Notícias

COLETIVIDADE

Moradores mudam o próprio entorno

publicado: 27/08/2024 08h52, última modificação: 27/08/2024 08h52
Em João Pessoa, praças, bosques e academias ao ar livre foram criados e são geridos pela população que os utiliza
parque.jpg

Eco Praça surgiu há seis anos, a partir do desejo dos moradores de intervir num terreno antes cheio de entulhos e criar um espaço verde | Foto: Carlos Rodrigo

por Samantha Pimentel*

Ruas, calçadas, praças e parques são espaços públicos de uso comum. Pertencem a todos — e a ninguém, em particular —, sendo destinados ao convívio das pessoas e ao desenvolvimento de atividades coletivas. É dever do Poder Público zelar e manter esses espaços, mas, em muitas situações, a população também pode intervir e, com esforços próprios, mudar e melhorar esse locais. Em João Pessoa, por exemplo, iniciativas que são fruto da organização popular já promoveram a arborização de terrenos e a criação de praças e de estruturas para a prática de exercícios físicos.

"Começamos com uma horta medicinal. Fomos ampliando, as crianças foram chegando, os pais também, e foi se criando uma relação"
- Jefferson Palmeira

Uma dessas experiências acontece no bairro Jardim Oceania, onde os moradores uniram forças em prol da criação da Eco Praça, revitalizando um espaço que antes estava sendo usado como depósito de entulhos. A iniciativa surgiu há seis anos, a partir do desejo dos moradores de intervir no ambiente e criar um espaço verde. É o que contou o morador Jefferson Palmeira: “Começamos aos sábados, fazendo a limpeza de um terreno público que estava abandonado, e plantamos uma horta medicinal. Fomos ampliando, fazendo brinquedos, balanço, escorrego... As crianças foram chegando, os pais também, e foi se criando uma relação com as pessoas”, disse.

Aos poucos, o espaço foi se expandido, com a plantação de árvores frutíferas e de plantas nativas, processo que levou ao fortalecimento do sentido de comunidade. “A gente estreitou laços e criou uma associação de moradores, experiência que considero uma tecnologia social, pois ela foi se expandindo para outras partes do bairro, que foram despertando para o pertencimento da área pública”, destacou.

Manutenção

No dia a dia, os moradores do Jardim Oceania se organizam para manter o espaço, além de haver uma contribuição mensal para custear despesas da associação. Conforme Jefferson, três ou quatro associados vão, diariamente, molhar as plantas da Eco Praça, no fim da tarde ou no início da noite. “No período chuvoso, não há tanta necessidade de rega, mas algumas árvores já cresceram bastante, então, precisamos sempre observar se há algum problema fitossanitário, fazemos as podas e também adubamos. No fim de semana — geralmente, no domingo pela manhã —, a gente faz um mutirão de limpeza, cuidados e zeladoria”, relatou.

Hoje a associação conta com cerca de 50 moradores, e, segundo ele, a experiência da Eco Praça levou à defesa da causa ambiental de forma mais ampla, na qual os moradores participam das discussões do Plano Diretor do município, do Código Ambiental, da proteção de áreas da cidade e do orçamento público, entre outros temas. A iniciativa também levou à realização de outras atividades. “Fizemos uma festa junina comunitária, um brechó, práticas de yoga... Temos também uma parceria com o IFPB de Cabedelo, para catalogar os pássaros que voltaram à região depois do replantio das árvores”, destacou.

Bosque das Corujas já tem cerca de 200 árvores

A experiência do Jardim Oceania inspirou outras iniciativas na região, como o Eco Bosque, a Nova Eco Praça e o Bosque das Corujas, que fica localizado no bairro do Bessa. Fábio Ferreira do Nascimento, um dos moradores responsáveis pela iniciativa do Bosque das Corujas, contou que tudo começou em 2020, durante a pandemia. “Peguei uma enxada e, com dois vizinhos, começamos a limpar um canteiro. Depois, chegou outro vizinho, que comprou uma roçadeira. De repente, veio outra vizinha. Aí, fizemos uma reunião. A partir de então, começamos a tirar entulhos, limpar, arrancar pedras, plantar... Para regar, pegávamos a água das nossas casas”, relatou.

Com a articulação dos moradores, eles conseguiram colocar uma caixa d’água, para facilitar o trabalho de rega das plantas; depois, perfuraram um poço — com a autorização do Poder Público — e, hoje, o espaço conta com cerca de 200 árvores plantadas, segundo Fábio. “Tudo foi feito com nosso dinheiro. Temos um grupo do WhatsApp e nos organizamos por meio dele. Pagamos limpeza, compramos bomba do poço, tudo com o que arrecadamos em cotinhas. Os moradores também começaram a fazer um revezamento para irrigar, principalmente no verão. E, assim, com os resultados aparecendo, o movimento foi crescendo, de boca a boca”, destacou.

Ele conta ainda que o espaço ganhou o nome de Bosque das Corujas devido à presença de famílias dessas aves, que já faziam ninhos no local mesmo antes da arborização. “As corujas buraqueiras estão ali há pelo menos 10 anos, sempre procriando. Por isso, o nome”, explicou. No início, de acordo com ele, foi bem difícil conscientizar o pessoal a não jogar lixo no local. “Os moradores começaram a denunciar pelo grupo do WhatsApp: ‘tem alguém jogando agora!’, então conseguimos coibir, e as coisas começaram a fluir melhor. E hoje é o que se vê, o bosque está de pé”, disse, orgulhoso. 

No Bessa, bosque protege ninhos de corujas buraqueiras e tem poço próprio, para a rega das espécies | Foto: Carlos Rodrigo

Exercícios físicos

Outra iniciativa da população que melhorou o espaço público foi realizada por um grupo de praticantes de calistenia — método de treinamento que utiliza o peso do próprio corpo para trabalhar força e resistência muscular. Segundo o profissional de educação física Yanko Medeiros, um dos espaços no qual a equipe dele montou alguns equipamentos para ajudar na prática desses exercícios foi a Praça da Paz, no bairro Bancários. “Essas barras, ou paralelas, foram todas montadas por nós. Tanto aqui quanto em outros bairros de João Pessoa”, relatou.

Ele disse ainda que as pessoas que treinam nesses locais ajudam a cuidar dos equipamentos. “Os pesos que usamos foram trazidos pela galera que mora por aqui, que fez em casa mesmo, e todo mundo pode usar. A gente coloca placas com avisos, para ninguém retirar, mas ainda acontece de fazerem isso, ou mesmo de quebrarem. Quando quebram dois, a gente faz três”, disse, rindo.

Na região da praia do Cabo Branco também há uma “academia de pedra”, como conta Yanko, criada e mantida pela população. “Ali também foi tudo montado pela população. Barras, pesos, tudo. Se algum se quebra, nós consertamos. Não tem participação do governo”, afirmou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de agosto de 2024.