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Homenagem a orixá será domingo

publicado: 06/12/2024 09h09, última modificação: 06/12/2024 09h09
Celebração começará amanhã, mas a tradicional caminhada ocorrerá no dia 8 e deverá reunir 100 mil pessoas
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Pai Gilberto coordenará a caminhada, que sairá do Palácio Xangô Alafim, em Cruz das Armas | Foto: Evandro Pereira

por Samantha Pimentel*

Reconhecida como patrimônio cultural imaterial da Paraíba e de João Pessoa, por meio de leis aprovadas nos âmbitos estadual e municipal, a tradicional Festa de Iemanjá acontecerá no próximo domingo (8), na capital paraibana, com a 31ª edição da Caminhada de Iemanjá. Os participantes sairão às 16h de Cruz das Armas em direção ao Busto de Tamandaré, entre as praias de Cabo Branco e Tambaú.

O evento, considerado um feriado municipal, deve reunir mais de 30 terreiros e cerca de 100 mil pessoas, integrando o calendário turístico do estado e ajudando na valorização da cultura afro-brasileira no combate à intolerância religiosa.

As comemorações já começarão amanhã, com a coroação de Iemanjá, onde integrantes de vários terreiros do município sairão em cortejo rumo à rotatória do Sesc Gravatá, no Valentina de Figueiredo, para coroar a divindade. Realizado por pai Eliado Silva, vice-presidente da Federação Paraibana de Tradições Afrodescendentes (FPTad), a concentração do evento começará às 17h e, além da coroação de Iemanjá, contará também com apresentações culturais, homenagens e falas de organizadores.

No domingo, a tradicional caminhada sairá do Palácio Xangô Alafim, na Avenida João Soares da Costa, 409, no bairro de Cruz das Armas, a partir das 16h, sob a responsabilidade do babalorixá pai Gilberto Cândido. Durante a concentração, será feito um cântico a Exú, e o cortejo segue em direção ao bairro de Jaguaribe, passando pelas avenidas Beira Rio e Epitácio Pessoa, seguindo até o Busto de Tamandaré, onde haverá um palanque montado para o evento. A chegada ao local está prevista para as 18h, e no espaço haverá apresentações dos terreiros participantes e show musical.

 

Início

O pai Gilberto, um dos organizadores da festa, conta que a caminhada começou há 31 anos, por iniciativa sua. Ele conheceu o candomblé ainda criança, quando começou a manifestar uma mediunidade, e seus pais procuraram ajuda para lidar com isso. Hoje, ele diz que é babalorixá há mais de 50 anos, e que a caminhada foi uma alternativa para enfrentar a intolerância religiosa. “Muita gente não vem à nossa casa, muita gente de outras religiões tem um imaginário negativo sobre as religiões de matriz africana. Então, eu fiquei pensando em como fazer alguma coisa, para sair na rua e mostrar às pessoas que não era nada daquilo. Foi quando surgiu a caminhada de Iemanjá”, relembra.

Na época, a caminhada saía pela manhã, mas, com o passar do tempo, o horário foi alterado e também outras pessoas e terreiros passaram a integrar o evento, que foi crescendo a cada ano. “Hoje,  sai uma multidão, sai carro alegórico com as pessoas representando os orixás, baianas de branco, trio elétrico, cânticos e som dos atabaques na via pública. É muito bonito, a rua fica lotada”, afirma.

A ialorixá mãe Renilda Bezerra, que também conheceu a religião ainda criança, diz que, na época, seus pais a levaram a um terreiro para tratar uma doença que os médicos não conseguiam curar. Hoje ela é responsável por um dos mais antigos terreiros do município de João Pessoa, fundado em 1973, e é presidente da Federação Independente dos Cultos Afro--brasileiros do Estado da Paraíba. Sobre a divindade, ela conta que Iemanjá é considerada pelas religiões de matriz africana como a mãe de todos os orixás.

“Ela é aquela mãe que representa o amor, a bondade, a vida, a saúde. Com esse contexto de uma mulher forte, ela consegue ser a mãe de todos os orixás do Panteão Africano — conjunto de divindades — e, depois de ser a mãe de todos os orixás, ela é a mãe de todos os filhos que estão dentro de um terreiro, independentemente de ela ser o orixá desta pessoa”, explica.

Segundo mãe Renilda, “Iemanjá também tem o dom de trazer harmonia às famílias. É um orixá da paz. Quem se pega com Iemanjá tem paz, tem amor, que é o mais importante. E ela também cuida da segurança das pessoas, tendo um olhar mais para as mulheres e as crianças”, conta.

Divindade faz referência a Nossa Senhora

Pai Gilberto comenta que, no dia 8 de dezembro, dentro do catolicismo, é festejado o dia de Nossa Senhora da Conceição, que também tem as vestes em cores azul e branco. Além de ser a mãe de Jesus, ela é considerada mãe do universo, como Iemanjá é considerada mãe de todos os orixás; daí foi surgindo essa relação com a data. “Porque antes os orixás se escondiam por trás dos santos da igreja católica. Os negros, em vez de dizer aos senhores de engenho que era a festa de Iemanjá, eles diziam que estavam festejando a Virgem da Conceição”, explica.

Sobre o costume de fazer oferendas aos orixás, ele conta que isso também veio de herança africana. Mãe Renilda diz que esse hábito também tem relação com o período da escravidão, quando a população negra foi liberta. “Nossos negros e negras saíram da senzala sem nada, jogados ao léu na rua. E por isso as mais velhas, muitas que ficaram trabalhando com os ‘senhores’, pegavam sobras de comida, de carne, milho, feijão e faziam comidas e deixavam em esquinas, à beira--mar, para, quando os negros passarem por lá, se alimentarem”, conta.

Ela diz que eram deixadas também bebidas, como a cachaça, para amenizar o frio. Quanto a Iemanjá, a história também mostra que os pescadores, não conseguindo uma boa pescaria, pediram à sereia do mar, que abençoasse aquela pescaria, prometendo homenageá-la por toda a vida caso isso acontecesse. Como a pescaria se tornava boa, eles decidiram festejar Iemanjá.

Além de bebidas, também fazem parte das oferendas perfumes, flores, sabonetes, joias, espelhos e outros itens. Mãe Renilda, porém, deixa uma orientação para que as pessoas não joguem as embalagens dos produtos ofertados no mar, poluindo o meio ambiente, mas que ofereçam o conteúdo dos perfumes ou da bebida, e levem de volta os recipientes para descartar em local adequado. A ialorixá também pede que, quem puder, leve 1 kg de alimento não perecível para as festividades, que serão recolhidos e doados para famílias carentes.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 06 de dezembro de 2024.