Notícias

Assédio Virtual

Mais de 60 denúncias são registradas

publicado: 15/05/2023 10h11, última modificação: 15/05/2023 10h46
Delegacia Especializada, em João Pessoa, tem uma média de 20 casos mensais; mulheres são maioria
1 | 3
Além das ameaças e importunação, as pessoas podem sofrer com estupro virtual, modalidade que cresce entre usuários de internet em todo o mundo - Foto: Freepik
2 | 3
De acordo com pesquisa da ONG Plan International, entre 500 brasileiras, 75% sofreram assédio virtual na internet; relatos são mais frequentes entre 12 e 16 anos - Foto: Freepik
3 | 3
Foto: Freepik
mulher-solitaria-assistindo-celular-na-cama-a-noite.jpg
mulher-chorando-enquanto-leitura-mensagem-ligado-cellphone.jpg
menina-adolescente-vitima-de-bullying-nas-redes-sociais.jpg

por Alexsandra Tavares*

Quando alguém ou um grupo de pessoas usam as tecnologias da informação e comunicação como ferramentas para importunar, intimidar, perseguir, ofender ou hostilizar terceiros, estão praticando assédio virtual. O delegado João Ricardo da Franca Júnior, da Delegacia Especializada em Crimes Cibernéticos, em João Pessoa, afirmou que, este ano, passou a receber uma média de 20 queixas dessa natureza por mês.

Com isso, de janeiro a março, a delegacia contabiliza cerca de 60 registros somente de assédio cometido no universo on-line. As denúncias que mais se destacam são as de pessoas que criam perfis falsos para cometerem crimes contra a honra.

“Eles criam perfis falsos para cometer difamação, injúria e calúnia contra as vítimas. Temos notado alguns focos específicos, que são aqueles voltados às escolas. Se cria um perfil falso de fofoca, aí o autor passa a mirar em determinados alunos, chegando a difamar, xingar, colocar fotos, e expor um ou mais estudantes”, explicou o delegado.

O impacto desses atos no cotidiano da vítima é tão intenso que algumas crianças e adolescentes se recusam em continuar indo à escola. Além do foco nas unidades de ensino de Ensino Fundamental e Médio, o delegado João Ricardo contou que também tem percebido a criação de perfis falsos para atingir médicos e professores de universidades.

Segundo ele, o universo virtual, que permite às pessoas expressarem práticas de má conduta e crimes mesmo estando a quilômetros de distância da vítima, dá uma sensação de “segurança” e “anonimato” para os autores da ação. Mas, na maioria das vezes, é mais fácil identificar o agressor no mundo digital do que na vida real.

“A pessoa pensa que, por trás de um perfil falso, nunca será localizada. Quando é justamente o contrário. É mais fácil localizá-la na internet do que no ambiente físico, porque tudo que é feito na internet deixa rastro. Pode acontecer de um dia ser mais difícil, outro mais fácil, mas sempre é possível a localização”, declarou João Ricardo.

O idealizador desses perfis falsos, de acordo com o delegado, costuma agir sozinho e tem idade menor que 18 anos. Ele explicou ainda que, apesar de não existir um tipo penal específico para o assédio no mundo on-line, a prática pode ser encaixada em vários crimes previstos na legislação brasileira. “O assédio virtual pode ser caracterizado como crime contra a honra ou até estupro virtual”, exemplificou João Ricardo.

O estupro, seja cometido na vida real ou virtual, não precisa necessariamente do toque físico para ser caracterizado. Dessa forma, o delegado enfocou que, se alguém, no universo digital, “forçar outra pessoa a fazer atos libidinosos, é caracterizado de estupro virtual”, ressaltou o delegado.

Casos crescem entre adolescentes e jovens

A advogada Fernanda Carvalho, com atuação na área cível e digital, afirmou que o assédio virtual vem crescendo no Brasil, sobretudo entre adolescentes e jovens. Vale lembrar que as mulheres são as vítimas mais frequentes. “No Brasil, com a expansão das redes sociais, com a ampla utilização do ambiente digital, essas práticas têm sido cada vez mais comuns, sobretudo entre jovens e mulheres”, afirmou Fernanda.

mulher-solitaria-assistindo-celular-na-cama-a-noite.jpg
Além das ameaças e importunação, as pessoas podem sofrer com estupro virtual, modalidade que cresce entre usuários de internet em todo o mundo - Foto: Freepik

Levantamentos realizados no país já se dedicam a trazer estatísticas sobre esse tipo de violência. Um deles é a pesquisa “Liberdade on-line? Como meninas e jovens mulheres lidam com o assédio nas redes sociais”, da ONG Plan International. No final de 2020, a pesquisa mostrou que das 500 brasileiras consultadas, 77% haviam sofrido assédio pela internet, enquanto a maioria das meninas afirmou ter enfrentado algum tipo de assédio no ambiente digital quando tinham entre 12 e 16 anos.

Fernanda Carvalho explicou que a semelhança entre o assédio virtual e o tradicional (cometido no ambiente físico) é que ambos são condutas abusivas, expressas por meio de palavras, comportamentos, escritos que causam danos à personalidade, dignidade, integridade física ou psíquica de um ser humano. O autor da violência pode utilizar tanto o próprio perfil, mostrando sua verdadeira identidade, ou perfis falsos, e até robô para disseminar a ação.

Algumas vezes, a vítima não percebe que está passando por uma experiência de assédio no mundo on-line, mas deve atentar para qualquer tipo de ameaça ou mensagem negativa que perturbem o seu sossego. O assédio virtual são mensagens ou manifestações realizadas no universo digital que causam danos à imagem ou personalidade do ser humano.

Segundo ele, uma das leis que pode ser acionada no caso de assédio virtual é a de no 12.737/2012, chamada de Lei Carolina Dieckmann, que trata da invasão de dispositivo informativo. Criada há 12 anos, a lei surgiu quando a atriz que nomeou a norma teve a intimidade violada quando um grupo de hackers invadiu o computador pessoal dela e divulgou imagens íntimas da jovem nas redes sociais. A atriz ainda chegou a receber ameaças de extorsões para evitar exposição.

Antes da lei, o fato de o invasor ter acesso às imagens alheias sem emitir ameaças ou chantagem à vítima não caracterizava crime, mas sim atos preparatórios. Atualmente, o infrator pode ser condenado à pena de reclusão, que varia três meses a um ano e multa (nos casos menos graves) ou de três meses a dois anos (nos casos mais graves), além da multa.

Vítimas podem buscar ajuda em diversos locais

 

mulher-chorando-enquanto-leitura-mensagem-ligado-cellphone.jpg
De acordo com pesquisa da ONG Plan International, entre 500 brasileiras, 75% sofreram assédio virtual na internet; relatos são mais frequentes entre 12 e 16 anos - Foto: Freepik

Qualquer pessoa que utiliza a internet está sujeita a ser vítima de ataques virtuais. A paraibana Bruna Santiago, pesquisadora e historiadora que, atualmente, faz doutorado no Sul do país, fica conectada cerca de 7h por dia. Somente em uma rede social, ela tem mais de 20 mil seguidores e entre as inúmeras mensagens que já recebeu, estão os assédios virtuais. Segundo Bruna, a experiência negativa já ocorreu mais de uma vez e trouxe prejuízos à vida da pesquisadora.

“Várias vezes, quando eu abri a rede social, homens tinham me enviado, sem qualquer autorização, fotos dos órgãos genitais deles. Isso é muito recorrente. Eles se sentem no direito de agir assim e eu já cheguei a expor algumas dessas pessoas, porque isso acabou sendo um método de conseguir intimidá-los”, declarou Bruna.

A estudante contou que considera essas experiências violentas, como ocorreu durante as Eleições de 2022. “Foi muito difícil, porque quiseram me desqualificar como intelectual e fizeram muita exposição com minhas fotos. Sofri ameaças dos bolsonaristas [eleitores de Jair Bolsonaro] falando que eu deveria morrer, me chamaram de marmita de bandido, além de outras coisas violentas”, contou.

Diante das várias agressões sofridas no meio virtual, ela disse que tentou se defender de várias formas, expondo os próprios autores da violência e buscando ajuda jurídica. Mesmo com apoio dos seus seguidores, ela relatou que ficou fragilizada psicologicamente.

No entanto, mesmo com o desgaste, ela reconhece a importância do espaço virtual e da postura combativa.

“Sou pesquisadora e militante, e não posso abrir mão disso, mesmo gerando esse lugar de vulnerabilidade em que estou exposta. Já há estudos não só no Brasil, mas em universidades de países como os Estados Unidos, que mostram que as mulheres negras e jovens em ascensão são as principais vítimas da violência virtual. Então, vejo que o que estou sofrendo, desde 2017, faz parte de um conjunto muito maior do intercruzamento do racismo com o sexismo que permeia a dinâmica das redes”, finalizou.

Para denunciar o assédio virtual, é preciso que a vítima tente reunir provas contra o autor da prática abusiva. Para isso, vale fazer captura de telas, ou seja, efetuar prints das mensagens ou imagens recebidas; salvar os áudios enviados pelo autor do ato, tentando registrar o máximo de provas de que está sendo alvo dessa prática.

“Essas iniciativas podem servir de prova em uma futura ação penal ou indenizatória por danos morais. Também é muito importante que as pessoas procurem as autoridades policiais para fazer o registro da ocorrência, relatando toda ação vivenciada”, explicou Fernanda Carvalho.

Ela enfocou ainda que alguns crimes cometidos no meio virtual são de ação pública condicionada, portando, o agressor só poderá responder caso a vítima ofereça representação. A denúncia pode ser feita com o ingresso de ação perante o Poder Judiciário, no âmbito cível ou penal.

“Qualquer delegacia tem o dever de fazer o Boletim de Ocorrência e, se por acaso, não for o tipo de crime recebido por determinada unidade, ela remete para a delegacia correta. A vítima ainda pode ligar para o 197 ou fazer o Boletim de Ocorrência on-line”, orientou o delegado João Ricardo.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 14 de maio de 2023.