabe? Acho que o hino contribuiu muito para isso também. Quando você canta ‘João Pessoa sonha…’, você está criando uma autoestima para a população”, acredita Fuba, que compôs em um dia a música que todo pessoense sabe cantar. Mesmo que o bloco nunca tenha ampliado o itinerário de seu desfile “de Tambaú ao Rio Sanhauá”, é a cidade como um todo que ele evoca.
“As Muriçocas são a ‘mãe’ de todo esse projeto que aflorou na cidade toda, no Folia de Rua. Ela tem essa importância cultural e por isso a gente faz questão de todo ano atrelar o bloco à cultura popular. Esse ano a gente vai sair com sete grupos de maracatu, 11 orquestras e Ala Ursas”, acrescenta. A importância que o bloco atingiu levou a ser declarado Patrimônio Cultural e Imaterial da Paraíba desde 2012. A sua realização é garantida por uma série de patrocínios que o fez se tornar independente do Folia de Rua que ele mesmo ajudou a criar. Na Quarta-feira de Fogo, nenhum outro bloco na cidade se arrisca a competir com as Muriçocas, e até as repartições públicas estaduais e municipais garantem ponto facultativo no expediente matinal do dia seguinte para que os funcionários aproveitem a festa.
Outra prova da preocupação em fazer das Muriçocas um movimento multicultural é a importância que o bloco dá para as artes plásticas. Todos os anos um artista local diferente fica responsável por produzir o estandarte do bloco. O estandarte deste ano ainda é mantido em segredo que só será revelado na hora do desfile. A arte é de Flora Santos, e vai se unir na avenida aos 37 já existentes. É cantando uma cidade que ainda sonha, que celebra seus poetas, músicos, artistas plásticos, e até suas nuvens de insetos, que as Muriçocas do Miramar provam que continuam sendo a cara da cidade que se orgulha de soltar seu canto secular há 38 anos.
Semob monta esquema de trânsito e transporte
A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob-JP) montou um esquema especial de trânsito e transporte para garantir a segurança viária aos foliões que vão brincar no Bloco das Muriçocas do Miramar, hoje. Serão 80 agentes de mobilidade que atuarão orientando, fiscalizando e monitorando a circulação de veículos na Via Folia, como também vai ter o reforço de ônibus extras para a ida e volta do evento.
O superintendente da Mobilidade Urbana, Expedito Leite Filho, disse que todo esquema foi pensado para proporcionar fluidez ao trânsito e reduzir os transtornos causados pelos bloqueios necessários para a montagem da estrutura na concentração na Praça das Muriçocas, o estacionamento dos trios elétricos e o deslocamento do desfile.
“As vias adjacentes e paralelas estão liberadas para o estacionamento e o trânsito local e indicamos como rotas alternativas as avenidas Beira-Rio e Rui Carneiro para deslocamento dos condutores que quiserem evitar a região onde os festejos estarão ocorrendo. Para o folião que optar por deixar o carro em casa, nossa frota de ônibus vai ser reforçada com ônibus extras para atender os usuários que vão para a festa e na volta para casa”, declarou.
Bloqueio e desvios
A Via Folia, no trecho a partir da bifurcação com a Avenida Rui Carneiro e Av. Tito Silva, será bloqueada no sentido Centro-Praia a partir das 10h, com as equipes operacionais orientando o posicionamento dos trios elétricos. E às 18h, com o aumento da demanda de foliões, dar-se início as intervenções e desvios para o bloqueio total da Via Folia, incluindo a Praça das Muriçocas, com proibição de acesso dos veículos particulares e do transporte coletivo.
Transportes
As linhas que circulam na praia, 510 (Tambaú) e 507 (Cabo Branco), estarão com viagens extras de acordo com a demanda de usuários, antes e após a conclusão dos eventos.
As linhas 104,116, 120, 203, 301, 302, 303, 504, 507, 510, 602, 701, 1500 e 5100, que geralmente circulam até as 22h50, estenderão a operação e realizarão viagens até as 00h30, saindo do Terminal de Integração do Varadouro (TIV).
Além da operação normal, a Semob-JP determinou viagens extras após a meia-noite saindo do Terminal de Integração do Varadouro (TIV) e na área da praia, onde terão 10 ônibus disponíveis para atender a demanda de passageiros. Além dessa operação, as empresas estarão com reforço na frota e de operadores para atender eventuais solicitações.
Contatos
Para o usuário entrar em contato com a Semob para ocorrências urgentes fica à disposição o número 9 8760-2134 para receber mensagens e fotos por meio do Whatsapp e para informações sobre linhas de ônibus os números 3213-7156 e 3213-7157 (TIV).
Semam combate poluição sonora durante a folia
No Folia de Rua e durante os desfiles do Carnaval Tradicão a Prefeitura de João Pessoa, por meio da Divisão de Fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente, está atenta para coibir os abusos com relação à poluição sonora. Até o próximo dia 13 os técnicos da Semam trabalham em regime de escala, todos os dias, das 8h às 2h da manhã.
Os técnicos da Semam seguem um Plano de Trabalho que inclui servidores da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb), Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), Superintendência de Mobilidade Urbana (Semob), Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania (Semusb), Polícia Ambiental, Comitê Via Folia e representantes dos blocos do Folia de Rua.
O secretário de Meio Ambiente, Welison Silveira, lembrou que é Carnaval, mas nem por isso está liberada a poluição sonora. “Nós temos que entender que a festa ocorre em diversas áreas da cidade, inclusive nos bairros, onde temos pessoas que precisam descansar, ou porque estão trabalhando ou estão doentes. Nós temos muitas áreas mistas, que têm hospitais, residências e comércio e existe a legislação que precisa ser respeitada”, concluiu.
Foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público e os blocos podem desfilar até as 2h da manhã, com tolerância de meia hora. O chefe da Divisão de Fiscalização da Semam, Jocélio Araújo, destacou que os paredões estão proibidos. “Quem for flagrado com paredão terá o equipamento apreendido e será multado”, concluiu.
Poluição sonora
O Código Municipal de Meio Ambiente, por meio do Decreto nº 4.793, de 21 de abril de 2003, determina que a emissão sonora é permitida considerando a área. Por exemplo, se num determinado bairro temos casas e hospitais, essa área é considerada zona diversificada, onde é permitida a emissão sonora entre 50 e 65 decibéis. Para zona residencial é permitida a emissão de 45 a 55 decibéis e em zona industrial, de 60 a 70 decibéis. Para verificar as denúncias de poluição sonora os fiscais da Semam trabalham com o decibelímetro, equipamento que afere o som.
As denúncias podem ser feitas pelo telefone 3213-7012, pelo Disque Acácia, 3218-9208, que recebe denúncias por WhatsApp e ainda pelo aplicativo João Pessoa na Palma da Mão.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 07 de fevereiro de 2024.